Na segunda-feira última, às 18 horas em ponto, saí de carro e com motorista da Edífico da Editora Abril, na Marginal do Pinheiros, onde, durante os dias, trabalho. Nosso destino era o bairro Itaim-Bibi, ali do lado. Meu objetivo era assistir à palestra do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sobre o pensador Nicolau Maquiavel, autor do clássico dos clássicos da ciência política, O Príncipe.
Partimos, de início, em direção ao Norte. Sei disso porque ando sempre com bússola em São Paulo. A ideia era atravessar a ponte da Cidade Universitária e voltar, ao Sul, pelo outro lado da Marginal. Mas depois de avaliar as condições de trânsito do lado de lá, chegamos, o motorista e eu, à mesma conclusão: nem pensar. Iríamos pela Faria Lima mesmo.
Pegamos a Pedroso de Moraes, passamos em frente do Habib"s e do Pirajá, chegamos ao Largo da Batata (Potato Square, diz o meu filho, Lucas) e à maravilhosa estação de metrô nova e paramos. E dali não saímos. Passaram-se 15 minutos. O sinaleiro, lá na frente, abria e fechava, abria e fechava, abria e fechava - e nada. Avançamos dois metros, se tanto. Deu meia hora. De vez em quando algum motorista buzinava com agressão, como se fosse um grito de angústia. Outros seguiam o exemplo com um pequeno retardo. Parecíamos gado ao perceber que estávamos todos encurralados, aos berros. E, claro, a barulheira infernal em nada melhorava nossa situação. O tempo passava e nós permanecíamos no mesmo lugar.
Por sorte, eu estava equipado com meu novo telefone inteligente. Descrevi na internet minha situação, via Facebook. De Londres, recebi uma mensagem: "Matheus, só a bicicleta nos salva." Talvez em Londres, pensei. Em São Paulo, acho mais prudente andar a pé. Outro amigo, este de São Paulo, lembrou o conto de Cortázar, A Autoestrada do Sul. Era fascinante isso. Discutir Cortázar e bicicletas com amigos ao redor do mundo era possível; chegar ao bairro do lado, não. Pelo menos de carro.
Quando deu 19 e pouco, desisti da palestra, um pouco envergonhado, confesso. Mas as notícias, que chegavam através do rádio, eram tenebrosas. Rebouças parada. Marginal parada. Faria Lima, Bandeirantes e não sei onde mais. Teria assistido à palestra, que em tese começava às 19 horas, se tivesse ido a pé. Tranquilo.
Pedi ao motorista para dar um jeito, fugir daquela muvuca na primeira oportunidade. Com muito esforço, ele conseguiu sair à direita, deu uma volta grande pela praça do Pôr-do Sol e, em dez minutos estava em casa, ali, próximo da Vila Madalena. O relógio marcava 19h46. Ficara no automóvel, sem sair do bairro de Pinheiros por quase duas horas.
Para minha felicidade, trazia na mochila a última edição da revista New Yorker, que a garota da banca guardara para mim. Há poucos prazeres maiores do que deitar no sofá e abri-la depois de um longo dia de trabalho (a National Geographic, talvez...)
Você não vai acreditar, mas a revista do dia 2 de agosto traz uma reportagem sobre o trânsito de Moscou, assinada por Keith Gessen. Confirma a tese do meu saudoso guru, o historiador Richard M. Morse, que alertava os jovens alunos dos anos 80 para as semelhanças entre as culturas brasileira e russa, perceptíveis, segundo ele, nos romances dos dois países.
Não conheço Moscou. Mas segundo a New Yorker, lá existe uma espécie de marginal e também um rodoanel e ainda outro "anel", que faz um terceiro círculo em torno da cidade e já se transformou na rodovia mais congestionada da região, quiçá do mundo. O prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov, dedica-se a resolver o problema há muitos anos, conforme explica o autor da reportagem. É tarado por trânsito. Volta sempre do exterior com uma nova solução. Despreza o transporte público. Para o prefeito, "transporte público é para fracassados (losers)", isso nas palavras do Gessen. Não é para menos. "Proprietários de constituem o único grupo social inventado na Rússia nos últimos 20 anos." No momento, o prefeito se dedica à construção do quarto anel rodoviário! Cada um, diga-se, tem 8, 10, às vezes 12 pistas.
Enquanto lia a descrição do trânsito de Moscou, fui me acalmando. Nossa situação podia ser pior. Lá existem até ativistas do tráfico rodoviário, sabia? Há músicas de rap dedicadas ao assunto, como Mercedes S-666: "Saia da frente camponês/ que o patrão está na rua." E protestos que vão além das nossas buzinas. Num deles, os motoristas amarraram baldes plásticos, azuis e vermelhos, em cima de seus automóveis como protesto contra os carros "oficiais" que utilizam sirenes e luzes (vermelhas e azuis) para avançar o sinal. Ao imaginar essa cena, tive que dar risada. Nem os surrealistas inventaram nada tão ousado em termos estéticos: uma imensa instalação ou intervenção artística. E existe ainda um dissidente, chamado pelo autor da reportagem de "o Sakharov do trânsito".
