segunda-feira, 31 de maio de 2010

Cidadania, Política e Poder

Cidadania
Tendo por origem a Grécia Clássica, a cidadania, enquanto conceito, era utilizada para designar os direitos dos cidadãos, sendo estes, indivíduos que viviam nas pólis e que participavam, efetivamente, das coisas de interesse público, bem como das decisões políticas. Cidadania, portanto, não era apenas um mero conceito, mas uma ação concreta do cidadão grego. O conceito de cidadania foi ampliado, com o passar dos tempos e ao longo a história, passando a abarcar uma série de valores sociais que determinam o conjunto de direitos e deveres dos cidadãos. A partir da Revolução Francesa, 1789, marco inaugural da sociedade moderna, e burguesa, o indivíduo passa a ser visto como homem, ou seja, como pessoa privada, e como cidadão, como pessoa pública. Portanto, modernamente, e por que não dizer, contemporaneamente, cidadão é o indivíduo que possui direitos e deveres para com a coletividade da qual participa, que atua diuturnamente para ter o direito fundamental à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei; é aquele indivíduo que se interessa e participa dos destinos da sociedade na qual está inserido; é aquele que tem plena consciência do valor do seu voto no sistema representativo e democrático; é aquele que luta incansavelmente no dia-a-dia por uma educação de qualidade, por uma saúde acessível à todos, enfim, por um trabalho que dignifique a própria vida.

Política

Na Grécia Antiga, notadamente na Cidade-Estado de Atenas, o conceito de política estava umbilicalmente ligado à idéia de liberdade que, para o indivíduo grego, era a própria razão de viver. Os gregos da antiguidade não faziam distinção entre política e liberdade, acreditando que ambas estavam associadas à capacidade do homem de agir, de agir em local público, específico, ou seja, na Ágora que era a praça principal na constituição da pólis, onde ocorríam as discussões políticas e os tribunais populares, sendo, portanto o espaço adequado da cidadania e ambiente original do político.

Como ciência, Aristóteles (384 a. C.), filho da pequena cidade de Estagira, norte da Grécia, fundador de uma escola conhecida como escola peripatética ou Liceo, utiliza-se do termo política para um assunto único: a ciência da felicidade humana. Para o grande filósofo grego, o principal objetivo da política é o bem comum: "Em todas as artes e ciências", disse ele, "o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos."

Poder

Toda sociedade humana é necessariamente uma sociedade política, e em toda sociedade humana existe uma luta pelo poder. Diversos autores trataram e ainda tratam essa questão. Os diversos conceitos variam, portanto, em função da corrente de pensamente de cada um. Aristóteles afirmava que havia nos homens uma sede tão grande de poder que dava a impressão de que os homens só se satisfaziam totalmente quando estavam no poder. Goethe, escritor alemão e pensador do final do século XVIII e inícios do XIX, disse que, onde houvesse dois, um certamente cavalgaria, e o outro seria cavalgado.

Thomas Hobbes, matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651), falava que existiam diversas espécies de poder como: beleza, amizade, riqueza, popularidade, poder político, etc. Para Hobbes, entretanto, o maior dos poderes é o poder do Estado, resultado da soma de poderes de todos os homens na formação do Contrato Social.

Para Nicolau Maquiavel, historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento, tido para muitos, como o fundador do pensamento e da ciência política moderna, autor de uma obra até hoje reverenciada, “O Príncipe”, o governante (Príncipe) tem, por obrigação, conquistar e manter o poder, nem que para isso se utilize de estratégias pouco convencionais, afinal “os fins justificam os meios”.

"Tendo o príncipe necessidade de saber usar bem a natureza do animal, deve escolher a raposa e o leão, pois o leão não sabe se defender das armadilhas e a raposa não sabe se defender da força bruta dos lobos. Portanto é preciso ser raposa, para conhecer as armadilhas e leão, para aterrorizar os lobos." Por fim, e para ficar apenas nesses ilustres pensadores, Max Weber, em sua obra “Três Tipos Puros de Poder Legítimo”, discorre sobre o Poder Legal, o Poder Tradicional, e o Poder Carismático.

