quinta-feira, 26 de novembro de 2009

“MAQUIAVÉLICO” VERSUS “MAQUIAVELIANO” NA LÍNGUA E NOS DICIONÁRIOS MONOLÍNGÜES BRASILEIROS

Resumo:
Se bem que se estejam multiplicando no Brasil as releituras da obra de Maquiavel isentas de antigos preconceitos, e a palavra “maquiaveliano” se encontre, há umas décadas, atestada com um específico significado denotativo – análogo àquele com que, em geral, encontra-se “machia-velliano” na língua e nos dicionários de italiano –, contudo, é somente como mero sinônimo de “maquiavélico” que a palavra, há pouco, começou a aparecer registrada por uns dicionários monolíngües brasileiros. Pelo contrário, o multiplicar-se das atestações do adjetivo “maquiaveliano”, usado na acepção denotativa também como antídoto semântico-cultural, impõe uma redefinição de toda a família de palavras derivada do nome próprio ‘Maquiavel’ por parte dos dicionários monolíngües. Ou seja, por parte das obras que, por definição, deveriam representar, na sua inteireza e especificidade, o atual perfil da língua e da cultura do Brasil.

De Sandra Bagno Universidade de Pádua – Itália


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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Resenha - Maquiavel de Quentin Skinner

A publicação do estudo de Quentin Skinner, Maquiavel, vem enriquecer o acervo de obras em português sobre o pensamento político clássico. Trata-sede livro admirável e original, valorizado sobremaneira com o cuidadoso trabalho de tradução elaborado pela Prof â M. Lucia Montes. Após quase 500 anos da primeira edição de O Príncipe ─ obra magistral do mestre florentino ─ permanece viva a idéia de ser infindável a possibilidade de desvendar os meandros de sua construção analítica. Muitos arriscaram apreender o recado do escritor renascentista. Nesta instigante empreitada, que se inicia no próprio século XVI, Maquiavel foi alvo das mais diferentes e díspares interpretações. Sofreu ataques, sua obra foi acusada de inspirar atos ignominiosos, e do índex papal passou à história travestido com um dos mais temíveis adjetivos ─ maquiavélico. Tal reputação atravessou as fronteiras da Itália, ocupou o continente europeu e daí expandiu-se, desconhecendo limites geográficos e lingüísticos. A pecha do maquiavelismo sobreviveu às disputas entre jesuítas e protestantes e alojou-se no embate político, sempre como uma forma torpe e eficaz de caracterizar moralmente o adversário. E mais ainda: os termos maquiavélico e maquiavelismo não se restringiram sequer ao universo da política ─ habitaram, sem cerimônia, o mundo das relações privadas.

Não se pense, contudo, que Maquiavel com seus escritos esteve somente sujeito às interpretações que justificam a malignidade. Nem mesmo que a secularização dos últimos tempos libertaram-no do opróbrio moralista. Ao lado das mais ferozes condenações, muitos procuraram com igual paixão regenerar sua imagem, apontando os objetivos democráticos do primeiro grande analista político da modernidade. Rousseau encabeça uma longa lista, cerrando fileiras contra aqueles que vêem em Maquiavel o inspirador da tirania, o mestre do mal.

Face a tantas e tão contraditórias interpretações que se desdobram sem cessar nestes quatro séculos, um fato se impõe: há algo muito forte em Maquiavel, capaz de gerar amor e ódio, e de provocar nos estudiosos das idéias a necessidade de decifrar o enigma proposto. Quentin Skinner se lança nesta aventura e para isso coloca-se no efício de historiador, cujo trabalho, afirma, "consiste seguramente em servir como um anjo que registra, não como um juiz que condena" (p. 134). Seu registro baseia-se num contraponto entre a vida e a obra de Maquiavel. Assim, busca demonstrar a influência da carreira diplomática e do posterior exílio forçado nos escritos do autor renascentista.

A experiência na chancelaria propiciaria a Maquiavel observar ativamente a arte de conduzir os negócios do Estado. Skinner sustenta que de sua prática como funcionário público, Maquiavel intuiu os princípios da arte de governar que exporia mais tarde nas suas obras históricas e políticas. Desta forma, suas missões junto ao rei Luís XII da França, a César Bórgia, ao papa Júlio II, ao imperador Maximiliano, indicaram-lhe os motivos da instabilidade dos governos. Em poucas palavras, a "debilidade básica que todos compartilhavam consistia em uma fatídica inflexibilidade diante da mudança das circunstâncias" (p. 31).

O confronto entre as circunstâncias e o modo de agir dos governantes ─ ou entre a Fortuna e a Virtu ─ compõe o cerne da análise maquiaveliana. Nesta análise, há uma clara rejeição da moralidade humanista convencional, quer a partir de uma crítica impenitente aos princípios consagrados pela tradição, quer a partir de um silêncio eloqüente. De uma forma ou de outra, Maquiavel provoca um verdadeiro cataclisma. O homem é visto como um sujeito da história, capaz, se virtuoso, de resistir aos golpes da Fortuna

A Virtu é a disposição de fazer tudo aquilo que for ditado pela necessidade ─ independente do fato de ser a ação eventualmente iníqua ou virtuosa ─ para alcançar os mais altos objetivos. Ora, denotando a Virtu a qualidade de flexibilidade moral, cai por terra a rígida oposição cristã entre os vícios e a virtude. Há vícios virtuosos, e há virtudes que trazem a ruína.

Skinner demonstra ainda uma profunda ligação entre as teses desenvolvidas por Maquiavel no Príncipe e nos Discursos, divergindo, sem contudo atacar explicitamente, dos intérpretes que julgam existir, se não duas formulações muito distintas ou mesmo contraditórias, pelo menos dois textos independentes. Skinner, ao contrário, julga que nos Discursos o mestre florentino retoma o Príncipe, aprofundando suas proposições. Trata-se, uma vez mais, do desenvolvimento dos argumentos que sustentarei a indispensabilidade da Virtu para resistir aos infortúnios da sorte.

Aqui, torna-se clara a defesa da liberdade e sua identificação com a grandeza de uma cidade. Roma antiga atingiu a glória porque a Virtu esteve disseminada entre governantes e governados, e porque suas leis garantiram que a corrupção não tivesse efeitos devastadores.

