domingo, 6 de dezembro de 2015

Maquiavel e Dilma Rousseff

Um dos mais extraordinários pensadores e igualmente mal compreendido no imaginário popular: Niccolò di Bernardo dei Machiavelli ou mais conhecido como Maquiavel (1469-1527).
Quem já não ouviu alguém afirmar que fulano é “maquiavélico”, em um tom pejorativo, quando se refere a um oportunismo voltado ao poder, na base dos fins que justificam os meios? Tal conotação rasa acaba ofuscando o que há por trás do pensamento de Maquiavel.
Intelectual em um tempo de transição, Maquiavel escreve com um certo ar de denúncia, sobre como funciona a política, na prática que formula seus embasamentos teóricos. Na sua disposição de identificar e avaliar as atitudes de políticos, há fatores que podemos classificar como eticamente aceitáveis, e outros que podemos até repudiar quase que instantaneamente, mas que fazem parte de um pragmatismo em fazer política.
Um exemplo: No prefácio da obra Maquiavel, O Poder (1) do professor José Nivaldo Junior, escrito por Cristovam Buarque, professor da UnB e atualmente, senador da República, ao tratar sobre “Os arcaicos maquiavéis de hoje”, Buarque sintetiza o que era oportunismo no entendimento de Maquiavel: “consistia em escutar o povo e cumprir radicalmente os compromissos assumidos”.
O oportunismo de Maquiavel é voltado para o fortalecimento do poder cujo marketing tem objetivos e necessidade de constantes avaliações e se relaciona com o prestígio diante das forças que se voltam sobre o governante.  Certamente, ele se tornou mais conhecido, em sua obra mais estudada,  O Príncipe, por conta deste trecho:
“Na conduta dos homens, especialmente dos príncipes, contra o qual não há recurso, os fins justificam os meios. Portanto, se um príncipe pretender conquistar e manter o poder, os meios que empregue serão sempre tidos como honrosos, e elogiados por todos, pois o vulgo atenta sempre para as aparências e o resultados; o mundo se compõe só de pessoas do vulgo e uma poucas que, não sendo vulgares ficam sem oportunidade quando a multidão se reúno em torno do soberano.” (2)”
O político e estudioso de Florença foi um douto observador de fenômenos de poder e que muitas vezes discorreu sobre protagonismos, procurando identificar relações mais profundas com o que predomina na natureza humana.
Onde políticos obtiveram êxito? Onde fracassaram? Como se deram suas ações calculadas? Quando prometeram, cumpriram e não cumpriram, romperam, mentiram em acordos, dissimularam,  se aliaram, guerrearam, optaram pela paz, manipularam, dominaram, julgaram, foram benevolentes, pactuaram, cometeram crueldades, etc.
Em Maquiavel,  a política é um exercício de escolhas e o poder deve ser fato, não apenas abstração. O governante precisa ter habilidades de reflexão e postura para governar; o sucesso de uma política precisa ser atestado por resultados.; tudo isso é pragmatismo. Governar respeitando os súditos (que seria o povo em nosso tempo), não atacando seu patrimônio, evitando coisas que o façam ser odiado ou desprezado pela massa.
Se o governante for tímido,  irresoluto, frívolo, de personalidade fraca, sucumbirá. Precisa aprender a interagir com corruptos e evitar com todos os meios, a ira dos partidos mais poderosos.  Política é para velhas raposas e não para imaturos, idealistas, sonhadores. O mundo do poder entre homens é sujo, sombrio, e o governante precisa aprender a sobreviver a todo esse lamaçal. As vezes, precisa agir com a força agressiva de um leão, mas sobretudo, ser astuto para surpreender as presas, como uma raposa.