“O Poder Legal, cria em suas manifestações de legitimidade a noção de competência; o Poder Tradicional e o Carismático dilata a legitimação até onde alcance a missão do “chefe”, na medida de seus atributos carismáticos pessoais.”

Mencionei apenas alguns autores e conceitos mais recorrentes sobre a questão da cidadania, da política e do Poder, porém, tais temas são muito mais amplos e problemáticos, mas fica aqui a minha singela contribuição para reflexão e debate.

Fonte:Professor Raniery Dantas de Abrantes

terça-feira, 25 de maio de 2010

Discípulo de Nicolau Maquiavel, Napoleão Bonaparte

Discípulo de Nicolau Maquiavel, Napoleão Bonaparte (1769-1821) emergiu da Revolução Francesa para ser o maior conquistador dos séculos 18 e 19. Nossa melhor edição d'O Príncipe é comentada por ele. Gênio militar, conquistou o Egito e dominou a Europa ocidental e central, de Portugal à Aústria. Mas foi derrotado duas vezes pela Inglaterra, uma no mar (Trafalgar)e outra em terra (Waterloo), que já havia realizado sua Revolução Industrial.

Sua ruína, porém, foi a invasão da Rússia, cujo exército havia debandado em Austerlitz, depois de traído por alemães e austríacos. Em Borondino, como nos relata Leon Tolstoi em Guerra e Paz, os russos reagiram e venceram a batalha. Mas se retiraram para os cafundós da pátria e entre0garam Moscou, que foi saqueada e incendiada. Napoleão achava que havia ganho a guerra contra Alexandre. Na verdade, havia perdido. E sua retirada pelas estepes geladas foi um dos maiores desastres militares da história.

O que tem a ver a derrota de Napoleão com a sucessão do presidente Lula? Talvez apenas a consideração de que um indivíduo, por mais poderoso e popular, não pode tudo. Lula quer mais do que a eleição da petista Dilma Rousseff em Minas. Arma um cerco para aniquilar politicamente o ex-governador tucano Aécio Neves, cujo candidato Antônio Anastasia (PSDDB) empacou nas pesquisas. Ao forçar a coligação PMDB-PT em Minas, com Hélio Costa na cabeça e Fernando Pimentel candidato ao Senado, Lula encurrala Aécio e o empurra para a vice do tucano José Serra.

Trombone Um levantamento feito pela taquigrafia da Câmara revelou os deputados fanáticos pelo microfone. O campeão em 2010 é o petista José Genoíno, de São Paulo, com 191 discursos, seguido do veterano peemedebista Mauro Benevides, do Ceará, que falou aos pares 175 vezes. Entre os 30 maiores oradores, estão os líderes dos partidos, o que pode ser explicado pela exigência do próprio cargo. Mas há casos como o do novato capitão Assumção (PSB-ES), que tomou posse no ano passado. De fevereiro a 15 de maio deste ano, já proferiu 66 discursos, alcançando a 20ª posição no ranking, à frente até do líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP).

Oratória O PT é o partido que mais discursa na Casa. Com uma bancada de 79 deputados - menor do que a do PMDB, que conta com 90 parlamentares, que fizeram 1.190 discursos -, o partido do presidente Lula fez, no total, 1.421 discursos

Estilo No corte por estados, a bancada paulista é a mais faladora. Representando 13,6% dos 513 deputados, fez 1.449 discursos, ou 19,8% do total. Rio deJaneiro, com 9% da bancada da Câmara, fez 738 discursos, ou 10,1% do total. Já Minas Gerais não nega a lenda. Mesmo com 10,3% de todos os deputados federais, ocupou o microfone 397 vezes, o que corresponde a 5,4% do total de discursos realizados na Casa.