O estudo de Roma ─ tema central dos Discursos ─ onde a liberdade foi preservada por mais de 400 anos, não se esgota em si mesmo. Skinner sustenta que "existe uma contínua preocupação com o destino de Florença por trás da argumentação geral" (p. 110). Maquiavel compara com angústia a total corrupção de sua cidade natal e a Virtu exemplar do mundo antigo. Sua Itália entregara-se à escravidão, a corrupção com sua influência maligna sufocou as liberdades, levando à tirania e à desgraça. Maquiavel, o amante da liberdade, o analista de situações, acreditava firmemente que este quadro poderia ser alterado. Afinal, a fortuna só manifesta sua força quando não encontra homens de coragem, cidadãos de Virtu.

Maquiavel, de Skinner, é uma importante contribuição para a leitura, dos escritos do autor renascentista. Mas, talvez, sua mais irresistível qualidade esteja no, fato de sugerir que Maquiavel continua aí para ser decifrado. Trata-se de um desafio que se renova a cada leitura.



Fonte
:Maquiavel de Quentin Skinner São Paulo: Editora Brasiliense, 1988 por Maria Tereza Sadek

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Maquiavel um visionário ou um gênio?


O paradoxo de Maquiavel é a gente não conseguir definir a causa da sua imortalidade literária: Um visionário? um gênio? um filósofo dos vícios da política da sua época? Ou, simplesmente, o autor de "O Principe", retratou algo tão óbvio do carater humano, que ao criticar e sensurar Maquiavel, na verdade estamos sensurando-o por desnudar uma verdade que não se queria cojitar: "os meios justificam o fim".A criança pede ou chora, ou esperneia até obter o brinquedo. O homem ora na sinagoga, grita eloquente em praça pública... ou mata, para conseguir seu intento. Mas para não chegar a esse extremo, usa do maquiavelismo "básico" politicamente correto e imoral, isso tudo independente da época. - Maquiavel! teu pecado foi contar a verdade nua e crua.

Fonte:digestivocultural

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

De Sócrates a Maquiavel

Não; o primeiro-ministro de Portugal não é um cidadão comum. Faz todo o sentido que tenha - no exercício do seu cargo - certos privilégios que os cidadãos comuns não têm. Por isso, ele deve também obrigar-se a certas reservas que os cidadãos comuns não precisam de respeitar. E apenas parte disto está escrito na lei.

José Sócrates foi avisado. Por exemplo, quando processou jornalistas por textos que ele considerava caluniosos. Na altura, a reacção de José Sócrates (persuasiva para alguns dos seus apoiantes) foi: terei eu menos direitos do que o cidadão comum? Não poderei eu processar um cronista que me insulta? Onde está a lei que me veda esse direito?

Em lado nenhum, escrevi eu na altura. É o primeiro-ministro que deve vedar-se a si mesmo esse direito. Desde logo, porque o cronista não o pode processar a ele e porque, mesmo se o pudesse fazer, a assimetria de poder seria sempre gritante. O primeiro-ministro deve ser parcimonioso no uso do seu poder retaliatório contra um cidadão qualquer.

José Sócrates pergunta agora: como é possível que eu tenha sido escutado? Não devem os titulares dos órgãos de soberania estar protegidos por disposições especiais? Não estará isto a ir longe de mais?

A primeira resposta é: aha! O primeiro-ministro não pode querer ser uma pessoa normal (para processar jornalistas) e uma pessoa especial (para ter regras privilegiadas em escutas) ao mesmo tempo. Isso não está na lei, mas está na moral da República; ao contrário das antigas monarquias, a República não dá privilégios gratuitos; com esses privilégios tem de vir uma reserva especial de comportamento, quer ela esteja descrita na lei ou não.

Mas a segunda resposta é: as escutas ao primeiro-ministro devem, sim, ter regras especiais. Ele, enquanto decisor, tem informação privilegiada que deve ser protegida.

As escutas que têm inquietado o país, porém, não são escutas a José Sócrates; são escutas com José Sócrates - escutas nas quais ele aparece. E é fútil argumentar que se as escutas forem inválidas nós devemos fingir que elas não existem. A mente pública não funciona com essa rigidez processualista. Ao não ter tido a reserva que deveria no momento próprio, José Sócrates passou a imagem de alguém obcecado com a imprensa. E agora estas notícias parecem fazer sentido, muito azar para ele e para todos nós. É grave imaginar que Sócrates tenha conversado sobre um grupo de imprensa com um amigo banqueiro, que tinha nas mãos a torneira do dinheiro que poderia salvar ou não salvar esse grupo de imprensa. É inquietante imaginar que ele soubesse da tentativa de compra de outro grupo de imprensa em Março, quando muitos de nós (eu incluído) o tomámos ao pé da letra quando ele em Junho nos disse que não sabia. E é mais grave e inquietante ainda que sejam notícias baseadas em escutas que não conhecemos, e cuja credibilidade não podemos aferir.

Maquiavel, na Florença do Renascimento, explicou-nos como um governante pode mentir em caso de necessidade. Esqueceu-se de dizer que o povo também está preparado para, em caso de necessidade, fingir que não vê. E talvez seja isso que vai acontecer agora: o Governo acabou de tomar o posse, o país não quer lançar-se no caos. Mas Sócrates deve saber isto: ou ele desata este nó agora, prestando um esclarecimento formal ou, depois de passar o estado de necessidade, ninguém vai voltar a fingir mais nada por ele.

Fonte:Jornalpúblico

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Maquiavel e o Imperador de Roma

O que dis­se Ma­qui­a­vel so­bre o im­pe­ra­dor que ten­tou im­plan­tar um ajus­te fis­cal em Ro­ma e aca­bou mor­to pe­la es­pa­da dos pró­prios com­pa­nhei­ros

O ator ir­lan­dês Ri­chard Har­ris, co­mo Mar­co Au­ré­lio: ele sou­be agra­dar o po­vo sem re­vol­tar o exér­ci­to e teve destino diferente de Pertinax, que foi sangrado no palácio
Ni­co­lau Ma­qui­a­vel, fun­da­dor da ci­ên­cia po­lí­ti­ca, foi um gê­nio uni­ver­sal me­nos pe­los “in­sights” (mo­men­tos ilu­mi­na­dos) que te­ve do que pe­la per­sis­tên­cia com que se agar­rou a uma con­vic­ção que, ho­je, po­de ser en­ten­di­da co­mo ba­nal: ele acre­di­ta­va pi­a­men­te que a his­tó­ria de­ve ser­vir de li­ção e é (no ca­so de seu te­ma pre­di­le­to) fun­da­men­tal pa­ra a con­quis­ta e a ma­nu­ten­ção do po­der. Na vi­ra­da do ano 1500, Ma­qui­a­vel foi tam­bém um dos pri­mei­ros e me­lho­res exem­plos de ser­vi­dor pú­bli­co que as­cen­de na car­rei­ra pe­los pró­prios mé­ri­tos — sua fa­mí­lia era em­po­bre­ci­da e sua in­di­ca­ção, aos 29 anos, pa­ra um dos prin­ci­pa­is car­gos da chan­ce­la­ria de Flo­ren­ça foi fei­ta, pro­va­vel­men­te, por um de seus pro­fes­so­res na uni­ver­si­da­de pú­bli­ca da ci­da­de.


