O modo como o presidente Lula da Silva vem articulando as alianças de sustentação da candidatura da ministra Dilma Rousseff (PT) mostra habilidade política e um pragmatismo que deixaria Nicolau Maquiavel decerto atordoado. Antes de comentar o quadro de Goiás, citemos os casos de São Paulo e Minas Gerais. Em São Paulo, onde o PT, embora sólido, nunca elegeu um governador, o petista-chefe mudou sua estratégia. Arrancou Ciro Gomes do Ceará com o objetivo de fazê-lo governador de São Paulo, avaliando que só um líder de matiz nacional pode destronar os tucanos em seu território preferencial.
O segundo aspecto é que, se conseguir retirar Gomes do cenário nacional, deixa a arena limpa para a batalha exclusiva entre sua pupila e o tucano José Serra. Lula avalia que, com apenas dois postulantes efetivamente competitivos, será capaz, com sua popularidade e prosápia, de eleger sua protegida no primeiro turno. Pode parecer excesso de confiança, mas o petista acredita no que diz. Em Minas, o PT tem dois pré-candidatos ao governo, o ministro Patrus Ananias e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, espécie de Aécio Neves da esquerda. Sabedor de que Serra vai investir maciçamente em São Paulo e Minas, para se contrapor a uma possível derrama de votos em Dilma no Nordeste, o chefe petista planeja articular uma chapa forte para governador em Minas, com uma composição entre o ministro Hélio Costa (PMDB), líder nas pesquisas, e o PT de Ananias e Pimentel.
O PT mineiro é rebelde, mas tende a ceder, ante o objetivo maior, a sucessão nacional. O pré-candidato do PSDB, Antônio Anastasia, figura em terceiro lugar nas pesquisas, mas Lula sabe que o apoio decidido do governador Aécio Neves pode mudar o jogo e, no caso de o PMDB e o PT não se unirem, passa a ter chance de ser eleito. O que Lula quer em São Paulo e Minas é um palanque único e forte para Dilma. O PT quer manter o poder federal, altamente concentrador de recursos, o que torna os governantes dos Estados pedintes de terno e gravata.
Palanque único para Dilma é o que Lula quer em praticamente todo o Brasil. Em Goiás não é diferente. Aliás, se for construído palanque duplo, Lula deve ausentar-se do Estado durante a campanha. Por isso, se depender do presidente, do PT e do PMDB, o prefeito de Goiânia, Iris Rezende, será candidato de um chapão dos dois partidos citados mais PP e PR, além de PSB e PTN. Sem excluir o DEM de Ronaldo Caiado. Não é apenas porque Lula quer derrotar o senador Marconi Perillo, do PSDB. É, sobretudo, porque o petista quer o maior número de partidos e militantes engajados, desde o primeiro turno, na campanha de Dilma. Para tanto, precisa de um palanque único, para não dividir prestígio.
Na semana passada, a imprensa tratou as opiniões de Iris como um recuo. Teria hesitado e poderia não mais disputar o governo do Estado. O fato de ter dúvidas sobre seu projeto político significa, antes de qualquer coisa, que não é obtuso, porque só os néscios não se questionam. Ao contrário do que muitos pensam, o prefeito não estava blefando ou exercitando tão-somente um jogo político, o das pressões. Na verdade, desde algum tempo, Iris reinventou seu modo de fazer política. Passou a apostar em alianças qualitativas, com o PT, por exemplo, e foi reeleito com facilidade em Goiânia, em 2008. É provável que conseguiria se eleger sem o PT, e talvez já no primeiro turno, como ocorreu, mas, ao se aliar aos petistas, mostrou descortino e capacidade de agregar fora do círculo peemedebista. Adquiriu, por assim dizer, mais confiabilidade para futuras articulações.
