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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Ricardo Teixeira Maquiavélico

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, cedeu entrevista a uma repórter da revista Piauí, e detonou os críticos e prometeu cometer maldades com a imprensa na Copa de 2014, onde ele é presidente do Comitê Organizador. Em uma das conversas, o chefão do futebol brasileiro rebateu as acusações de corrupção, entre elas uma tentativa de venda de voto no processo de escolha das sedes das próximas Copas do Mundo.

“Meu amor, já falaram tudo de mim: que eu trouxe contrabando em avião da seleção, a CPI da Nike e a do Futebol, que tem sacanagem na Copa de 2014. É tudo da mesma patota, UOL, Folha, Lance, ESPN, que fica repetindo as mesmas m*rdas”, disse Teixeira, que foi ainda mais longe. “Não ligo. Aliás, caguei. Caguei montão. O neguinho do Harlem [bairro pobre de Nova Iorque] olha para o carrão do branco e fala: ‘quero um igual’. O negro não quer que o branco se f*da e perca o carro. Mas no Brasil não é assim. É essa coisa de quinta categoria”.

Teixeira também falou sobre seus momentos de confronto com a Rede Globo, quando em 2001, a emissora dedicou uma edição do "Globo Repórter" a ele. A resposta imediata dele foi mudar o horário de um Brasil x Argentina, o que fez a Globo perder muito dinheiro sem poder exibir seus patrocinadores em horário nobre. “Pegava duas novelas e o Jornal Nacional. Você sabe o que é isso?”, disse. “Quanto mais tomo pau da Record, fico com mais crédito com a Globo”, avaliou Teixeira, que vê pontos positivos no fato de ser alvo da Record atualmente.

Ricardo Teixeira ainda classificou a imprensa brasileira como “vagabunda”, e rebaixou vários meios de comunicação que não são do lado dele. "Esse UOL só dá traço. Quem lê o Lance? Oitenta mil pessoas? Traço. Quem vê essa ESPN? Traço", disse o mandatário da CBF, que completa dizendo que "Só vou ficar preocupado, meu amor, quando sair no Jornal Nacional".

O cartola ainda ameaçou a imprensa no próximo Mundial. “Em 2014, posso fazer a maldade que for. A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Por que eu saio em 2015. E aí, acabou”, concluiu.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Wikileaks: “O feiticeiro ficou preso à sua descoberta” - José Medeiros Ferreira

As revelações do 'site' Wikileaks sugerem que o “feiticeiro ficou preso à sua descoberta” e a necessidade de “novas formas de segurança” para as comunicações dos Estados, disse em entrevista à Lusa José Medeiros Ferreira.

“Foi o feiticeiro que ficou preso à sua descoberta. Os Estados vão ter que encontrar novas formas de segurança para as suas comunicações, por levianamente terem despejado tudo num ciberespaço com crianças que descobriram o brinquedo”, afirmou o professor universitário, 68 anos, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros (1976-1978) e especialista em assuntos internacionais.

O impacto dos telegramas diplomáticos divulgados pelo 'site' de Julian Assange, que se encontra detido em Londres, são comparados pelo antigo chefe da diplomacia portuguesa ao efeito que produziu a edição de “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel na Europa do início do século XVI.

“Quando ‘O Príncipe’ foi editado muita gente ficou a saber como pensavam os decisores políticos. Agora, ou mudam o pensamento político ou mudam o sistema de comunicações. Mas do ponto de vista dos costumes diplomáticos acho que as coisas vão continuar mais ou menos como estão. Os meios de comunicação é que vão ser outros”, assevera.

Para Medeiros Ferreira, “também se condenou Maquiavel por ter dito quais eram as regras que os príncipes utilizavam na forma de fazer política… Agora vai condenar-se e depois vão modificar-se algumas coisas, a principal das quais será o sistema de comunicação interna das embaixadas e dos governos”.
“Será sobretudo alterada a maneira de comunicar, de informar os respetivos governos. Acho que acabou a lua-de-mel da comunicação através da Internet, que em termos públicos tem cerca de 30 anos. Isto é por ciclos, e agora os Estados têm de arranjar outras formas de comunicação, a velha cifra, descobertas antigas…”.