Náufrago A subida nas pesquisas da ex-ministra Dilma Rousseff (PT) na corrida presidencial fez soar o alarme no ninho tucano. Para evitar o naufrágio da candidatura de José Serra (PSDB), o tucanato concentrou esforços na campanha do ex-governador e deixou à deriva o candidato ao governo de São Paulo Geraldo Alckmin. Bom para o azarão Aloizio Mercadante (PT-SP), que ver fazer água a canoa do adversário.

Moita O governador do Distrito Federal, Rogério Rosso(PMDB), eleito pelo voto indireto da Câmara Legislativa, come o mingau pelas beiradas. Para não chamar Exú, nega que seja candidato à reeleição, mas se movimenta administrativa e politicamente como quem tem esse objetivo. Aliado do candidato petista Agnello Queiroz, o deputado Tadeu Fillipelli (PMDB) já deuo alarme de que o PT não deve fazer muita marola.

Ardil A votação dos projetos do pré-sal no Senado foi marcada para 8 de julho. Ao contrário da polêmica que despertou na Câmara, a distribuição dos royalties sequer será votada pelos senadores. É que os royalties estão no projeto que cria o novo modelo de exploração por partilha, que vai perder urgência. A parte que interessa ao governo - o modelo e partilha - será contemplada no projeto que cria o Fundo Social, cujo relator é o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), da base aliada. Se houver acordo com a oposição, a votação do pré-sal deve antecipar o chamado recesso branco por causa da Copa do Mundo.

No cafezinho

Caças / A parceria estratégica do Brasil com a França tem duas pernas: o projeto do submarino nuclear e a compra dos caças Rafale. A crise do Irã, com o alinhamento dos EUA e da França no Conselho de Segurança da ONU, pode provocar a amputação da segunda. Fabricantes do caça gripen NG, o mais barato, os suecos observam a fricção diplomática.

Força / O prefeito de Osasco, Emídio de Souza, prepara uma festa de arromba para comemorar seus 51 anos. O convite, com direito a foto e palavras sobre amizade e trabalho, foi enviado a uma constelação de petistas de primeira grandeza. O prefeito tinha torcida organizada para ser o nome do partido ao governo de São Paulo, até o presidente Lula decretar que o senador Aloizio Mercadante era o cara.

Passeio / O Brasil sediará em julho o próximo encontro do Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), grupo de países emergentes comprometidos em reduzir a emissão de carbono na atmosfera. A reunião será no Rio de Janeiro, mas os ministros do meio ambiente dos países parceiros pediram à ministra brasileira Izabella Teixeira levá-los à Amazônia. Querem conhecer in loco o que faz do país a maior biodiversidade do planeta.

Fonte:Diariodepernambuco

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Critica a Maquiavel

Para que se dê início a explanação quanto a divergências do pensamento maquiaveliano, deve ser feita a ressalva de que, para uma crítica com mais propriedade e livre de posições que podem aparentar irreflexão, dado o foco crítico restrito a capítulos recomendados, seria necessária a releitura da obra integral, além de uma contextualização com informações de obras que já demonstram ser lugar-comum no pensamento acadêmico contemporâneo.

A superficialidade do texto decorre, obviamente, do caráter de resenha, dispensando maiores esclarecimentos.

Crítica a Maquiavel

Nos capítulos recomendados, o autor foca modos de obtenção de poder, como a ascensão por apoio popular ou manipulação pelos grandes, apresentando o contínuo conflito entre a busca de liberdade pelo povo e a vontade de poder (em moldes nietzscheanos) da aristocracia ou oligarquia dominante.

Estabelecem-se vantagens de cada método, de modo que a vantagem da ascensão com apoio popular decorre da estabilidade e poder decorrente da possibilidade de uso do povo como massa de manobra, apresentando-se como um líder carismático pela coragem ou conveniência temporal – mesmo que efêmera – de seu controle para a obtenção de privilégios de classe ou amálgamas familiares, com a ideologia como instrumento de domínio e legitimação racional (em coerência com a moral vigente, por exemplo), mesmo que falha e parcial.