Uma con­jun­tu­ra po­lí­ti­ca com­ple­xa (as ci­da­des ita­li­a­nas de­su­ni­das e a Eu­ro­pa em con­vul­são) o fez ca­ir em des­gra­ça, 13 anos de­pois. Foi a par­tir des­se pe­rí­o­do que Ma­qui­a­vel es­cre­veu su­as prin­ci­pa­is obras, in­clu­si­ve “O Prín­ci­pe” — pro­du­zi­da qua­se ex­clu­si­va­men­te com o ob­je­ti­vo de re­to­mar seu an­ti­go em­pre­go (quem quer al­go mais ro­mân­ti­co pre­fe­re pen­sar que o li­vro ba­si­lar da ci­ên­cia po­lí­ti­ca mi­ra­va a uni­fi­ca­ção da Itá­lia). Ma­qui­a­vel era apai­xo­na­do pe­la an­ti­gui­da­de, es­pe­ci­al­men­te o Im­pé­rio Ro­ma­no. Su­as prin­ci­pa­is im­pres­sões so­bre su­ces­so e fa­li­bi­li­da­de dos go­ver­nan­tes fo­ram re­ti­ra­das de exem­plos la­ti­nos mais im­pres­sio­nan­tes. O ca­pí­tu­lo 19, do “Prín­ci­pe”, é qua­se in­tei­ra­men­te de­di­ca­do à bi­o­gra­fia de dez im­pe­ra­do­res de um dos pe­rí­o­dos mais crí­ti­cos de Ro­ma.

Ma­qui­a­vel en­trou nes­sa lon­ga des­cri­ção his­tó­ri­ca pa­ra jus­ti­fi­car sua te­se de que o lí­der po­lí­ti­co de­ve evi­tar o ódio e o des­pre­zo das mas­sas — ter­re­no fér­til pa­ra cons­pi­ra­ções. Ele faz um re­la­to en­tu­si­as­ma­do so­bre Mar­co Au­ré­lio, um ca­so de dés­po­ta es­cla­re­ci­do, que fi­cou co­nhe­ci­do co­mo o im­pe­ra­dor fi­ló­so­fo. Hollywo­od fez um fil­me tec­ni­ca­men­te gran­di­o­so, “Gla­di­a­dor” (di­ri­gi­do por Rid­ley Scott), no qual a mor­te de Mar­co Au­ré­lio é o es­to­pim da tra­ma. A as­cen­são de Cô­mo­do, fi­lho na­tu­ral do im­pe­ra­dor, de fa­to, pro­vo­cou a ru­í­na da “pax ro­ma­na”. Até aí, o fil­me foi fi­el à his­tó­ria. O res­to é fic­ção. Pa­ra Ma­qui­a­vel, os su­ces­so­res de Mar­co Au­ré­lio fa­lha­ram, dan­do fim à Era de Ou­ro do im­pé­rio, por não con­se­gui­rem agra­dar, ao mes­mo tem­po, as du­as prin­ci­pa­is for­ças de Ro­ma: o po­vo e os sol­da­dos.

Um des­ses go­ver­nan­tes foi Per­ti­nax, su­ces­sor ime­di­a­to de Cô­mo­do e, cer­ta­men­te, um dos exem­plos mais in­te­res­san­tes (e fa­tais) so­bre a vo­la­ti­li­da­de do po­der e os ris­cos pa­ra quem de­sa­gra­da o pró­prio exér­ci­to. Per­ti­nax ti­nha ori­gem hu­mil­de e gran­de ta­len­to co­mo ad­mi­nis­tra­dor. Fez fa­ma em Ro­ma co­mo dis­ci­pli­na­dor de le­gi­ões em vá­ri­as cam­pa­nhas que li­de­rou. Quan­do Cô­mo­do foi as­sas­si­na­do, era pre­fei­to pre­to­ri­a­no (ad­mi­nis­tra­va a Guar­da Pre­to­ri­a­na, res­pon­sá­vel pe­la se­gu­ran­ça pes­so­al dos im­pe­ra­do­res). Os sol­da­dos ime­di­a­ta­men­te o aju­da­ram a as­su­mir o co­man­do do im­pé­rio, com a pro­mes­sa de que re­ce­be­ri­am um do­na­ti­vo ge­ne­ro­so — re­com­pen­sa por con­quis­ta mi­li­tar. Só que Per­ti­nax de­ci­diu ig­no­rar o acor­do tá­ci­to que ti­nha com seus ali­a­dos pre­to­ri­a­nos.

Pre­o­cu­pa­do com as con­tas de Ro­ma, em­pre­en­deu uma sé­rie de me­di­das res­tri­ti­vas — fa­zen­do aqui­lo que ho­je se cha­ma de ajus­te fis­cal, com o Es­ta­do gas­tan­do ape­nas o que ar­re­ca­da. Pre­ci­sou en­ro­lar os sol­da­dos o quan­to pô­de. Hou­ve uma pri­mei­ra re­vol­ta lo­go nos pri­mei­ros di­as. Con­tu­do, Per­ti­nax con­se­guiu con­tor­ná-la com a pro­mes­sa de que o do­na­ti­vo se­ria pa­go lo­go que con­se­guis­se ven­der as pro­pri­e­da­des de Cô­mo­do — in­clu­in­do es­cra­vos e con­cu­bi­nas. Os sol­da­dos fo­ram pa­ra ca­sa, mas não por mui­to tem­po, pois ape­nas me­ta­de do do­na­ti­vo foi pa­go. No 86° dia co­mo im­pe­ra­dor, Per­ti­nax foi tres­pas­sa­do pe­las es­pa­das dos guar­das pre­to­ri­a­nos (seus ali­a­dos) por­que não cum­priu a pro­mes­sa de di­vi­dir o po­der com eles. Na se­quên­cia, al­go bi­zar­ro, os amo­ti­na­dos fi­ze­ram um lei­lão do tro­no, ven­ci­do por Dí­dio Ju­li­a­no, que ofe­re­ceu o mai­or do­na­ti­vo aos sol­da­dos.