Apesar de as comunicações “via ciberespaço” terem deixado de ser “fiáveis” para os Estados, Medeiros Ferreira considera que as questões colocadas pelo Wikileaks terão prevenido uma eventual “guerra cibernáutica em que todos os Estados ficassem cegos, sem acesso à Internet”, antes de colocar uma hipótese: “Sabe-se lá se não voltaremos a ter o Diário da República impresso'.

Ao referir-se à polémica em torno dos “voos secretos da CIA”, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros não se mostra particularmente surpreendido.

“Disse no meu blog [Córtex Frontal] que sobre as questões dos voos, de Guantanamo, acabaria por se saber tudo através da documentação dos Estados Unidos. Estava longe de imaginar que fosse por este processo, mas mais cedo ou mais tarde vai saber-se quase tudo sobre os voos de Guantanamo, é sempre uma questão de tempo”.

Numa referência aos casos divulgados pelos documentos diplomáticos publicados e que envolvem Portugal, Medeiros Ferreira sustenta serem “coisas que já se sabiam, ou que se deduzia. Sinceramente, ilustra aquilo que no fundo se presumia que pudesse acontecer”.

sábado, 10 de julho de 2010

Maquiavelismos…

Hoje vou ocupar este espaço com Nicolau Maquiavel – e as suas regras gerais da arte da guerra – na medida em que me parece importante que as pessoas se consciencializem que os problemas que hoje discutimos no nosso dia-a-dia, que as dificuldades e as particularidades do quotidiano das sociedades modernas, não são propriamente uma novidade.

Nicolau Maquiavel ficou conhecido pela forma peculiar como aconselhou alguns políticos, monarcas e dirigentes de Estado, pelo que advogava, pela conflitualidade à qual nunca virava costas e pela forma peculiar como recomendava que as pessoas se preparassem antecipadamente para esses desafios, dizendo o que deviam fazer e tentando adivinhar, por antecipação, as reacções dos adversários e mesmo dos inimigos. São algumas dessas regras importantes de Maquiavel que resolvo hoje partilhar com as pessoas que se digna a dispensar algum tempo para me lerem, na esperança que encontrem alguma utilidade neste legado de Nicolau Maquiavel:

“Estou consciente de vos ter falado de muitas coisas que por vós mesmos haveis podido aprender e ponderar. Não obstante, fi-lo, como ainda hoje vos disse, para melhor vos poder mostrar, através delas, os aspectos formais desta matéria, e, ainda, para satisfazer aqueles - se fosse esse o caso - que não tivessem tido, como vós, a oportunidade de sobre elas tomar conhecimento. Parece-me que, agora, já só me resta falar-vos de algumas regras gerais, com as quais deveis estar perfeitamente identificados. São as seguintes:

- Tudo o que é útil ao inimigo é prejudicial para ti, e, tudo o que te é útil prejudica o inimigo;
- Aquele que, na guerra, for mais vigilante a observar as intenções do inimigo e mais empenho puser na preparação do seu exército, menos perigos correrá e mais poderá aspirar à vitória;
- Nunca leves os teus soldados para o campo de batalha sem, previamente, estares seguro do seu ânimo e sem teres a certeza de que não têm medo e estão disciplinados e convictos de que vão vencer;
- É preferível vencer o inimigo pela fome do que pelas armas. A vitória pelas armas depende muito mais da fortuna do que da virtude;
- Nenhuma decisão é melhor do que aquela que permanece em segredo até ao momento da sua execução;
- Nada há de maior utilidade na guerra do que saber reconhecer uma oportunidade e não a deixar fugir;
- A natureza produz poucos homens valentes; em contrapartida, a astúcia e o treino fornecem bastantes;
- Na guerra, a disciplina vale bem mais do que a exaltação;
- Quando do exército inimigo saem homens para vir para o teu serviço, se forem fiéis tratar-se-á sempre de uma boa aquisição, porque as forças do adversário enfraquecem muito mais com a perda dos que desertam do que com a dos que morrem, ainda que a designação de desertor seja suspeita para os novos amigos e odiosa para os antigos;
- Na organização para uma batalha, é preferível constituir, atrás da primeira frente, uma reserva, que possa prestar auxílio, do que, para tornar a frente maior, dispersar as suas tropas;
- Dificilmente é derrotado todo aquele que consegue avaliar correctamente as suas forças e as do inimigo;
- Vale mais a virtude dos soldados do que o seu número; algumas vezes, porém, o valor da posição ocupada supera a virtude dos combatentes;
- As coisas inesperadas e repentinas perturbam os exércitos; as coisas habituais e graduais impressionam muito menos; por conseguinte, antes de travar batalha com um inimigo desconhecido, farás o teu exército habituar-se a ele através de pequenas escaramuças;
- Perseguir desordenadamente um inimigo já derrotado é correr o risco de passar de vencedor a vencido;
- Aquele que não prepara devidamente os abastecimentos necessários à vida do exército é derrotado sem o recurso às armas;
- Quem confia mais na cavalaria do que na infantaria, ou mais na infantaria do que na cavalaria, que saiba escolher o terreno em conformidade;
- Quando, durante o dia, quiseres verificar se algum espião se introduziu no acampamento, faz com que cada soldado recolha ao seu alojamento;
- Muda o plano de operações quando te aperceberes de que o inimigo foi capaz de o prever;
- Antes de tomares uma decisão, aconselha-te com muitos; quando souberes o que vais fazer, partilha a decisão com poucos;
- Quando estão aquartelados, os soldados dominam-se com o temor e as punições; depois, quando se conduzem ao combate, com a esperança e as recompensas;
- Os grandes capitães nunca vão para uma batalha senão quando a isso são constrangidos ou quando a oportunidade o impõe;
- Esforça-te para que os teus inimigos não saibam como vais organizar o teu exército para o combate. Seja qual for essa organização, faz com que as primeiras linhas possam ser recolhidas pelas segundas e pelas terceiras;
- Se não queres criar confusão, não atribuas a uma batalha, durante o combate, uma missão diferente daquela que inicialmente lhe estava atribuída;
- Enquanto os incidentes imprevistos com dificuldade se remedeiam, os esperados com facilidade se resolvem;
- Os homens, o ferro, o dinheiro e o pão constituem o nervo da guerra, mas, destes quatro, os dois primeiros são os mais necessários, porque os homens e o ferro, juntos, encontram o dinheiro e o pão, mas dinheiro e pão, somados, não encontram os homens e o ferro;
- Um rico desarmado é o prémio do soldado pobre;
- Acostumai os vossos soldados a desprezar o viver delicado e o vestir luxuoso.

Decididamente não nos deixemos influenciar por manipulações, não nos iludamos quanto ao que pensam, querem e ambicionam certas pessoas. Transpondo para a política, parece-me óbvio que as cautelas, no que à opinião pública diz respeito, são por demais evidentes e necessárias. As pessoas nos tempos que correm não têm desculpas, não podem ser enganadas, não podem ser confundidas e aceitar isso com naturalidade, não podem acreditar no primeiro vendedor de banha-da-cobra que lhes aparece pela frente, não se podem deixar iludir pelos discursos inflamadamente reivindicativos e facilitistas próprios de quem não tem, não teve e provavelmente nunca terá, responsabilidades de liderança e de governação. É fácil exigir, é fácil propor medidas idiotas e demagógicas, escudando-se numa falsa “pena” das pessoas que podem ser ajudadas de muitas formas, uma das quais através de circuitos de pressão e de diálogo (quando existem) entre correligionários partidários. Maquiavel escrevia na sua obra mas conhecida, “O Príncipe” – que acredito adaptar-se bem ao finalizar do meu texto de hoje - que existiam duas formas de se combater: “uma, pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. Como, porém, muitas vezes a primeira não seja suficiente, é preciso recorrer à segunda. Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem. Isto foi ensinado à socapa aos príncipes, pelos antigos escritores, que relatam o que aconteceu com Aquiles e outros príncipes antigos (…) Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos”.