Os grandes manipuladores de massa fazem uso, comumente, da necessidade individual de um caminho ou guia (em que convém a frase de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão: “Agrada aos homens quando lhes é afirmado qual é o caminho a seguir, não só pelas vantagens primárias e particulares dele, mas por quererem acreditar que existe um caminho”), ou seja, um auto-engano para a supressão do provável niilismo ou desespero parcial advindo de uma postura apolínea, ou seja, orientada de modo “estritamente” racional.

Destaca-se, nessa análise, Elias Canetti e sua obra magna, Massa e Poder, a qual lhe garantiu o Nobel de Literatura em 1981, que expõe, entre outros, o quase ilimitado poder social, político e mesmo econômico daquele que figura como arquétipo unificador de uma malta ou massa, em especial pela tendência generalizada entre indivíduos de todas as classes a agir de forma irracional, imprudente e mesmo pueril, quando constituintes físicos de um agrupamento coletivo denso, mas não necessariamente coeso (vide histórico massacre de peregrinos palestinos, citado pelo mesmo autor). O autor estabelece os diferentes tipos de formação de massa, os símbolos de massa de nações (elementos definidores de coesão e coerência nas ações regidas pelo Estado), meios de formação e outras particularidades, com a apresentação de diversos exemplos, com destaque para o jivaros, ingleses e alemães.

Sigmund Freud, apesar de divergir de Canetti por seu foco no eu e não na autonomia conotativamente química apresentada pelo segundo, em seu ensaio A Psicologia das Massas e a Análise do Ego também sustenta a vulnerabilidade do indivíduo a hostilidades e avalanches sociais, apresentando-se, desse modo, submisso a imposições exteriores, o que contribuiria para a unificação de corpos massificados, dada a generalização dessa condição. Desse modo, aquele que preenche o nicho de liderança de cada grupo gozaria de significativo poder.

Desse modo, conclui-se que, para a fortuna do príncipe, a massa deve ser não só dominada moralmente (e mesmo emocionalmente), mas deve ser posta em situação de constante dependência, de modo que o governante poderá agir segundo o necessário interesse de outrem, sendo soberano e insubmisso à improvável “boa vontade” de terceiros.

Afigura-se, também, necessário o domínio e desenvolvimento do aparato estatal, incluindo a concessão de benefícios suficientes para a formação de lealdade (salários elevados a guerreiros e magistrados, assistencialismo a classes baixas, o que encontra paralelo no assistencialismo dos séculos XX e mesmo XXI, como o lulismo e o chavismo bolivariano), seja essa pragmática ou emocional, considerando, obviamente, o caráter pusilânime do que se submete à pura compaixão alheia.
Ao comentar as atitudes do príncipe e a dicotomia dos que se obrigam ou não à sua fortuna, pode ser notada uma possível ingenuidade categórica por parte do escritor, visto que o submeter-se (ou aparentar submissão) de forma efêmera e freqüentemente superficial à sorte do príncipe pode figurar como dissimulação para posterior ataque, fato a que o autor, ironicamente, não aplicou o seu arquétipo da raposa e sua dissimulação.

Maquiavel discorre de forma clara sobre a criação do carisma, mesmo que de forma efêmera, focando a configuração das atitudes e meios para a criação de um personagem social conveniente às suas ambições. Retorna à dicotomia, tão cara ao autor, agora para a divisão de dois temores: os de ordem interna e externa, analisando, em outros pontos da obra, pontos em que os dois se fundem.

Retomando a discussão quanto à importância de agradar a plebe, explana o escudo humano que se forma em torno do príncipe por ela legitimado, de modo a proteger interesses particulares ou coletivos, o que pode ser invertido pela manipulação ideológica dos valores sociais e atitudes do governo, pela sedução, baseada no pragmatismo (em especial o econômico) humano, com a oferta de espólios e regalias à classe ou malta coesa de cujo poder busca servir-se.