As li­ções de Ma­qui­a­vel con­ti­nuam atu­ais, pois su­as pro­po­si­ções se ba­sei­am em al­go pou­co mu­tá­vel: a na­tu­re­za do po­der. A ló­gi­ca pro­pos­ta por ele sem­pre cho­cou a éti­ca con­ven­cio­nal, mas sua aná­li­se dos di­le­mas po­lí­ti­cos (so­bre as de­ci­sões do po­der) é ir­re­fu­tá­vel. As in­ten­ções de Per­ti­nax, por exem­plo, fo­ram as me­lho­res. Além de con­tro­lar os gas­tos do im­pé­rio (co­lo­ca­dos em um ní­vel pe­ri­go­so por Cô­mo­do), ele ten­ta­va agra­dar o po­vo com a re­to­ma­da de al­guns di­rei­tos re­le­ga­dos pe­lo seu an­te­ces­sor — pre­o­cu­pa­ção con­si­de­ra­da ir­re­le­van­te pe­los sol­da­dos. Po­rém, co­mo aler­ta Ma­qui­a­vel, nem sem­pre é fa­zen­do o que pa­re­ce ser bom que se man­tém um tro­no. Na ver­da­de, o flo­ren­ti­no de­fen­dia uma es­pé­cie de equi­lí­brio nas de­ci­sões que re­quer um ti­po de ta­len­to mui­to es­pe­cí­fi­co.

A vir­tu­de do prín­ci­pe é fa­zer com que o “mal ne­ces­sá­rio” (ine­ren­te a qual­quer ad­mi­nis­tra­ção pú­bli­ca) se­ja mi­ni­ma­men­te per­cep­tí­vel pa­ra o po­vo e que não le­ve seus ali­a­dos po­lí­ti­cos ao de­ses­pe­ro. O fa­mo­so “bem a con­ta-go­tas” pre­ci­sa ser ma­xi­mi­za­do e pro­pa­ga­do pa­ra que o po­vo per­ce­ba o es­for­ço do go­ver­no, ser­vin­do tam­bém co­mo re­a­vi­va­men­to da es­pe­ran­ça dos ali­a­dos. Na épo­ca de Ma­qui­a­vel e na an­ti­gui­da­de, a re­a­li­za­ção des­sas ope­ra­ções era bem mais com­pli­ca­da. Ho­je em dia, os go­ver­nan­tes con­tam com um le­que bem mai­or de fer­ra­men­tas ad­mi­nis­tra­ti­vas pa­ra per­su­a­dir o elei­tor e as for­ças po­lí­ti­cas que os cer­cam. Mes­mo as­sim, mui­tos de­les aca­bam co­me­ten­do o er­ro do de­se­qui­lí­brio, tão bem ilus­tra­do pe­lo ca­so de Per­ti­nax, e aca­bam sen­do “mor­tos” pe­los ad­ver­sá­rios, se­não pe­los pró­prios com­pa­nhei­ros.

Fonte:Jornalopção

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O que é política, afinal?

- “Oz zome lá de Brasília é tudo cambada”.
- “Nossa, êssis pulítico, tudo ladrão”.
- “Vixi, temo até um anarfabeto comu presidente!”
- Ah, não quero saber de política não, é algo chato, triste.
- “Voto por obrigação, acho até que o voto não deveria ser obrigatório.”


As frases acima podem ser encontradas na boca dos brasileiros. Colhi algumas, que escuto sempre. Não raro, entre alguns aposentados, jogando damas em banco de jardim, escutamos também isso:

- “Tá um roubo só, us políticu num tem jeito, deveria fechar esse congressu aí”

Esse tipo de frase não é algo alvissareiro. Mas não revela, felizmente, um sentimento atual generalizado. Não estamos em 1964. Uma boa parte da população prefere mudar as coisas pelo voto e, quiçá, pela participação nas discussões da vida pública. Mesmo que não tenha informações sobre o que foi regime militar (1964-1985), a maioria concorda que não deve ter sido algo bom.
Mas, afinal, temos mesmo de conviver com a política? Isto é, o jogo político democrático é nossa única saída?

A política moderna, como nós a praticamos hoje, iniciou-se a partir do Renascimento e, no século XVI, deixou a marca que é ainda a que caracteriza o pensamento político e a ação política de hoje. Administramos a Cidade (1) a partir de duas noções do século XV: utopia e realismo. Em nomes, eis os heróis: Thomas More (1478 – 1535) e Maquiavel (1469-1527)

Em seu livro Utopia, More descreveu uma comunidade ideal sob um estado ideal. As regras que colocou para tal comunidade eram uma mistura de comunismo e liberalismo. Dispensou a propriedade privada e manteve firme e de modo meticuloso a idéia de planejamento urbano e de uso comum de uma série de aparatos necessários para a vida civilizada. Ao mesmo tempo, em sua ilha, tornou vigente toda a liberdade de idéias e de religião. O nome do seu livro foi uma escolha feliz: “utopia” que dizer “não-lugar”, ou seja, o lugar nenhum ou o lugar que não existe.

O excesso de regras do lugar ideal e a proliferação de detalhes minuciosamente postos para compor a cidade indicavam, inclusive, outro traço desse tipo de escrito, e de outras “utopias”: não só lugar que não existe, mas que não existirá. Foi assim que outros escritos parecidos foram então tomados, ao menos até o século XIX. No século XIX, principalmente a partir do marxismo, é que cidades imaginárias com vida feliz se casaram com o pensamento histórico, com a idéia de que haveria como seguir procedimentos para “endireitar” ou “entortar” a história, ou simplesmente fazê-la acontecer, uma vez que seu destino já seria, mesmo, a tal situação paradisíaca. As reformas e as revoluções começaram a ser pensadas, então, como processos tão planejados, para efetivamente acontecerem, como as próprias sociedades planejadas que iriam instaurar.

Maquiavel, por sua vez, fez o contraponto de época com o tipo de filosofia política das utopias. Sua obra mais conhecida, O príncipe, não tinha nada de ideal e, sim, do que veio a ser considerado mais tarde como o “realismo político”. O estado precisa ser construído e, depois disso, preservado. Para preservá-lo, o governo – o príncipe – precisa atuar segundo regras que não são as da moralidade comum, cristã, que se faz vigente entre os cidadãos do próprio estado. Eis aí o impasse.

