Nicolau Maquiavel aconselhou o príncipe sobre como se manter no poder, e afirmou que o Estado deveria ter, em primeiro lugar, um exército próprio, regular. É difícil imaginar isso hoje, mas no século XVI os estados nacionais, ainda em formação, pagavam pessoas para defendê-los ou atacar um inimigo. Eram os mercenários. Maquiavel apontava riscos nessa prática, dentre eles o abandono da guerra pelos contratados, chantagens e até rebeliões contra o príncipe.
Cinco séculos depois, as lições do pensador florentino retornam à ordem do dia. Os Estados Unidos se retiraram do Iraque, em 2011, celebrando a decisão como um grande feito; aos poucos, soldados americanos são também retirados do Afeganistão. Em ambos os casos, a estratégia militar logrou estabilizar esses países, mas o cenário ainda é de guerra civil, de permanente ameaça de atentados e enfrentamentos urbanos ou rurais.
No caso do Iraque, país rico em petróleo, as forças armadas locais não têm preparo nem experiência para realizar a segurança dos poços de exploração e de seus dutos, e do próprio governo. Por isso, saíram os mariners e entraram as empresas de segurança privadas. Essa terceirização das forças armadas é um bom negócio para os contratados: em geral, são empresas americanas que oferecem seus serviços de segurança; muitos dos seus sócios são ex-oficiais e ex-combatentes americanos. Os salários pagos aos terceirizados são vultosos, proporcionais ao risco. Realizar segurança de ministros e autoridades pode render cem mil dólares por mês; já a expectativa de vida dessas pessoas é estimada em três meses.
Naturalmente, os países que contratam esse tipo de segurança esperam algum dia não precisar mais desses serviços, podendo contar com um exército e uma polícia bem treinados. Entretanto, isso pode levar muito tempo, pois se trata de criar e manter instituições do Estado. Iraque e Afeganistão não são os únicos, porém são mais visíveis. O Haiti é outro caso. Em países onde a polícia e o exército são fracos, mal-aparelhados e corruptos, muitos estrangeiros – empresas e pessoas – contratam seguranças para realizar a defesa de suas vidas e de seu patrimônio. Poucos sabem, mas em algumas embaixadas da África e América Latina o Brasil utiliza seus próprios soldados para defender as instalações e o pessoal diplomático.
Terceirizados não geram indenizações por ferimentos de guerra, nem pensões para si ou para a família. Suas mortes são incógnitas, não são notícia na grande mídia. Tampouco recebem condecorações ou reprimendas públicas por acertos e erros. E não oneram o setor público com longos tratamentos fisioterápicos e psiquiátricos pós-retorno. Esses soldados e policiais terceirizados – novas modalidades de mercenários, sob o amparo da lei local – estão mudando a realidade de muitos estados e, talvez, da própria noção do que se entende por forças de segurança pública. O mercado de segurança privada parece estar nos levando ao mundo pré-estatal; ou ‘pós-Estado’, se preferirem.
* GILBERTO RODRIGUES é professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina, foi professor visitante da Universidade de Notre Dame (EUA), doutor em Relações Internacionais pela PUC-SP, mestre pela Universidad para La Paz (ONU/Costa Rica) e pós-graduado pela Universidade de Uppsala (Suécia).
Cinco séculos depois, as lições do pensador florentino retornam à ordem do dia. Os Estados Unidos se retiraram do Iraque, em 2011, celebrando a decisão como um grande feito; aos poucos, soldados americanos são também retirados do Afeganistão. Em ambos os casos, a estratégia militar logrou estabilizar esses países, mas o cenário ainda é de guerra civil, de permanente ameaça de atentados e enfrentamentos urbanos ou rurais.
No caso do Iraque, país rico em petróleo, as forças armadas locais não têm preparo nem experiência para realizar a segurança dos poços de exploração e de seus dutos, e do próprio governo. Por isso, saíram os mariners e entraram as empresas de segurança privadas. Essa terceirização das forças armadas é um bom negócio para os contratados: em geral, são empresas americanas que oferecem seus serviços de segurança; muitos dos seus sócios são ex-oficiais e ex-combatentes americanos. Os salários pagos aos terceirizados são vultosos, proporcionais ao risco. Realizar segurança de ministros e autoridades pode render cem mil dólares por mês; já a expectativa de vida dessas pessoas é estimada em três meses.
Naturalmente, os países que contratam esse tipo de segurança esperam algum dia não precisar mais desses serviços, podendo contar com um exército e uma polícia bem treinados. Entretanto, isso pode levar muito tempo, pois se trata de criar e manter instituições do Estado. Iraque e Afeganistão não são os únicos, porém são mais visíveis. O Haiti é outro caso. Em países onde a polícia e o exército são fracos, mal-aparelhados e corruptos, muitos estrangeiros – empresas e pessoas – contratam seguranças para realizar a defesa de suas vidas e de seu patrimônio. Poucos sabem, mas em algumas embaixadas da África e América Latina o Brasil utiliza seus próprios soldados para defender as instalações e o pessoal diplomático.
Terceirizados não geram indenizações por ferimentos de guerra, nem pensões para si ou para a família. Suas mortes são incógnitas, não são notícia na grande mídia. Tampouco recebem condecorações ou reprimendas públicas por acertos e erros. E não oneram o setor público com longos tratamentos fisioterápicos e psiquiátricos pós-retorno. Esses soldados e policiais terceirizados – novas modalidades de mercenários, sob o amparo da lei local – estão mudando a realidade de muitos estados e, talvez, da própria noção do que se entende por forças de segurança pública. O mercado de segurança privada parece estar nos levando ao mundo pré-estatal; ou ‘pós-Estado’, se preferirem.
* GILBERTO RODRIGUES é professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina, foi professor visitante da Universidade de Notre Dame (EUA), doutor em Relações Internacionais pela PUC-SP, mestre pela Universidad para La Paz (ONU/Costa Rica) e pós-graduado pela Universidade de Uppsala (Suécia).
Fonte:Diariodecuiaba
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