Lendo Maquiavel, fica fácil entender que o alto escalão para iniciantes é um desastre. Será preciso que o político governante seja um indivíduo deveras calejado, que saiba como funciona a lógica de multas segundas intenções, escapando dos aduladores, que tenha experiência longa entre negociantes do poder, quando se intenta na posição de se assumir como um soberano, nunca deixando de estocar  uma sabedoria que é incessante, para estudar e compreender os interesses dos poderosos na política e na economia, ao mesmo tempo em que deve procurar agradar o povo de modo que o poupe de aborrecimentos, pois o mais importante castelo que protege o governante, não é de concreto com guardas fortemente armados; é pela honra que os governados lhe reservam e pelo temor dos poderosos com sua capacidade de governar. Um príncipe odiado pelo povo, não resistirá por longo tempo.
Trazendo as lições de Maquiavel para a situação de Dilma Rousseff, percebo que ela não tem a virtú. Não é hábil para viver governando e se preservar, em saber ler os fatos, se adaptar rapidamente àos imprevistos e ao mesmo tempo se fortalecer no exercício do poder, o que na visão de Max Weber é a capacidade de impor vontades aos outros.
Esse fascínio que as pessoas têm em um autêntico líder, Dilma Rousseff simplesmente não apresenta e  demonstra não possuir uma mínima bagagem sobre o funcionamento da cultura política no Brasil. Suas decisões sinalizam que ela carece de uma sabedoria que lhe permita se equalizar com os anseios da população.
Enquanto o povo está aborrecido em pagar tributos elevados, ela envia pacotes ao Congresso para aumentá-los visando cobrir desfalques que ela mesma provocou. Enquanto o povo se encheu do seu partido, ela exerce uma proteção inútil a apadrinhados, na medida em que se distancia do partido que tem o maior poder no Congresso: o PMDB.
Dilma Rousseff é uma governante desqualificada; não está à altura do cargo pelo qual foi designada democraticamente e assim, sofre nas mãos de velhas raposas e leões enrijecidos que a estão engolindo juntamente com o seu partido, repleto de trapalhões.
maquiavel
Na abertura do Capítulo XXII de O Príncipe:
“os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam.” (3)
Tirando os ministros Joaquim Levy e Guilherme Afif Domingos, os que cercam Dilma Rousseff representam mais suas preocupações em preencher cargos para satisfazer partidários, e não pela capacidade de bem assessorá-la em equilíbrio com a base aliada e um projeto de governo que possa ter sentido aos desafios econômicos da nação.
O que faz Aluízio Mercadante na Casa Civil? Apenas atrapalhar a articulação política, mas ainda está por lá, quando já deveria ter sido demitido. A presidente perde muito tempo tentando ser leal a partidários que não estão lhe dando proteção eficiente.
O que fez Nelson Barbosa até o momento? Advindo de um momento do governo Lula, onde laborou a desastrosa Nova Matriz Econômica, que nos empurrou a presente crise, saiu do governo, virou um crítico (3), e agora posa de austero, mas parece ser mais uma pedra no sapato do ministro da Fazenda.
Por último, a verdade não é uma ofensa, sendo a grande lição, a meu ver, no Capítulo XXIII. A verdade! Justamente ela, que tem mais se ausentado em um governo cuja soberana se elegeu com um discurso de mentiras. Nos bastidores do poder, é a verdade que deve ser preservada, para diagnósticos mais precisos e descoberta de caminhos. O governante precisa escolher sábios que tenham total liberdade para expressar as mais inconvenientes verdades.
Muito interessante ler e reler Maquiavel e suas constatações simples, práticas, objetivas, tão atuais, e que certamente fazem muita falta na história e na cabeceira de nossa perdida presidente da República.
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Notas:
1. Maquiavel. O Poder. Ed. Martin Claret, 2002.
2. O Príncipe, pág. 104. Ed. Martin Claret 2002.
3. O Príncipe, pág. 129. Ed. Martin Claret 2002.
4. Recomendo a leitura do artigo de Adolfo Sachsida  Os Economistas do Fracasso: No governo geraram o caos, fora dele agem como se a culpa não fosse sua.