Esse impasse pode ser resolvido, segundo Maquiavel, por meio de uma saída que, em parte, depois dele, no século XIX, alimentou a idéia de ligação entre utopia e história. Maquiavel trabalha com duas noções para explicar o que pode vir a ser o advento da política do bom governo: a fortuna e a virtù. A fortuna corresponde ao que nós podemos entender como a sorte, o que ocorre no tempo e que pode ser aproveitado. A virtù corresponde à qualidade de alguns homens de perceberem que o momento é propício para a criação do estado e conseqüente manutenção deste, com apoio da população, é claro.

Maquiavel leu os gregos e romanos e os admirava. Mas ele não pensava o tempo como os clássicos a pensaram, ou seja, a partir de um destino que deveria de se cumprir. Ele via a história a partir da metáfora do círculo, a história como um conjunto de repetições. Então, o homem de virtù, o estadista, seria aquele capaz de pegar exemplos de êxito de outros estadistas para aplicá-los à realidade. Não à toa, um homem assim teria carisma e, enfim, apoio popular. Ele é aquele que se aproveita da fortuna e age no que seria o chamado “momento certo”, se antecipando um pouco aos fatos e, enfim, colocando a roda da história em função de objetivos que são seus, do estadista, mas, também, da própria história. É claro que a fortuna pode lhe abandonar e ele perder tudo após ter conseguido tudo. Uma boa parte da história dos heróis fundadores de estados é assim. Mas, uma vez passado o tempo, reconhece-se que, em determinado momento, eles “fizeram o que tinha de ser feito.”

Assim tomado, Maquiavel é o oposto de More. Todavia, em certo sentido, ambos compartilham de uma fé profunda na humanidade. Ambos comungam do espírito do humanismo da época. Assim, para More, se o lugar é bem organizado, não há razão para os homens não viverem em paz. Maquiavel, por sua vez, entende que os homens, o povo, sempre fará menos erros que o príncipe. Mesmo quando erra, o povo erra de modo menos problemático que o erro do príncipe. Ainda que os heróis construtores do estado sejam homens de virtù e, então, carismáticos, é o povo e a liberdade deste que sustenta o que é a melhor vida para a cidade.

A política utópica e a política realista, nesse sentido, possuem um denominador comum: partem da crença de que é possível, de alguma forma, elaborar uma regra feita por nós mesmos para se efetivar sobre nós mesmos em função do “viver bem” – o bom governo é possível. Interessante que Immanuel Kant (1724-1804), depois, no século XVIII, tenha colocado o problema da filosofia política do seguinte modo: o problema todo da filosofia política é este, o de encontrar uma carta constitucional para uma “raça de demônios”. Ao chamar a humanidade de “raça de demônios” e, ao mesmo tempo, achar que o pensamento político pode dar uma regra política para tais seres, Kant já não compartilhava, nem um pouco, do que havia ficado explícito em More e Maquiavel, que sempre imaginaram a raça dos homens como formada, enfim, por homens.

Quando hoje, nos deparamos com as frases contra a política ou com a decepção em relação não só aos governantes, mas à política em geral, não devemos de esquecer que ainda não inventamos outro modo de agir para o funcionamento da vida coletiva senão o chamado modo político. Ou seja, atuamos segundo as verdades que emergem não por uma terceira posição, vinda de fora do mundo, para regrar nossa vida, mas sempre a partir das posições imersas nos conflitos – exatamente os conflitos que Maquiavel não negou, ao contrário, reconheceu todos como sendo necessários.

Um exemplo torna claro o que é a condição da política e, enfim, da liberdade que deve reinar em uma sociedade que faz política. O caso da disputa, detonada há poucas semanas, entre a Rede Globo e a Rede Record. Há um erro de avaliação quando se reduz tal confronto a uma mera disputa de vilões. Muita gente que se diz crítica faz a pergunta: ora, quem vai ficar do lado da ideológica Rede Globo contra o falsário Bispo Macedo e vice-versa? Mas essa pergunta não é boa, não é a pergunta de quem entende o que é a política. Quem entende o que é a política faz outra pergunta: o que se extrai de verdade dos podres que emergem de um lado e de outro, para que se possa colocar a sociedade em um patamar melhor que este? Ou seja, não há um juiz externo à política que possa dar a verdade, a política é feita pelo embate entre opositores, e o que é o correto emerge nas contingências, na apreciação que se pode dar considerando os conflitos. Sem os conflitos, não ficaríamos sabendo dos podres de um lado e de outro no grau que ficamos e, portanto, não poderíamos nem agir segundo o realismo político e nem pensar em projetar utopias necessárias. Em outras palavras, ficaríamos sem ciência e sem esperança.

Vivemos da ciência e da esperança. Vivemos de Maquiavel e de More. Pois vivemos da política e na política. Dizem que, quando formos anjos, e não tivermos mais corpos, não precisaremos mais da política. Mas, até lá, a condição nossa é esta.

© Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo

Fonte:Ghiraldelli

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Príncipe nos dias de hoje

A obra O PRÍNCIPE, de Maquiavel, é certamente o marco decisivo para a modernidade e se opõe diretamente aos valores não apenas cristãos, mas também àqueles da tradição de Sócrates, Platão e Aristóteles. Esse livro é o manual para novos príncipes que irão surgir desde então, tornando-se o pai de todos os aventureiros políticos e a bíblia daqueles que construíram os partidos de vanguarda. Maquiavel conseguiu transformar todos os vícios e canalhices da política nas virtudes por excelência dos governantes. Tresvalorizou todos os valores muito antes de Nietzsche, filósofo que fechou o ciclo macabro aberto pelo florentino no campo da política.

Não que a canalhice não fosse prática corrente desde tempos imemoriais onde se organizou alguma forma de Estado. É próprio da política a violência, a traição, a rapina. A guerra, diz a expressão consagrada, é a continuação da política por outros meios, e nada há de mais atroz do que a guerra. O que Maquiavel fez foi teorizar a canalhice e dar sustentação filosófica para ela. Não é possível compreender o morticínio perpetrado na modernidade, desde a Revolução Francesa pelo menos, sem que essa filosofia seja devidamente situada na motivação e na justificação da ação dos atores políticos. Que seria de Napoleão sem Maquiavel? E de Lênin? E de Hitler? E de todos os herdeiros gnósticos da modernidade? Marx e Nietzsche são santos perto do que fez Maquiavel.

