Arrastadas pela inexorável corrente legislativa bruxelense, vêm de algum tempo a esta parte dando à costa notícias inusuais sobre a situação “insustentável” das praias concessionadas de Itália; sobre a tendência ucraniana de ir a banhos embriagado - o que constitui um grave risco para a segurança marítima – ou sobre a inevitável necessidade de transformar certas zonas da costa em luxuosos condomínios privados de forma a assegurar a necessária qualidade, segurança e “sustentabilidade” das praias.
Como habitualmente sucede, a Eurolei já está feita, de acordo com os interesses mais “representativos” (leia-se: os interesses banco-imobiliários daqueles que querem, finalmente, tomar posse de algumas regiões-pérola do litoral europeu, entre as quais, por óbvias razões geográficas e climáticas, algumas faixas “desocupadas” do extenso litoral português). Trata-se do culminar de uma batalha que há anos vem sendo travada, e que agora finalmente começa a dar os seus apetecíveis frutos. É claro que vale a pena perguntarmo-nos: como conseguiram os magníficos políticos e autarcas deste país descobrir essa região ignorada da Via Láctea donde viriam infindáveis clientes, da classe média e média-alta, para as centenas de “resorts”, a maioria dos quais dotados do indispensável campo de golfe, previstos na última década para o litoral português? Será que não se trata de um buraco negro da Galáxia, ao invés de um admirável mundo novo de clientes-maravilha?
Ora, a verdade seja dita: essa fase já passou. Agora trata-se de “vender a ideia” de que manter as praias com elevados níveis qualidade e segurança custa muito dinheiro; que o Estado é sinónimo de Défice, e que portanto ou pagamos nós (em vez “do Estado”, que nos é agora, pela primeira vez desde Nicolau Maquiavel e por causa das inexoráveis forças da História, absolutamente Exterior e Superior) ou ficamos sem o utilíssimo “Serviço do Ecossistema” (eufemismo recentemente introduzido pelos técnicos de biodiversidade das Nações Unidas, coadjuvados pelos seus homólogos da União Europeia, para servir o magno desígnio que consiste em enterrar o medievo princípio segundo o qual “O Sol quando nasce é para todos.” ). Qual quê, o Sol quando nasce, numa sociedade “moderna”, é para aqueles que o podem pagar!
A Europa, e em particular a do Sul, está pejada de arcaísmos – asseveram-nos os gurus. A bem ou a mal, temos de nos modernizar! Mas eis senão quando nos assalta o espírito o “modernismo” que é continuarmos a ser governados por gente tão vulgar, inculta ou semi-alfabetizada, formatada segundo as doutrinas do “mercado” e da “mão invisível” – as únicas de que ouviram falar, e que a bem dizer nunca perceberam – desde a Junta de Freguesia até ao G8, passando pelas empresas estratégicas “de Estado”, isto quando os infelizes “doutores” – que habitualmente até sabem algum inglês e percebem de computadores – saem das universidades directamente para o desemprego ou, quando não, para os mui modernos call-centers, caixas registadoras e part-times a 500 euros mensais). Para “modernizar” o sector do ambiente há pois urgentemente que começar a pagar os “Serviços do Ecossistema” (é o princípio do utilizador-pagador, lembram os gurus da minúscula economia).
Daí talvez o interesse recentemente expresso pelo “jovem” Passos Coelho em rever a arcaica Lei de Bases do Ambiente, aprovada nesse já longínquo anno de 1987. Mais um tango, dir-se-ia, enquanto o baile dura, pois as Leis maiúsculas a tal obrigam. Isso de o Sol continuar a nascer para todos é algo de que um futuro “moderno” e economicamente “eficiente” não se compadece, sob pena do insustentável agravamento do Défice e dos ratings da Dívida Soberana(!?) Não se trata pois apenas da sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social, ou da “inadiável” reforma das leis laborais, matérias que, pela sua gravidade, requerem a dita “atenção” constitucional, e o dito Tango. O Ambiente é outro dos alvos, senão talvez mesmo o principal ou o primeiro, a atingir no curto e médio/longo prazos. Um alvo certo porque valioso e Tangível, ao contrário dos tradicionais alvos especulativos, aos quais a presente classe dirigente tanto deve. E comparativamente fácil, dada a “bovinidade” prevalecente no actual panorama ambientalista português (e não só).
Nisso consiste a “Deriva do Litoral”: na destruição do arcaico mas persistente conceito de “domínio público”, e na transformação do (muito) que ainda resta do litoral português em propriedades e domínios de gestão privada, porém devidamente servidos de segurança e infra-estruturas à custa, claro está, do eterno sujeito passivo que é o povo português. Tudo o que se disser diferente disto, usando as habituais técnicas do linguajar economês tecnocrático, não passa de música celestial, anunciando eternos “amanhãs que cantam” mas nunca chegam, e mantendo sempre em nós aquela ansiedade da tartaruga de Zenão, ou do Rio de São Pedro de Moel que, por mais que corram, nunca conseguem chegar a lugar nenhum. Acordai, escrevia o mestre Fernando Lopes Graça. Acordai antes que seja demasiado tarde. Antes que, daqui a nada,”tenhais de pagar bilhete, ou portagem, para poderdes ir a banhos”. Até porque, se houve aspecto em que os portugueses algo evoluíram desde 1974, e que em regra as câmaras municipais do litoral ajudaram a desenvolver, foi o da educação ambiental nas praias. Em matéria de limpeza, por exemplo, o estado de uma praia ao fim do dia não é hoje, de modo algum, comparável ao que podia ver-se há duas décadas atrás na maioria das praias portuguesas mais frequentadas. Pelo menos disso acho que podemos estar orgulhosos.