O que querem o PT, Lula, o PP de Alcides, o PR de Sandro Mabel, o PSB de Barbosa Neto e o PMDB de Iris? Derrotar o senador Marconi Perillo. Porque, se eleito, Marconi pode “fechar”, na análise de alguns políticos que lhe fazem oposição, a política de Goiás por cerca de oito anos ou mais. Jovem, disputaria a reeleição em 2014, impedindo possivelmente a alternância de poder. Se querem derrotar Marconi, quais são seus instrumentos? No momento pelo menos, e apesar de toda a movimentação do republicano Vanderlan Vieira Cardoso, apenas Iris ameaça o poderio do jovem tucano. Vanderlan é um gestor competente, não há dúvida, mas ainda não tem a experiência de Iris e Marconi. Pode empolgar alguns prefeitos, mas empolgará o eleitorado? Então, se está tecnicamente empatado com Marconi, e é apontado como o único que tem chance de derrotá-lo, por que a base de Lula não se une ao prefeito? Se deixar a prefeitura, com quase três anos de mandato pela frente, depois de ter enxugado a máquina e ter dinheiro para investimentos, tanto no Parque Macambira-Anicuns quanto na construção de viadutos que vão colaborar para reorganizar o trânsito, entre outras obras, Iris terá o que perder. Enquanto Marconi, que, se perder, continua no Senado por mais quatro anos, e Vanderlan, que, se perder, ficará cacifado para outros embates, pouco perderão.
Por isso, o prefeito tem direito de reavaliar seu projeto. O que ele quer de fato? Quer e deve disputar o governo, mas sugere uma convergência de algumas forças políticas em torno de seu nome. Ele está chamando à razão integrantes da base de Lula que possivelmente não estão avaliando a história das três últimas eleições, quando o PMDB, praticamente isolado, não ganhou nenhuma. Agora, conta com o PT de Rubens Otoni e Pedro Wilson, mas, apesar da força de Lula e dos dois deputados federais, o partido não está enraizado no Estado. Lula ajuda, sim, mas a eleição é estadualizada. Daí a tentativa de Iris de articular um chapão para, como Dilma, tentar decidir a eleição no primeiro turno.
Não é tarefa do jornalismo aconselhar alianças “x” ou “y”. Mas é missão do jornalismo analisar quadros que, embora pareçam nebulosos, têm certa lógica. O grupo do governador Alcides Rodrigues tem direito, obviamente, de lançar seu candidato a governador, até porque a política, como a vida, é feita de surpresas. Mesmo assim, Alcides tem demonstrado, no poder, ser dotado de um pragmatismo exacerbado. Rompeu com o senador Marconi Perillo, aliado desde 1998, e aliou-se ao presidente Lula, mas sem perder integralmente o apoio do tucanato. E, aos poucos, conseguiu o apoio do PMDB e do PT na Assembleia Legislativa. Por ser realista, Alcides certamente está examinando os melhores caminhos tanto para manter o poder quanto para derrotar Marconi. Juntando-se a Iris, pode contribuir para decidir a parada no primeiro turno. Lançando candidato, tende a possibilitar o segundo turno. No segundo turno, se Marconi obtiver uma pequena frente, a tendência é muitos dos aliados de Alcides migrarem para sua campanha. Na disputa do primeiro turno, quando sua caneta ainda tem tinta, Alcides tende a controlar a maioria de seus aliados.
Alcides e Iris voltam a conversar nos próximos dias, assim como Vanderlan será chamado à mesa de negociação. A frente ampla pode sair das conversações? Pode, mas não sairá a toque de caixa. Há quem diga que certo desgaste do governo Alcides pode atingir Iris. Não é o que pensa o próprio Iris. Pode ser que o desgaste atinja Vanderlan, que precisa de forma crucial do governo para se tornar conhecido — porque terá de ser apresentado por Alcides (já está sendo) —, mas Iris tem uma longa história como gestor e político. Os benefícios de uma aliança com Alcides podem ser muito maiores do que os prejuízos.
De qualquer modo, na semana passada, ficou evidenciado que o prestígio de Iris é intenso. O ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, procurou o prefeito e hipotecou total apoio. Pediu para Iris não recuar e frisou que vai ser seu general eleitoral no Entorno de Brasília. O líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Henrique Alves (RN), hipotecou apoio a Iris e frisou que o PMDB nacional não admite qualquer recuo. O PT em peso clamou para que o prefeito seja candidato.
Iris só não será candidato a governador se não quiser. E o prefeito quer.
Fonte:Jornal Opção
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