terça-feira, 27 de maio de 2014

Aulinha de Maquiavel - por Archibaldo Antunes

O desgaste do governo Alckmin (SP) ante a crise do abastecimento de água e sucessivos escândalos no sistema de metrô levou os tucanos à releitura de Maquiavel. Essa gente sabe que nos momentos de crise – durante os quais o populacho ameaça guilhotinar os integrantes da realeza – é preciso colocar a culpa nos inimigos externos.

Distante cerca de 3,6 mil quilômetros de São Paulo, e governado pelos desafetos históricos do PT, o Acre serviu como uma luva nas mãos dos tucanos desesperados. E não deu outra: com a ida para Sampa de algumas centenas de imigrantes haitianos, armou-se o circo de que precisavam os “alquimistas” para desviar a atenção da plateia sedenta por água e um lugar sossegado no vagão do metrô.
E pra que pudessem dar ares de seriedade à ópera bufa, os tucanos paulistas escalaram até um articulista de Veja para atacar o governador Tião Viana. Tudo após um entrevero midiático entre os dois políticos, que teve como tema a responsabilidade de abrigar e cuidar dos imigrantes que nos chegam aos magotes do Haiti, Senegal e República Dominicana.
J. R. Guzzo, o escriba da Veja, fez como a secretária de Justiça de Alckmin ao rebaixar o nível de sua pena para atacar Tião Viana, chamando-o de “um servidor opaco do médio clero do PT”. Desancar o governador acreano por conta do deslocamento de haitianos que entraram no País por Brasileia, via Peru, é mais fácil que terçar armas com o governo federal, de quem se espera socorro milionário neste momento de crise. Mas é bem menos insensato que sugerir – como fez o também tucano Marcio Bittar – que as nossas fronteiras fossem fechadas aos imigrantes.
A revista Veja, bem como Guzzo, não quer que São Paulo arque com custo nenhum decorrente da imigração de haitianos para o Brasil. Desde que seja o Acre (ou o Amapá, Roraima, Rondônia, etc.) a fazer sacrifícios, tanto os alquimistas quanto os intelectuais de sua redação estarão pouco se lixando para o que acontece a mais de três mil quilômetros de distância dali.
A deselegância de J. R. Guzzo, que apequenou o próprio estilo ao emprestar a pena aos alquimistas do PSDB, é apenas reflexo de uma inépcia maior – que acomoda no mesmo balaio os burocratas elitistas e a subserviência proxeneta da intelligentsia paulistana. Veja já demonstrara anteriormente, ao criticar em sua coluna Radar o transporte aéreo de produtos alimentícios para o Acre durante a cheia do rio Madeira, o que pensa sobre o Estado e seus habitantes.
Se juntarmos à inépcia dessa gente a sua crônica incapacidade de compreender a diversidade do País, teremos a equação entre o nosso modo de agir o que eles pensam de si mesmos.
Não é à toa que há enorme diferença entre os que alimentam os devaneios separatistas e aqueles que empunharam armas para ser aceitos como filhos do Brasil.
Em São Paulo existe até o MRSP, ou Movimento República de São Paulo, que pretende se livrar do resto do país com uma só canetada.
Compõem o movimento alguns jovens de classe média alta das cidades mais ricas do interior do Estado. Como não podia ser diferente, o grupo põe nos migrantes do Nordeste a culpa por todos os seus problemas cotidianos.
A patota de Alckmin certamente descobriu que o Acre foi povoado por nordestinos.
Archibaldo Antunes – ark30antunes@bol.com.br - Jornalista