Estudiosos da obra do florentino não se cansam de exaltar a fria lógica e o cálculo racional que ele emprestou ao estudo da ciência política. E, no entanto, quedam surpreendidos com o elemento mítico com que o autor fecha a obra, ao falar da Fortuna ou, em termos astrológicos, da Roda da Fortuna, a X carta dos Arcanos Maiores do Tarô, que era ao que ele se referia verdadeiramente. A questão colocada é que todos os aventureiros poderiam usar do manual maquiavélico, como aliás têm feito desde sempre. Por que apenas alguns chegam lá, como Lula lá, e outros fracassam redondamente, como Luiz Carlos Prestes? Por que outros são efêmeros, como o nosso Fernando Collor de Mello? [As declarações da ex-esposa Roseane à revista Veja, relatando os sacrifícios de animais no quintal da Casa da Dinda pelas madrugadas quando ele era presidente da República – 3 da manhã é a hora satânica – são fatos ilustrativos de como o elemento irracional demoníaco pode tomar conta das personalidades mais proeminentes. O poder pode literalmente enfeitiçar aqueles que foram por ele fascinados]. Efêmeros como Hitler, este que também era um satanista emérito? E por que outros se mantêm no poder até a morte, como Lênin, Mao e Fidel Castro?

Não basta o manual de canalhice para ser bem sucedido, disso Maquiavel sabia. O símbolo da Roda da Fortuna é encimado por uma figura que é metade anjo e metade demônio. É, a meu ver, uma excelente representação pictórica do poder, que pode ter tanto um lado benéfico como um lado maléfico, dependendo de quem esteja a exercê-lo. Platão e Agostinho criaram a tradição de que deve o governante buscar a Justiça, sendo esse o papel fundamental do poder de Estado, a sua missão por essência. A política, para eles, era a arte de praticar a Justiça. Por isso São Paulo escreveria sobre a fundamentação divina do poder. Do governante esperava-se ao menos a boa intenção.

Maquiavel joga na lata do lixo a investigação das virtudes, despreza a missão de Justiça e recomenda expressamente que os candidatos a novos príncipes sejam mal-intencionados. Que Justiça que nada! Põe ele as armas como o único sustentáculo do poder. Obviamente que isso é um erro, a negação da essência do elemento civilizacional. Maquiavel tem, no entanto, o mérito de reconhecer esse elemento transcendente que condiciona o poder de Estado e a ação dos seus agentes, fato que seus discípulos posteriores negam ou abandonam. Esqueceram-se do principal.

Quanto maior o orgulho, maior será a queda. Ou, dito de outra forma, quanto maior a ambição política, maior a frustração. Hitler terá sido o mais audacioso dos revolucionários, o mais temerário e, no entanto, foi consumido pelas chamas de sua paixão. Queimou numa pira funerária, uma maneira plástica de ser remetido aos infernos. Muitos ditadores seguiram o seu caminho. Permanece a questão de saber porque o governante malvado pode morrer no governo, em pleno exercício do poder totalitário.

Entendo que as coisas do poder não são alheias a Deus. O jovem teólogo Ratzinger, no seu brilhante INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO, escrito quando ainda não tinha as responsabilidades que hoje tem, sugere haver um elemento irreconciliável entre o reino desse mundo e as coisas de Deus. Por isso o Deus de Abraão não tinha território, vivia em tendas, uma maneira bastante didática de dizer que não era um Deus estatal, não era um concorrente de Baal e Moloch. É aquele que é, o Deus vivo. Da mesma forma, Cristo rejeita peremptoriamente a terceira tentação que lhe fez o Demônio e disse a quem queria ouvir que seu reino não era o desse mundo.

Penso que a contribuição do homem virtuoso à política é se manter virtuoso quando do exercício da política. Ao contrário do que pensava Maquiavel, isso não implica em fraqueza ou tibieza. A virtude pode ser varonil, viril, como bem o demonstra Voegelin no seu A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA. O governante virtuoso pratica o bem por escolha, mas sempre poderá usar mão da força para combater os oponentes movidos pela ambição das trevas. E esse uso da força é santificado, caracteriza o bom combate.

Os tempos de hoje conhecem os piores governantes simplesmente porque as idéias de Maquiavel (e de Marx, Hegel, Lênin, Gramsci. Nietzsche e tutti quantti) governam gente do seu próprio nível moral. A Europa da primeira metade do século XX já não era mais cristã, era atéia, como agora o é mais ainda. A força do Islã no território europeu é o espelho de sua fraqueza espiritual. O que dizer de nosso Brasil de Lula Lá? Collor, sacrificando animais no quintal à terceira hora da madrugada, é bem o emblema de um povo que cultua o Maligno alegremente. Um povo assim merece os seus governantes. Com propriedade poderíamos repetir aqui, com Cristo, que essa gente é palha que deve ser queimada no fogo inextinguível. Vivemos o tempo do Estado Total e tudo pode acontecer.

Fonte:Nivaldocordeiro

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

É mais seguro ser temido do que ser amado?


Você, como eu, deve ter percebido o crescimento da violência em nossa sociedade. Acontece que, para minimizar a violência estamos nos tornando cada vez mais violentos. Isso não é novo, apenas ganha novo status; apenas evidencia uma das características mais marcantes do ser humano: a crueldade que produz violência. O ser humano é cruel, pois produz situações de maldade e age violentamente de forma intencional. Não digo isso baseado apenas naquilo que os noticiários nos mostram a respeito dos chamados bandidos. Digo a partir da anuência das pessoas após um tiro, planejado pela polícia, eliminando um meliante. Em nome da paz e da segurança as pessoas agem com violência, demonstrando que essa é uma instituição humana: contra a violência que nos aterroriza, usamos violência.
Aliás, isso foi ensinado por Maquiavel, em o Príncipe. Ao explicar porque o príncipe deve ser temido ao invés de amado, diz que: “é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho”. Se os homens são ingratos, então deve-se guia-los não com benevolência, mas com o chicote na mão. Então, por medo, aceitarão a violência e ela se institucionaliza. O medo do chicote produz uma aparente harmonia e aquela sensação de alegria ao ver o outro ser punido-agredido por quebrar a harmonia.

Isso nos arremete ao “Crepúsculo dos Ídolos” livro em que Nietzsche faz o seguinte comentário: “ver sofrer, faz bem; fazer sofrer melhor ainda: ai está um duro princípio, mas um princípio fundamental antigo, poderoso, humano, demasiadamente humano”. Que são os atos violentos se não uma expressão da maldade humana? Trata-se de um princípio, demasiadamente humano! E se isso é feito intencionalmente, de forma premeditada, indica a presença da crueldade.