Fonte:Jornal da Madeira

terça-feira, 19 de maio de 2009

Maquiavel era mesmo maquiavélico?, artigo de Renato Janine Ribeiro

Persiste até hoje o falso entendimento do pensador que arrancou máscaras e desnudou relações de poder entre os homens Renato Janine Ribeiro é professor de Ética na USP e autor de “O Afeto Autoritário - Televisão, Ética, Democracia”. Artigo publicado em “O Estado de SP”:Mudou por completo, ao longo do século 20, a imagem que se tinha de Maquiavel. Ou melhor, mudou a imagem dele para os seus estudiosos, não para o público em geral.

Desde que ele escreveu O Príncipe, em 1513 (livro que começou a circular em manuscrito ou resumos antes mesmo de ser impresso, o que só ocorreu em 1532), sua fama foi péssima.Assim, numa peça de Christopher Marlowe, O Judeu de Malta (1589), aparece um certo italiano de nome Machevill: um trocadilho bem inglês entre o nome de Maquiavel e 'evil', mal. Lembrando que o 'Mac' indica uma origem de família, poderíamos traduzir como Mauquiavel ou Demojúnior. Até um rei como Frederico da Prússia, não exatamente um homem de bem em política externa, escreveu um Anti-Maquiavel, em meados do século 18, para condenar nosso filósofo em nome da moral e do bom governo.Maquiavel foi assim, se me perdoam a expressão, o maior saco de pancadas da história da filosofia política.

E disputa com Platão a condição de filósofo que gerou o maior uso de seu nome na forma adjetiva. Assim como se fala em 'amor platônico', também se diz que alguém é maquiavélico - o que constitui um insulto sério. Ainda se atribui a ele uma frase que nunca escreveu, 'Os fins justificam os meios'.O que ocasionou essa imagem? É que Maquiavel representa, melhor que ninguém, o rompimento com um modo medieval de ver a política como extensão da moral.O 'bom rei' era um rei que seria bom, isto é, o rei eficaz era o rei que fazia o bem. Suas virtudes eram as de um chefe qualquer.

Ora, o que Maquiavel mostra é que os príncipes bem-sucedidos, fosse em seu mundo particularmente belicoso, dos pequenos Estados italianos em guerra entre si, fosse no passado medieval, raramente seguiam a moral convencional e cristã.Ele arranca máscaras. Mostra como de fato agiam, agem e devem agir os que desejam conquistar o poder ou simplesmente mantê-lo.Isso é insuportável para os bem-pensantes. Acaba com a justificação religiosa para o poder político. Exibe a nudez das relações de poder entre os homens. Mas, ao contrário do que seus inimigos vão dizer, essas relações não são de mera força. A política é muito complicada, e há personagens que tiveram sucesso e glória, como o rei Fernando de Aragão, outros que tiveram sucesso mas não glória, como Agátocles, e ainda quem teve glória mas não sucesso, como César Borgia.Essa sutileza escapa aos acusadores de Maquiavel - e é ela que mostra que a política não é apenas o contrário da ética.

Quando começa a mudar a imagem de Maquiavel? Penso que o grande sinal da alteração está num livro de Max Weber, Ciência e Política: Duas Vocações, que data de 1919. O grande sociólogo alemão distingue uma ética que se pauta pelos fins e outra que se pauta pelos valores.Os políticos, diz ele, têm uma responsabilidade que se mede pelas conseqüências de seus atos. Já os cientistas seguem outra ética. Seu compromisso é com a verdade.

