Isolado com os fiéis jogadores que escolheu,
o técnico brasileiro mostra que muitas de suas ações
são inspiradas nos ensinamentos de O Príncipe
O mestre e o zangadoNos quatro anos em que morou em Florença, Dunga apaixonou-se pela cidade de Dante, Da Vinci e, como faz questão de acrescentar, de Maquiavel (à esq.), o filósofo que ensinava a conquistar e manter o poder. Ele passou a admirá-lo
Em uma noite fria do mês passado, no bar de um elegante hotel da região dos Jardins, em São Paulo, o técnico Dunga, enquanto bebia uma taça de cabernet sauvignon chileno e beliscava porções de queijo camembert, fez uma revelação que ajuda a entender sua postura à frente da seleção brasileira. Quase quatro anos atrás, ele assumiu o cargo que já foi ocupado por personagens tão diversos como o intransigente cultor do futebol-arte Telê Santana, o supersticioso Zagallo e o carismático Felipão, entre os treze treinadores que comandaram os canarinhos em dezoito Copas do Mundo. Não se parece em nada com nenhum deles. O gaúcho Carlos Caetano Bledorn Verri, nascido em 1963 no Dia das Bruxas, tem sido, aos olhos de muitos torcedores e da imensa maioria dos jornalistas esportivos, uma figura antipática, arrogante e teimosa. Dá raras entrevistas, não gosta da mídia em geral, despreza seus críticos, não cede ao clamor popular, não abre mão das próprias convicções e só pensa naquilo: ganhar. É um objetivo que, para ele, não passa pelo jogo bonito, pela ousadia criativa, pelo encanto do drible, pelo espetáculo, enfim, por nenhuma das fascinantes características que construíram a magia e a saga do futebol do Brasil. "Vivem fazendo comparações com a seleção de 1982, que jogava bonito", ele recordou. "Mas qual foi sua grande atuação, além de vitórias contra Escócia e Nova Zelândia, mais uma virada difícil diante da União Soviética, antes da derrota para a Itália? Só nos 3 a 1 com a Argentina. E quem foi nosso grande jogador naquele dia, hein?" Ele tomou um gole antes de citar com prazer o volante Batista, cujo estilo lembrava o seu.
Goste-se ou não, as opções de Dunga até agora estão dando certo. Nos 55 jogos em que ficou no banco da seleção, grande parte do tempo em pé, com seu cabelo espetado e suas camisas de cores que cobrem o espectro do arco-íris, venceu 71% deles e em 56% a equipe não tomou gol. É um desempenho e tanto. Para trilhar o caminho da vitória, ele acredita em outros fatores. Disciplina, muito trabalho, a entrega, a lealdade e a obediência tática de seus comandados – e sobretudo foco, foco absoluto no que pretende alcançar, a ponto de isolar os jogadores do país e do mundo, proibindo-os de abrir a boca fora das desinteressantes entrevistas coletivas, de tuitar ou de escrever blogs, enquanto ele mesmo declarou que durante o período da Copa não pretende sequer ficar ligando para a mulher, pois não foi à África do Sul para isso.
Mudemos por completo de cenário, com o convite para que o leitor se transporte para Florença, na Itália. Ele viveu lá entre 1988 e 1992, período em que jogou na equipe da Fiorentina. Ficou apaixonado por esse monumento da Renascença, da arte, da cultura, da ciência, a cidade dos maravilhosos quadros de Botticelli expostos na Galleria degli Uffizi, do inebriante pôr do sol no Rio Arno, de Dante Alighieri, Leonardo da Vinci, Galileu, a família Médici... "E de Maquiavel", acrescentou de bate-pronto, citando o filósofo e político italiano (1469-1527) que escreveu O Príncipe, uma obra-prima sobre a natureza do poder. "Em Florença eu aprendi a língua, vi os melhores museus, inclusive nos horários em que estavam fechados para o público, pois os diretores do clube me conseguiam esse privilégio, e descobri quem era Maquiavel", explicou.
Na passagem mais famosa da obra, Maquiavel coloca uma eterna questão: para o príncipe, é melhor ser amado ou ser temido? Conclui que o melhor é ser as duas coisas, mas, na impossibilidade, deve-se escolher a segunda opção. Para conservar o mando, ele será obrigado a agir com sutileza e mesmo com astúcia e crueldade. Em outro ensinamento clássico, Maquiavel mostra como selecionar uma equipe, ou melhor, ministros e auxiliares. "Quando vires o ministro pensar mais em si do que em ti, e que em todas as ações procura o seu interesse próprio, podes concluir que este jamais será um bom ministro e nele nunca poderás confiar." Dunga pensa e age assim. Tornou-se temido, sabe ser mau quando julga necessário e fez um pacto com os jogadores em quem confia, o que o levou, por exemplo, a convocar o terceiro goleiro Doni e a escalar o volante Felipe Melo, duas de suas mais contestadas escolhas. É essa então a sua fonte de inspiração? O treinador esboça um sorriso e não responde diretamente. "Não tenho muita instrução", admite. "Estudei apenas até o 2º grau. Mas sou inteligente, tenho experiência e aprendi."
Colaboração:
Rodney Eloy
Fonte:
Veja