Nota-se, em especial pelos exemplos de manifestações populares, como o caso dos Bentivoglio e Caneschi, a influência da moral judaico-cristã no pensamento pessoal maquiavélico, admitindo-se duas interpretações: resquício de idealismo platônico por parte do autor, considerando que os homens agiriam simplesmente pela moral e busca do Bem, ou o mais provável, a sua constatação da importância dada pelo homem medieval e mesmo cinquecentista à moral enquanto manifestação, respectivamente religiosa ou social, enquanto meio de coesão de massa ou manutenção do status quo (sendo este de interesse da classe dominante, amalgamada ao poder clerical). Assim, subentende-se uma demonstração sociológica: os magistrados e senhores priorizam a manifestação social moral, usando-se, quando necessário, das armas, como meio de demonstrar politicamente sua conotação religiosa, evitando incoerências que poderiam implicar instabilidade e sensíveis animosidades.

Podem ser, também, expostas outras raízes para a atitude moral refletida pela sociedade de sua contemporaneidade, como a crença real em danação eterna aos pecadores e imorais; mimetismo social e ausência de questionamento de valores herdados, por mais que estejam contra a vontades ou instintos; transvaloração da vontade de poder nietzscheana, de modo patológico, com provável origem em fraqueza interior de personalidade, surgimento de compaixão ou ambição de modo idealista, nascida, provavelmente, em valores arraigados em período anterior à formação da personalidade ou em momentos de extremo irracionalismo, comumente oriundo de desespero, ou em pragmatismos metafísicos, como a busca de eternidade, paraísos, ou luxúria e satisfação como modos de satisfação ou sublimação metafísica de recalcamentos freudianos (vide caso islâmico), entre outros.

Sendo assim, o príncipe deveria estar em consonância com as aspirações morais, econômicas, sociais e mesmo metafísicas das classes detentoras do poder na base de sustentação estatal, sob a pena de pagar com instabilidade e hostilidades por atos levianos ou irrefletidos.

Nicolau apresenta, também, métodos de estabilização por respeito social e “regras de conduta” e formação da honra e reputação, apresentados de forma literária, posteriormente, por Fedor Dostoievski, em Memórias da Casa dos Mortos, demonstra o fato de que os homens, em geral, habituam-se a tudo, até o cume em que é retirada a sua dignidade e o fato de que os subordinados prestam maior respeito ao superior que os trata com firmeza, distância e seriedade (excluindo-se o despotismo) do que ao que excede demasiado nas liberdades e busca amizades ou proximidades, desconsiderando seu amor-próprio para o agrado de outrem, culminando com a perda da majestade superior ou imperial.

O arquétipo do leão também é descrito em Crime e Castigo, como o homem invulgar que, por sua ousadia e não por sua razão e clareza de raciocínio, conquista as massas, fato esse observado pelo autor no período de ascensão do socialismo no século XIX.

Ao discorrer quanto à maior importância dada ao povo que aos militares, nota-se a defasagem do autor quanto à importância do poder bélico, depreciada de um modo que seria impraticável aos dias de hoje, talvez pela disparidade tecnológica ou moral com o período de análise do autor.
No século XX, em especial, regimes amplamente ditatoriais, tanto de direita quanto de esquerda, espalharam-se como metástase pelos territórios de países em crises sociais, com a repressão de milhões de cidadãos e apoio nas classes privilegiadas, com especial destaque para a burguesia industrial na América Latina, e para a nomenklatura soviética, além de África e Ásia. Nesses regimes, desconsiderou-se o apoio popular pós-consolidação estatal, com coerção em níveis despóticos, o que incluiu, entre outros, genocídios (sendo notórios os casos de Mao Tsé-Tung na China Popular, Stálin e Pol Pot) e tortura (vulgarmente generalizada).