O interessante na distinção de Weber é que ele não opõe ética e política – mas descreve duas éticas. Ou seja, a política passa a ser uma ética. É talvez a primeira vez – desde Maquiavel – que a política se constitui explicitamente como uma ética, mas preservando seus traços próprios.Porque mesmo hoje em dia, quando se fala em 'política ética', tende-se a renegar suas características essenciais e a convertê-la em apêndice da religião cristã. Com Weber, não.O que era negativo na política - sua relativização dos valores morais, sua preocupação com os fins que, se não chegam a justificar os meios, pelo menos pesam tanto quanto estes – passa a ser visto como sua própria natureza.Weber cita Maquiavel duas ou três vezes nesse livro - e uma delas para dizer que O Príncipe, comparado com uma obra antiga da literatura hindu, o Artashastra de Kautilya, é 'um livro inofensivo'. Mas os ecos do pensador florentino em Weber são visíveis.A política pode agora ser vista como um reino em que as aparências contam, melhor dizendo, em que as aparências são constantemente produzidas, portanto, como um reino que não é da verdade. Contudo, mesmo assim, é um reino que produz um certo bem, o bem coletivo. Weber, aliás, cita elogiosamente uma passagem em que Maquiavel louva os florentinos que preferiram a salvação da cidade à salvação da própria alma.

O que assim acontece na recepção culta de Maquiavel, nos últimos cem anos, é que ele passa a ser visto como o pensador de uma ação política que não é mais uma ética com sinal negativo, ou uma ética com deságio.É uma ética própria, diz-nos Isaiah Berlin, uma ética que se opõe à cristã mas nem por isso deixa de ser ética (pagã, segundo Berlin). Merleau-Ponty até radicaliza: não há ética digna de seu nome a não ser a que se preocupa com as conseqüências dos atos, isto é, a ética que Weber chama da responsabilidade - e que é a maquiaveliana.E se dá maior atenção ao caráter republicano de Maquiavel. Afinal, ele foi ministro da república de Florença e escreveu um longo tratado em defesa desse regime.

É o que leva autores como o inglês Quentin Skinner, o francês Claude Lefort e o brasileiro Newton Bignotto a ressaltarem sua preocupação com o regime do bem comum, da coisa pública, a res publica.Qual o problema, então? É que essa percepção culta não sai dos muros da academia. Cada vez que um de nós, professor, dá aula sobre Maquiavel tem que dizer o que afirmei acima: que Maquiavel não é maquiavélico. De vez em quando, recebo algum e-mail me perguntando se ele disse mesmo que 'os fins justificam os meios' e, se não disse, de quem são essas palavras (não sei). Em suma, não basta provarmos que Maquiavel não é o personagem da sua lenda. Faz-se preciso entender, senão por que essa legenda surgiu, mais precisamente por que ela continua viva e forte.Esse é um aspecto importante do grande problema que nosso tempo tem com a política.Por um lado, nunca houve tanta democracia: liberdade de expressão, de organização, de voto, no plano político; no plano pessoal, liberdade para escolher o parceiro, adotar a orientação sexual, procurar o emprego preferido. Essas conquistas não são plenas e precisam ser ampliadas, mas já se deu a partida nesse processo.

Por outro lado, porém, há uma desconfiança enorme - e mundial - em face dos políticos, daqueles mesmos políticos que elegemos. Nem Bush nem Blair têm a confiança da maior parte de seus cidadãos. A corrupção, que alguns dizem ser fenômeno de Terceiro Mundo ou do Brasil, está arraigada nos países mais ricos. Esse é o lado maquiavélico da política, que faz tantas pessoas desconfiarem dela. O estranho é que os próprios eleitores não se sentem responsáveis por seus eleitos, porque tendem a pensar que a representação os trai.Não será isso tudo curioso? Maquiavel foi republicano, e nosso mundo vive a extensão das liberdades republicanas e democráticas.

Mas, com O Príncipe, Maquiavel abriu espaço para a figura do maquiavélico – e aos olhos de muitos, talvez da maior parte, é esse personagem que povoa o poder. Será que a política não cumpriu ainda suas promessas republicanas e democráticas?Ou será que temos dificuldade em aceitar que política não é utopia, que nossa humanidade não é perfeita, e a política é o que nos mostra este espelho em que não queremos nos reconhecer? (O Estado de SP, 1º/7)