O mesmo pensador alemão, chamado de anticristo, numa anotação em seu registro de óbito da capela do cemitério em que está enterrado, radicaliza ainda mais a afirmação da maldade humana. Afirma ser esse um ingrediente produtor de prazeres. Ou seja, produzir maldades produz prazeres... diz o pensador: “É verdade que repugna à delicadeza, mais ainda, a hipocrisia de animais domesticados (quero dizer os homens modernos, quero dizer nós) representar-se com todo o rigor até que ponto a crueldade era alegria festiva na humanidade primitiva e entrava como ingrediente em quase todos os seus prazeres”. No mesmo livro, na mesma página, no mesmo parágrafo, Nietzsche continua: “Indiquei já de maneira circunspeta a espiritualização e a ‘deificação’ da crueldade que não cessa de crescer e atravessa toda a história da cultura superior”.

Alguém, desavisado, poderia perguntar: qual é essa “cultura superior” que tem feito a “espiritualização e a ‘deificação’ da crueldade”? Qual é a sociedade em que se vê o crescimento da crueldade? Inicialmente a cultura alemã, à qual o pensador analisa e, por extensão, a sociedade cristã oriental em que todos estamos inseridos.

Não gostamos de sofrer, mas nos divertimos com o sofrimento alheio. Uma afirmação deste tipo pode parecer repugnante, mas como, de outra forma, explicar a crescente onda de violência, desde o colo das famílias até as mais altas rodas sociais? Nada escapa ao crescendo da violência. E, então, para reprimi-la, usamos de violência. Explico-me: os norte-americanos agrediram a vários povos orientais – violentando suas culturas, seus governos... – em nome do lucro. Alguns desses povos reagiram derrubando as “torres gêmeas” (em setembro de 2001). A contra reação norte americana foi a guerra. Contra a guerra, constantes atentados terroristas... (evidentemente não estamos analisando, aqui, a crescente e lucrativa indústria da guerra, uma demonstração de que a violência, além de fazer bem... e dá lucro).

Outro exemplo: a população urbana cresce. Não crescem as vagas em empregos. Muita gente, na cidade, vive de subemprego, com dificuldades crescentes... aprece o traficante dizendo que distribuir droga dá lucro e cria uma rede de distribuição com gente desempregada ou esfomeada. A reação da sociedade é atiçar a polícia contra eles. Estabelece-se uma guerra urbana: um atira de um lado, recebendo como resposta outro tiro... amplia-se a espiral da violência ... e jornais e TV e rádio e internet transmitem, ao vivo, as cenas de violência, para um público sedento de sangue. E as pessoas se satisfazem, se sentem gratificadas quando a polícia elimina o meliante, em transmissão ao vivo, em cadeia nacional.

É claro que, como disse Nietzsche, no trecho acima, isso pode parecer repugnante (como ele diz? “repugna à delicadeza”). O fato é que a mídia sobrevive da notícia e o consumidor da noticia – a população – está sedenta de violência e crueldade, para se divertir. Compare o tempo destinado às chamadas “boas” noticias em relação ao tempo destinado às tragédias. Diante dessa diferença, em favor da desgraça, muitos diriam que a mídia “parece que gosta de divulgar coisas ruins”. Mas a mídia transmite o que as pessoas gostam de ver! As pessoas gostam, preferem, as tragédias.

Então não podemos dizer que é repugnante o que a mídia faz, mas é repugnante a tendência da sociedade em se divertir assistindo a desgraça dos outros. É verdade que nos emocionamos com cenas e situações em que o altruísmo se manifesta. Mas, não é menos verdade que nos detemos por horas assistindo a desgraça alheia. Podemos até nos solidarizar com a vítima, mas fazemos isso para mais nos sentirmos superiores; para nos colocarmos em posição privilegiada pois “ver sofrer faz bem”... nos lembra que estamos bem! E essa é a face cruel da violência.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

Fonte:Nivaldocordeiro

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Lula exerce "autoritarismo popular", com "decisões esdrúxulas", diz FHC em artigo

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso assina um artigo veiculado neste domingo (1º), em diversos jornais de circulação nacional e local, por meio do qual faz duras críticas à gestão Lula, que seria o responsável pela “enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas”. Segundo FHC, Lula exerce um “autoritarismo popular” velado, com a anuência de uma sociedade satisfeita por um contexto de avanços.

“Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo ‘Brasil-potência’. (...) Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo”, disserta o tucano.

Intitulado “Para onde vamos?”, o texto inicia a argumentação mencionando a suposta acomodação da opinião pública diante de um governo com alguns êxitos, e de um presidente com elevada aceitação popular e tido como um dos expoentes da nova ordem mundial. “(...) alguns estão de tal modo inebriados com ‘o maior espetáculo da Terra’, de riqueza fácil que beneficia a poucos”.

O ex-presidente desfila sua erudição de sociólogo formado na francesa Sorbonne e faz analogias a obras literárias como O príncipe, de Nicolau Maquiavel, e à famosa frase atribuída a Luís XIV de Bourbon, ‘L’État c’est moi’, na qual o monarca absolutista da França demonstra como encarava seu reinado. É quando FHC faz referência à “mal ajambrada” reforma na legislação do petróleo, um dos “pequenos assassinatos” supostamente perpetrados por Lula e “engolidos sem tempo para respirar” pelo Congresso Nacional.

“Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares se o processo de seleção não terminou? (...) Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do ‘autoritarismo popular’ vai minando o espírito da democracia constitucional”, diz FHC, citando episódios e ações de governo em nível nacional e internacional, como a relação com o presidente iraniano Ahmadinejah e às recentes rusgas em torno da gestão da Vale, maior empresa privada do país.

“(...) o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que estivesse esquecido de acrescentar ‘L’État c’est moi’. Mas não se esqueceram de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos aviões de caça para defender ‘nosso pré-sal’. Está bem, tudo muito lógico”, arremata o tucano, retomando o título do artigo ao encerrá-lo.

“Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde.”

Fonte:Opovo

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A traição como ela é


Na política, um acordo pode ter prazo ou data de validade. A depender de um interesse, uma verdade dita hoje amanhã já se tornou obsoleta ou esquecida. A máxima de Nicolau Maquiavel ``os fins justificam os meios``, escrita em 1514, serve como desculpa para justificar muitas atitudes contraditórias ou incoerentes, para não dizer traidoras. Teórico do poder, e mais importante, de como se manter no poder, Maquiavel, quase quinhentos anos depois, permanece atual.