A letargia da população pode ser explicada, entre outros, pela manipulação ideológica (comumente denominada “pensamento de colônia”), fruto de fraquezas de personalidade oriundos de culturas submissas à mensagem externa de superioridade, nas direitistas, apoiadas pelas potências hegemônicas, utilizando-se de sofisticado aparato, para o que contribuiu sensivelmente o complexo desenvolvimento tecnológico, permitindo, como foi demonstrado, mesmo que de modo caricatural, nas obras de Orwell(1984) e Huxley(Admirável Mundo Novo), um singular controle, pelo Estado, da vida privada, sufocando insurgências em suas raízes e exercendo domínio por pura coercibilidade, além da despersonalização dos indivíduos por, por exemplo, meios de comunicação voltados para a massa, como o rádio (vide Getúlio Vargas) e a televisão (contemporaneidade).

Maquiavel peca pela nulidade das categorias quantitativas, em termos de poder de controle, repressão e manipulação. Ao abordar a coexistência de antagônicos, (como senhores e povo, população e militares), desprezou o fato de que a escolha de uma massa coesa e a criação, mesmo que artificial, de animosidades com outra equivalente, pode implicar, como se presenciou nos totalitarismos de base sectária, como o Nazismo o Fascismo e o Comunismo (em especial nas vertentes leninistas, stalinistas e maoístas), uma base e estabilidade políticas sensivelmente superiores à posição de um mero mediador político, sujeito a levantes de massa, como o caso dos liberais na República de Weimar
Aparece, também, o erro de generalizar um conceito de massa a todas as populações, desprezando valores particulares, equívoco esse que pode ser atenuado pelo fato de que sua escrita focou a massa italiana, que, pelo óbvio caráter interno, representaria maior homogeneidade quando comparada a fatores externos.

Apesar de sua revolução ao separar a análise política da religião, superando idealismos platônicos e o posterior pensamento agostiniano, erroneamente se classificaria seu pensamento, em especial o pessoal, como imoral ou mesmo semelhante à escola cínica (que ia contra os valores morais da sociedade), pois que, apesar da metodologia política amoral, todas as suas premissas são baseadas em valores éticos típicos do Cristianismo, como a busca da estabilidade e a conseqüente paz, e a justificação da obtenção do poder para a unificação de países e engrandecimento, ofuscando algo que seria colocado, mais tarde, por filosofias ainda mais realistas: a motivação egoísta das atitudes, regra geral entre príncipes e governantes e o imoralismo quando se trata de preceitos cristãos. Propondo tais medidas como necessárias para um suposto bem maior, não como algo natural, Maquiavel declarava expressamente, em cartas pessoais, sua suposta bondade e justiça (também sob o ponto de vista cristão).

Desse modo, apesar da visão deturpada por uma busca de equilíbrio matisseano, origem em irrefletido idealismo estético e desconsiderando aspectos estratégicos e quantitativos para priorizar dicotomias, algumas delas citadas na presente análise, que figuram demasiado simplistas, tendo em vista sua possibilidade de análise de movimentos de massa, como as heresias, em especial a cátara, na Idade Média, o valor de Maquiavel, enquanto revolucionário da Ciência Política é comparado à revolução copernicana no campo da Astronomia, não só pelo estabelecimento de novas bases, mas também pelo desenvolvimento aguçado, mesmo que contemporaneamente obsoleto, de métodos e observações dotadas de maior realidade do que as presenciadas na cultura ocidental até então.

Referências

CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

DOSTOIÉVSKI, Fedor. Memórias da Casa dos Mortos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.

DOSTOIÉVSKI, Fedor. Crime e Castigo. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.

FREUD, Sigmund. Psicologia de Grupo e Análise do Eu. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Bertrand Brasil, 1991. cap. IX pp. 55-58, cap. XIX pp. 105-113.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. São Paulo: Escala.