Fonte:dn.sapo
Como habitualmente sucede, a Eurolei já está feita, de acordo com os interesses mais “representativos” (leia-se: os interesses banco-imobiliários daqueles que querem, finalmente, tomar posse de algumas regiões-pérola do litoral europeu, entre as quais, por óbvias razões geográficas e climáticas, algumas faixas “desocupadas” do extenso litoral português). Trata-se do culminar de uma batalha que há anos vem sendo travada, e que agora finalmente começa a dar os seus apetecíveis frutos. É claro que vale a pena perguntarmo-nos: como conseguiram os magníficos políticos e autarcas deste país descobrir essa região ignorada da Via Láctea donde viriam infindáveis clientes, da classe média e média-alta, para as centenas de “resorts”, a maioria dos quais dotados do indispensável campo de golfe, previstos na última década para o litoral português? Será que não se trata de um buraco negro da Galáxia, ao invés de um admirável mundo novo de clientes-maravilha?
Ora, a verdade seja dita: essa fase já passou. Agora trata-se de “vender a ideia” de que manter as praias com elevados níveis qualidade e segurança custa muito dinheiro; que o Estado é sinónimo de Défice, e que portanto ou pagamos nós (em vez “do Estado”, que nos é agora, pela primeira vez desde Nicolau Maquiavel e por causa das inexoráveis forças da História, absolutamente Exterior e Superior) ou ficamos sem o utilíssimo “Serviço do Ecossistema” (eufemismo recentemente introduzido pelos técnicos de biodiversidade das Nações Unidas, coadjuvados pelos seus homólogos da União Europeia, para servir o magno desígnio que consiste em enterrar o medievo princípio segundo o qual “O Sol quando nasce é para todos.” ). Qual quê, o Sol quando nasce, numa sociedade “moderna”, é para aqueles que o podem pagar!
A Europa, e em particular a do Sul, está pejada de arcaísmos – asseveram-nos os gurus. A bem ou a mal, temos de nos modernizar! Mas eis senão quando nos assalta o espírito o “modernismo” que é continuarmos a ser governados por gente tão vulgar, inculta ou semi-alfabetizada, formatada segundo as doutrinas do “mercado” e da “mão invisível” – as únicas de que ouviram falar, e que a bem dizer nunca perceberam – desde a Junta de Freguesia até ao G8, passando pelas empresas estratégicas “de Estado”, isto quando os infelizes “doutores” – que habitualmente até sabem algum inglês e percebem de computadores – saem das universidades directamente para o desemprego ou, quando não, para os mui modernos call-centers, caixas registadoras e part-times a 500 euros mensais). Para “modernizar” o sector do ambiente há pois urgentemente que começar a pagar os “Serviços do Ecossistema” (é o princípio do utilizador-pagador, lembram os gurus da minúscula economia).
Daí talvez o interesse recentemente expresso pelo “jovem” Passos Coelho em rever a arcaica Lei de Bases do Ambiente, aprovada nesse já longínquo anno de 1987. Mais um tango, dir-se-ia, enquanto o baile dura, pois as Leis maiúsculas a tal obrigam. Isso de o Sol continuar a nascer para todos é algo de que um futuro “moderno” e economicamente “eficiente” não se compadece, sob pena do insustentável agravamento do Défice e dos ratings da Dívida Soberana(!?) Não se trata pois apenas da sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social, ou da “inadiável” reforma das leis laborais, matérias que, pela sua gravidade, requerem a dita “atenção” constitucional, e o dito Tango. O Ambiente é outro dos alvos, senão talvez mesmo o principal ou o primeiro, a atingir no curto e médio/longo prazos. Um alvo certo porque valioso e Tangível, ao contrário dos tradicionais alvos especulativos, aos quais a presente classe dirigente tanto deve. E comparativamente fácil, dada a “bovinidade” prevalecente no actual panorama ambientalista português (e não só).
Nisso consiste a “Deriva do Litoral”: na destruição do arcaico mas persistente conceito de “domínio público”, e na transformação do (muito) que ainda resta do litoral português em propriedades e domínios de gestão privada, porém devidamente servidos de segurança e infra-estruturas à custa, claro está, do eterno sujeito passivo que é o povo português. Tudo o que se disser diferente disto, usando as habituais técnicas do linguajar economês tecnocrático, não passa de música celestial, anunciando eternos “amanhãs que cantam” mas nunca chegam, e mantendo sempre em nós aquela ansiedade da tartaruga de Zenão, ou do Rio de São Pedro de Moel que, por mais que corram, nunca conseguem chegar a lugar nenhum. Acordai, escrevia o mestre Fernando Lopes Graça. Acordai antes que seja demasiado tarde. Antes que, daqui a nada,”tenhais de pagar bilhete, ou portagem, para poderdes ir a banhos”. Até porque, se houve aspecto em que os portugueses algo evoluíram desde 1974, e que em regra as câmaras municipais do litoral ajudaram a desenvolver, foi o da educação ambiental nas praias. Em matéria de limpeza, por exemplo, o estado de uma praia ao fim do dia não é hoje, de modo algum, comparável ao que podia ver-se há duas décadas atrás na maioria das praias portuguesas mais frequentadas. Pelo menos disso acho que podemos estar orgulhosos.
Fonte:dn.sapo
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