Longe de sua frase mais clássica, ao ler o seu texto mais famoso, O Príncipe, encontra-se pérolas e ensinamentos sobre relações políticas. Por exemplo: ``um senhor prudente, portanto, não pode nem deve cumprir a palavra dada quando tal cumprimento se volta contra ele e as razões que levaram a assumir o compromisso não existem mais``.

Seria permitido, portanto, no jogo político a traição? Sem esconder o riso, o cientista político da UFPE, Michel Zadain responde ``os políticos são mais volúveis que os amantes. Os amantes são mais fiéis``. Na política brasileira, trair ou realizar acordos inusitados para chegar ou se manter no poder faz parte do jogo. Se Lula admitiu que, no Brasil, Jesus se aliaria com Judas, por que se espantar quando o presidente abraça a aliança com o senador alagoano Collor de Mello (PTB)? Explicações para essa ``flexibilidade`` são muitas.

Michel Zadain apresenta a atividade política brasileira dividida em três componentes: eleitoral, político e ideológico. Ao primeiro, o mais volátil, recorre-se a fim de ganhar as eleições. Há objetivos periódicos e determinados. O resultado são alianças fugazes entre partidos que nem sempre possuem afinidades programáticas. Uma vez eleito, a gestão precisa de coligações forte para garantir a governabilidade. Os acordos não podem ser tão rasos, quanto nas eleições. O partido com candidato vitorioso necessita de jogo de cintura. Muitos partidos que, às vezes, nem aliados nas eleições foram, poderão camuflar seus discursos, para se aproximar do poder. Por fim, a ideologia, última integrante, carece de um tempo maior para a consolidação e nem sempre consegue se firmar. No Brasil, de acordo com Zadain, o fator ideológico, entre os partidos, é o menos importante.

``Na política propriamente dita, a engenharia para ganhar as eleições se sobrepõe ao componente ideológico``, ressalta Zadain. Com a finalidade de se chegar ao poder, todas as alianças político-partidárias são bem-vindas. Para completar a situação, devido a uma forte herança patriarcal, persiste, no País, de acordo com o pesquisador, o alto grau de personalização política e uma baixa institucionalização dos partidos. Pensa-se a legenda com a organização social de uma família. ``Os partidos vão ser parecidos com a casa da Mãe Joana, com chefe e sub-chefe``, brinca

Pluripartidário
Além da análise antropológica, para o cientista político da UNB, David Fleischer, é inevitável pensar na governabilidade brasileira sem uma política de coalizão. Com o número elevado de partidos, 27, quase todos com representatividade no Congresso Nacional, torna-se basicamente impossível não buscar apoios. ``O Lula teve muito jogo de cintura. Muito militante do PT não concordou quando o governo Lula aceitou o PTB na coalizão, nem o PL. Esses sacrifícios são para governar``, pondera.

``O Sebrae fala em pequenas empresas grande negócios. Eu sempre digo, pequenos partidos grandes negócios``, ironiza. Uma das possíveis soluções proposta por Fleischer seria uma reforma eleitoral em que contemplasse três mudanças: fechar a lista de parlamentares, ou seja, o voto do cidadão é no partido, e a sigla escolhe quais serão seus representantes no Congresso; impedir coligações em eleições proporcionais, priorizando a nacional e aprovar a cláusula de barreira que impede a formulação de partidos nanicos.

Sobre partidos pequenos, Zadain tem uma ``lei de ferro``: ``quando o partido é novo, vale a pena investir na sua marca, no seu nome, na sua visibilidade, depois não rende fruto, não tem resultado``. Se permanecerem sempre com o mesmo discurso, logo são tachados de sectários ou iludidos. Para um partido de esquerda ganhar espaço, ele precisa se trair e mudar suas palavras de ordem. Um discurso radical, explica Zadain, não atrai o eleitorado brasileiro, avaliado por ele como de centro. ``No Brasil, precisa ser de centro, para poder concorrer e ganhar as eleições``, enfatiza.

Por isso, nada mais coerente de que voltar ao pensamento de Maquiavel, quando diz que ``o desejo de conquista é coisa verdadeiramente muito natural e ordinária, e sempre que os homens capazes da conquista a realizam serão por isso louvados e não censurados; mas quando não a podem fazer e desejam fazê-la de qualquer modo, eis que estarão presentes o erro e a censura``. Traição, incoerência ou mudança? Nas próximas páginas, O POVO discute o assunto.

FATOS HISTÓRICOS PERSONAGENS

> Carlos Lacerda. Lacerda mudava de opinião política como quem mudava de camisa. Um dos casos mais curiosos foi de sua relação com o presidente Jânio Quadros (1917-1992). Em 1953, durante a campanha de Jânio para a prefeitura de São Paulo, Lacerda elogiou o candidato como alguém ``capaz de dar a vida pelo que promete``. Já quando Jânio exercia o governo do estado de São Paulo, Lacerda escreve ``O sr. Jânio Quadros é a versão brasileira de Adolph Hitler``. Suas posições controversas atingiam nomes como Juarez Távora, Assis Chateaubriand, Afonso Arinos, marechal Lott. Na década de 60, foi lançada o livro Carreirista da Traição, de Epitácio Caó, compilando as principais incoerências de Lacerda.

> Pedro Collor. Denunciou, em 1992, o escândalo de corrupção envolvendo o seu irmão, Fernando Collor de Melo, então presidente da República, e o seu tesoureiro Paulo César Farias. Pedro, em entrevista na revista Veja, disse que o tesoureiro era testa-de-ferro de Collor. As denuncias vieram após uma disputa entre os dois irmãos pelo comando das empresas de comunicação da família em Alagoas. Segundo Pedro Collor, o irmão queria transformar os veículos em ferramentas políticas, além de tentar criar novas empresas.

> Cristiano Machado. Na sucessão presidencial de 1950, Cristiano Machado, filiado ao PSD, lançou seu nome na disputa. O partido foi contra a candidatura de seu filiado e apoiou o nome de Getúlio Vargas na disputa. Por insistir em sua campanha, criou-se a alcunha de cristianização, por sua atitude. Um dos exemplos mais simbólicos de cristianização na política de Fortaleza foi durante a campanha de Luizianne Lins, em 2004, na disputa pelo município. A contragosto do PT, Luizianne lançou sua candidatura, enquanto seu partido apoiou a candidatura de Inácio Arruda, do PCdoB.