Moral da história: "Nenhuma cidade jamais conseguiu sair dos congestionamentos com a construção de rodovias." As palavras são do especialista em trânsito Vukan Vuchic, da Universidade da Pensilvânia. Ou seja: não adianta buzinar.N
Fonte:estadao
Partimos, de início, em direção ao Norte. Sei disso porque ando sempre com bússola em São Paulo. A ideia era atravessar a ponte da Cidade Universitária e voltar, ao Sul, pelo outro lado da Marginal. Mas depois de avaliar as condições de trânsito do lado de lá, chegamos, o motorista e eu, à mesma conclusão: nem pensar. Iríamos pela Faria Lima mesmo.
Pegamos a Pedroso de Moraes, passamos em frente do Habib"s e do Pirajá, chegamos ao Largo da Batata (Potato Square, diz o meu filho, Lucas) e à maravilhosa estação de metrô nova e paramos. E dali não saímos. Passaram-se 15 minutos. O sinaleiro, lá na frente, abria e fechava, abria e fechava, abria e fechava - e nada. Avançamos dois metros, se tanto. Deu meia hora. De vez em quando algum motorista buzinava com agressão, como se fosse um grito de angústia. Outros seguiam o exemplo com um pequeno retardo. Parecíamos gado ao perceber que estávamos todos encurralados, aos berros. E, claro, a barulheira infernal em nada melhorava nossa situação. O tempo passava e nós permanecíamos no mesmo lugar.
Por sorte, eu estava equipado com meu novo telefone inteligente. Descrevi na internet minha situação, via Facebook. De Londres, recebi uma mensagem: "Matheus, só a bicicleta nos salva." Talvez em Londres, pensei. Em São Paulo, acho mais prudente andar a pé. Outro amigo, este de São Paulo, lembrou o conto de Cortázar, A Autoestrada do Sul. Era fascinante isso. Discutir Cortázar e bicicletas com amigos ao redor do mundo era possível; chegar ao bairro do lado, não. Pelo menos de carro.
Quando deu 19 e pouco, desisti da palestra, um pouco envergonhado, confesso. Mas as notícias, que chegavam através do rádio, eram tenebrosas. Rebouças parada. Marginal parada. Faria Lima, Bandeirantes e não sei onde mais. Teria assistido à palestra, que em tese começava às 19 horas, se tivesse ido a pé. Tranquilo.
Pedi ao motorista para dar um jeito, fugir daquela muvuca na primeira oportunidade. Com muito esforço, ele conseguiu sair à direita, deu uma volta grande pela praça do Pôr-do Sol e, em dez minutos estava em casa, ali, próximo da Vila Madalena. O relógio marcava 19h46. Ficara no automóvel, sem sair do bairro de Pinheiros por quase duas horas.
Para minha felicidade, trazia na mochila a última edição da revista New Yorker, que a garota da banca guardara para mim. Há poucos prazeres maiores do que deitar no sofá e abri-la depois de um longo dia de trabalho (a National Geographic, talvez...)
Você não vai acreditar, mas a revista do dia 2 de agosto traz uma reportagem sobre o trânsito de Moscou, assinada por Keith Gessen. Confirma a tese do meu saudoso guru, o historiador Richard M. Morse, que alertava os jovens alunos dos anos 80 para as semelhanças entre as culturas brasileira e russa, perceptíveis, segundo ele, nos romances dos dois países.
Não conheço Moscou. Mas segundo a New Yorker, lá existe uma espécie de marginal e também um rodoanel e ainda outro "anel", que faz um terceiro círculo em torno da cidade e já se transformou na rodovia mais congestionada da região, quiçá do mundo. O prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov, dedica-se a resolver o problema há muitos anos, conforme explica o autor da reportagem. É tarado por trânsito. Volta sempre do exterior com uma nova solução. Despreza o transporte público. Para o prefeito, "transporte público é para fracassados (losers)", isso nas palavras do Gessen. Não é para menos. "Proprietários de constituem o único grupo social inventado na Rússia nos últimos 20 anos." No momento, o prefeito se dedica à construção do quarto anel rodoviário! Cada um, diga-se, tem 8, 10, às vezes 12 pistas.
Enquanto lia a descrição do trânsito de Moscou, fui me acalmando. Nossa situação podia ser pior. Lá existem até ativistas do tráfico rodoviário, sabia? Há músicas de rap dedicadas ao assunto, como Mercedes S-666: "Saia da frente camponês/ que o patrão está na rua." E protestos que vão além das nossas buzinas. Num deles, os motoristas amarraram baldes plásticos, azuis e vermelhos, em cima de seus automóveis como protesto contra os carros "oficiais" que utilizam sirenes e luzes (vermelhas e azuis) para avançar o sinal. Ao imaginar essa cena, tive que dar risada. Nem os surrealistas inventaram nada tão ousado em termos estéticos: uma imensa instalação ou intervenção artística. E existe ainda um dissidente, chamado pelo autor da reportagem de "o Sakharov do trânsito".
Moral da história: "Nenhuma cidade jamais conseguiu sair dos congestionamentos com a construção de rodovias." As palavras são do especialista em trânsito Vukan Vuchic, da Universidade da Pensilvânia. Ou seja: não adianta buzinar.N
Fonte:estadao
Nenhum comentário:
Postar um comentário