* Ernani Fernandes é acadêmico de Direito do Largo de São Francisco, USP. Escreve sobre filosofia, literatura, psicologia e outros. Para contato, fernandes.ernani@gmail.com

terça-feira, 4 de maio de 2010

Maquiavel continua vivo e faz 541 anos hoje



Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, o Maquiavel, continua tão vivo quanto a quinhentos anos atrás. Nascido em Florença em 3 de maio de 1469, seus livros O príncipe e A arte da guerra, ambos publicados pela Coleção L&PM POCKET, seguem sendo títulos obrigatórios para os que pretendem entender um pouco mais sobre estratégicas políticas e militares. Os mais recentes estudos sobre Maquiavel e sua obra demonstram que ele foi mal interpretado historicamente e que o adjetivo maquiavélico, criado a partir de seu nome – e que significa esperteza e astúcia – surgiu a partir de uma crítica feita por um cardeal inglês após a sua morte, ocorrida em 1527.




Fonte
:L&PM

sábado, 1 de maio de 2010

Banco Central e a paulada de Maquiavel

Depois de manter ao longo de nove meses os juros básicos (Selic) estáveis a 8,75% ao ano, ontem o Banco Central deu o tranco esperado. Puxou-os em 0,75%, para 9,50% ao ano.

Com essa decisão, o Banco Central mostrou que rejeita a argumentação que vinha sendo apresentada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a atual esticada da inflação tem como causa fatores episódicos, e naturalmente reversíveis, que dispensariam aperto na oferta de moeda.
Para o Banco Central o atual surto inflacionário vem sendo causado por aumento persistente do consumo, ao ritmo insustentável de 10% ao ano, ou seja, substancialmente mais alto do que a capacidade de fornecimento de bens e serviços pelo setor produtivo interno mais as importações.

O diagnóstico do Banco Central é o de que há uma inflação de demanda que é preciso reverter para que possa ser cumprida a meta de inflação de 4,5% ao ano, antes que a expectativa dos marcadores de preços se deteriore ainda mais.

Até aí o Banco Central está certo. Provavelmente também está certo ao identificar como causa dessa forte expansão do consumo (embora não o enfatize) o aumento excessivo das despesas públicas, que correm a 17% neste ano.

Se o diagnóstico é esse, o remédio mais adequado para atacar a doença cuja causa é fiscal, obviamente, teria, também, de ser fiscal; seria a compressão das despesas públicas de maneira a conter a criação de renda e o excesso de demanda que vem em seguida.

Mas o governo só pensa naquilo, não quer reduzir a alegria do consumidor com o corte das despesas públicas às vésperas das eleições e, por isso, parece improvável que a administração federal se disponha a fazer o que lhe compete. Assim, o serviço impopular sobrou mais uma vez para o Banco Central.

A inflação de 2010 já está dada, independentemente dos ajustes que o Banco Central começou a fazer. Só não se sabe de quanto vai ser. Como os juros levam de seis a nove meses para produzir efeito, não haverá mais tempo para mostrar serviço ainda este ano. A decisão de ontem teve por objetivo calibrar o fluxo de moeda de maneira a enquadrar a inflação de 2011. Isso significa que, do ponto de vista da política monetária, o horizonte do Banco Central já pertence à paisagem do próximo governo.

Pelo menos dois objetivos políticos o Copom deve ter levado em conta. O primeiro, evocado várias vezes pelo presidente Lula, é evitar que às vésperas das eleições o eleitor fique com a sensação de que o atual governo descuidou do combate à inflação e, portanto, foi desleixado na preservação do principal patrimônio do trabalhador. Por isso, tem de mostrar eficácia ainda que o efeito dos juros só apareça no ano que vem.

O segundo é a questão da dose. O gradualismo excessivo (alta de 0,50 ponto porcentual) exigiria um tratamento mais esticado, que poderia ser interpretado como tolerante demais. O Banco Central evitou, também, paulada maior, tipo Nicolau Maquiavel, para quem a maldade tem de ser feita de uma vez.
De todo modo, ficou a impressão de que o Banco Central agiu tarde. Todos os dados levados em conta para a decisão de ontem já estavam aí em março, quando os juros ficaram parados.

Fonte:Estadao