sábado, 18 de junho de 2011

A cartilha maquiavélica de Gerdau

O que leva um empresário bem-sucedido como Jorge Gerdau à inglória tarefa de tornar a máquina estatal mais eficiente? Ele mesmo conta à DINHEIRO por que se inspirou no pensador italiano Nicolau Maquiavel em sua jornada pública.

O filósofo político Nicolau Maquiavel, ao escrever sua principal obra, O Príncipe, em 1513, criou uma espécie de manual da política. A frase mais famosa atribuída a ele, 'Os fins justificam os meios', é frequentemente utilizada nos dias de hoje - com uma impressionante contemporaneidade - para descrever manobras políticas ou decisões moralmente questionáveis. Na semana passada, no ápice da crise política envolvendo o ex-ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, Maquiavel voltou a ser evocado por um dos empresários mais respeitados do País, o gaúcho Jorge Gerdau Johannpeter.

Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, o presidente do conselho de administração do Grupo Gerdau, e líder da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, disse que sempre recorre a uma ideia derivada das regras do pensador italiano. 'O empresário tem de cuidar da família, da empresa e da política', disse Gerdau, um dia antes da queda de Palocci. 'Se não cuidar dos políticos, eles estragam tudo de bom que fazemos na empresa.' Não que Gerdau se referisse a ele. Ao contrário, o empresário lamentou a saída do ex-ministro, com quem começava a conviver na Câmara.

Agora, seu maior desafio dentro do governo será vencer a ineficiência do setor público e difundir o conceito de 'transparência absoluta' na máquina estatal. 'Gestão, privada ou pública, não se faz em uma ou duas semanas', afirmou o empresário. 'E as melhorias nos processos de gestão só terão validade com total transparência'. (leia entrevista abaixo)

A experiência de Gerdau poderá render bons dividendos políticos à própria presidente Dilma Rousseff. Em países como Canadá e Suíça, mundialmente reconhecidos pela excelência em gestão pública, é uma prática comum nomear empresários para atuar na política - seja por meio de câmaras independentes, seja na atuação técnica em órgãos estatais. Na África do Sul, em duas ocasiões decisivas na história do país - no fim do apartheid, nos anos 1990, e na preparação para a Copa do Mundo de 2010 - foram criados grupos de empresários para identificar gargalos da administração governamental e indicar soluções para os problemas encontrados.

No caso do pós-apartheid, um plano de integração social proposto por presidentes de grandes empresas, chamado de Programa de Desenvolvimento Econômico Negro (sigla em inglês BEE, para Black Economic Empowerment), conseguiu incluir no mercado de trabalho quatro milhões de trabalhadores negros, em apenas dois anos - o que resultou em crescimento econômico, redução da violência e diminuição das tensões sociais. Também nos anos que antecederam a Copa do Mundo, a mesma câmara conseguiu dar transparência aos investimentos em infraestrutura e, assim, ajudou a atrair investimentos estrangeiros ao país, historicamente sufocado pela corrupção.


O exemplo bem-sucedido da África do Sul e a atual realidade brasileira reforçam que a citação de Maquiavel por Gerdau não é apenas retórica. Durante recente encontro com empresários do setor de marketing, na ADVB-RS, em Porto Alegre, Gerdau confirma que seus trabalhos nos bastidores do poder, em Brasília, já começaram. 'Por enquanto, estamos atuando apenas tecnicamente', afirmou.


O convite da presidente Dilma Rousseff a Gerdau - que terá Abilio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, Antonio Maciel Neto, da Suzano Papel e Celulose, e Henri Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras, como companheiros na empreitada pública - não surgiu de jogo de par ou ímpar. Há décadas, Gerdau é um dos empresários mais admirados do País.


Sob seu comando, a Gerdau, antes uma metalúrgica gaúcha de estatura regional, se transformou em uma companhia global com faturamento de US$ 35 bilhões, em 2010, operações em 14 países e quase 50 mil funcionários. 'A saga de Gerdau como empreendedor será, agora, comprovada na esfera pública', disse a presidente Dilma, logo após a nomeação do quarteto de empresários. 'Não tenho dúvidas de que a contribuição deles será fundamental para a modernização dessa empresa chamada Brasil.'

'O combate à corrupção é feito apenas com transparência absoluta'

Passados os primeiros 30 dias da criação da Câmara de Políticas de Gestão, qual é o balanço?

Por enquanto, estamos trabalhando apenas tecnicamente em Brasília. Ainda não há definições de tudo que poderá ser feito. A maturação do nosso trabalho será um processo gradativo. Gestão, privada ou pública, não se faz em uma ou duas semanas. Vamos desenvolver conceitos para, depois, iniciar os trabalhos.

Algo específico no combate à corrupção?

Não vou comentar nada sobre os recentes acontecimentos de Brasília. Não vou falar sobre o ministro Antônio Palocci. Não adianta perguntar.


Mas a pergunta não foi sobre o ministro Palocci. Esse silêncio não pode colocar em risco a credibilidade de quem é honesto dentro do governo?

O que posso dizer é que combate à corrupção é feito apenas com transparência absoluta. As melhorias nos processos de gestão só terão validade com total transparência. Caso contrário, não adianta nada. Vocês, da imprensa, precisam entender que o Brasil vive uma oportunidade fantástica e que faremos, dentro do governo, um trabalho técnico, sólido e permanente. Assim, vamos conquistar etapa por etapa.

Redução dos impostos é uma etapa?

A carga tributária é importante como parte do processo de melhoria da gestão pública, mas existem outras prioridades. Redução de impostos será a última etapa.

O ritmo do PIB já está desacelerando?

O Brasil vai bater novas taxas recordes de crescimento no futuro. O que precisa acontecer agora é uma correção das disparidades, um ajustamento balanceado.

O que mais pretende levar a Brasília?

Sempre faço uma análise do comportamento de meu pai. Ele mandava pagar as duplicatas da empresa dois dias antes do vencimento para não correr o risco de ser chamado de desonesto. Existe um conceito básico que aprendi e carrego comigo para aonde vou. Acho que a gestão tem que ser uma extensão do que você quer na sua casa.

Vai erguer a bandeira da ética?

Ética tem certo conteúdo acadêmico. Prefiro a palavra integridade. Se o presidente acha que sou íntegro, não estou preocupado. Quero saber o que o meu operário acha de mim. Se a gente pratica esses valores no nosso dia a dia, coisas boas acontecem naturalmente. Outra coisa: não adianta mentir para jornalista. Vocês descobrem a verdade antes de terminar a resposta.

Essa postura faz parte da diplomacia?

Sempre recorro a uma ideia derivada das regras de Maquiavel de que o empresário tem de cuidar da família, da empresa e da política. Se não cuidar dos políticos, eles estragam tudo de bom que eu fiz na empresa. Outra que gosto é que devemos fazer o mal de uma só vez e a bondade aos pouquinhos. Não que esse seja meu caso.

Fonte:Istoédinheiro

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