sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Os mercenários que Maquiavel tanto falava


 
Nicolau Maquiavel aconselhou o príncipe sobre como se manter no poder, e afirmou que o Estado deveria ter, em primeiro lugar, um exército próprio, regular. É difícil imaginar isso hoje, mas no século XVI os estados nacionais, ainda em formação, pagavam pessoas para defendê-los ou atacar um inimigo. Eram os mercenários. Maquiavel apontava riscos nessa prática, dentre eles o abandono da guerra pelos contratados, chantagens e até rebeliões contra o príncipe.
Cinco séculos depois, as lições do pensador florentino retornam à ordem do dia. Os Estados Unidos se retiraram do Iraque, em 2011, celebrando a decisão como um grande feito; aos poucos, soldados americanos são também retirados do Afeganistão. Em ambos os casos, a estratégia militar logrou estabilizar esses países, mas o cenário ainda é de guerra civil, de permanente ameaça de atentados e enfrentamentos urbanos ou rurais.
No caso do Iraque, país rico em petróleo, as forças armadas locais não têm preparo nem experiência para realizar a segurança dos poços de exploração e de seus dutos, e do próprio governo. Por isso, saíram os mariners e entraram as empresas de segurança privadas. Essa terceirização das forças armadas é um bom negócio para os contratados: em geral, são empresas americanas que oferecem seus serviços de segurança; muitos dos seus sócios são ex-oficiais e ex-combatentes americanos. Os salários pagos aos terceirizados são vultosos, proporcionais ao risco. Realizar segurança de ministros e autoridades pode render cem mil dólares por mês; já a expectativa de vida dessas pessoas é estimada em três meses.
Naturalmente, os países que contratam esse tipo de segurança esperam algum dia não precisar mais desses serviços, podendo contar com um exército e uma polícia bem treinados. Entretanto, isso pode levar muito tempo, pois se trata de criar e manter instituições do Estado. Iraque e Afeganistão não são os únicos, porém são mais visíveis. O Haiti é outro caso. Em países onde a polícia e o exército são fracos, mal-aparelhados e corruptos, muitos estrangeiros – empresas e pessoas – contratam seguranças para realizar a defesa de suas vidas e de seu patrimônio. Poucos sabem, mas em algumas embaixadas da África e América Latina o Brasil utiliza seus próprios soldados para defender as instalações e o pessoal diplomático.
Terceirizados não geram indenizações por ferimentos de guerra, nem pensões para si ou para a família. Suas mortes são incógnitas, não são notícia na grande mídia. Tampouco recebem condecorações ou reprimendas públicas por acertos e erros. E não oneram o setor público com longos tratamentos fisioterápicos e psiquiátricos pós-retorno. Esses soldados e policiais terceirizados – novas modalidades de mercenários, sob o amparo da lei local – estão mudando a realidade de muitos estados e, talvez, da própria noção do que se entende por forças de segurança pública. O mercado de segurança privada parece estar nos levando ao mundo pré-estatal; ou ‘pós-Estado’, se preferirem.

* GILBERTO RODRIGUES é professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina, foi professor visitante da Universidade de Notre Dame (EUA), doutor em Relações Internacionais pela PUC-SP, mestre pela Universidad para La Paz (ONU/Costa Rica) e pós-graduado pela Universidade de Uppsala (Suécia).

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Amorim cita Maquiavel


É preciso criar “um cinturão de boa vontade entre o Brasil e seus vizinhos na América do Sul” e estendê-lo até a África, dentro do espírito proposto pela Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. A afirmação foi feita pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, durante o 2º Seminário Estratégia Nacional de Defesa: Política Industrial e Tecnológica, que aconteceu na quarta-feira (15), no Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).



Durante o evento, promovido pela Frente Parlamentar de Defesa Nacional da Câmara e da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança, Celso Amorim apresentou um panorama da situação internacional, onde ele vê um processo de desconcentração do poder mundial, criando ambiente para o desenvolvimento de relações de cooperação e defesa, como por exemplo, no âmbito da América Latina, com o Mercosul, a Unasul e especialmente com a criação do Conselho de Defesa da Unasul.

“Apesar disso, devido à fluidez das relações internacionais, temos de estar preparados para uma eventual ameaça externa. A melhor maneira de se evitar isso é uma defesa forte, que possa causar danos sérios a um possível agressor”, disse o ministro da Defesa.

Para garantir esse projeto, seriam necessários meios aéreos, navais e terrestres, como prevê a Estratégia Nacional de Defesa. Amorim reforçou que a desconcentração de poder é positiva, mas que ao mesmo tempo oferece desafios e dificuldades para o país. O que leva o Ministério da Defesa a priorizar a pesquisa tecnológica independente e nacional, em todas as esferas, além do esforço de recuperação da indústria brasileira de defesa, em linha com o Plano Brasil, lançado pela presidente Dilma Rousseff.

Citando um trecho de O príncipe, de Nicolau Maquiavel, o ministro lembrou que os governantes devem usar o período de paz para se preparar para um possível conflito. “Essa preparação, inclusive, pode evitar possíveis adversidades. Nenhum país soberano delega sua defesa a terceiros”, enfatizou Amorim.

O seminário aconteceu um dia depois da aprovação, por unanimidade, da Medida Provisória 544, que cria um regime tributário especial para a indústria de defesa nacional (Retid) e institui normas específicas para a licitação de produtos e sistemas de defesa. A matéria, aprovada na forma de um projeto de lei de conversão, ainda será analisada pelo Senado. A MP exigirá regulamentação adequada e investimento estatal de apoio a empresas que não se transformem depois em empresas estrangeiras e que o capital estatal investido não escape ao controle nacional.

Entre os presentes no evento, também estavam o ministro Marco Antonio Raupp, da Ciência, Tecnologia e Inovação, e os chefes dos Estados-Maiores do Exército, Aeronáutica e da Marinha do Brasil. Deputados e senadores da Frente Parlamentar de Defesa Nacional e oficiais das Forças Armadas também compareceram.

A Estratégia Nacional de Defesa (END)

A Estratégia Nacional de Defesa foi formulada em 2008, e as medidas previstas na MP estão alinhadas com o Plano Brasil Maior, que tem como objetivo aumentar a competitividade da indústria nacional. Ela está organizada em três eixos estruturantes: o primeiro diz respeito à organização e à orientação das Forças Armadas para melhor desempenharem sua destinação constitucional e suas atribuições na paz e na guerra. O segundo refere-se à reorganização da indústria nacional de material de defesa, para assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas se apoie em tecnologias sob domínio nacional. E o terceiro versa sobre a composição dos efetivos das Forças Armadas e sobre o futuro do Serviço Militar Obrigatório.

Para a aplicação prática desta estratégia, cada uma das Forças Armadas estabeleceu seu Plano de Articulação de Equipamentos de Defesa, onde se estabeleceria a recuperação, aquisição e produção de produtos de defesa com o necessário fortalecimento da indústria nacional de defesa.

O recém-nomeado ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, integrante da mesa, afirmou que o desenvolvimento científico e tecnológico do país precisa estar associado à soberania nacional. Ele lembrou que o ministério desenvolve projetos em conjunto com o setor de defesa, que receberam investimentos de R$ 1,5 bilhão em 2010 e 2011.

Raupp disse também que espera um aumento significativo dessa colaboração ao longo dos próximos anos. “Quase 50% das nossas atividades estão previstas na Estratégia Nacional de Defesa”, declarou.

Com informações de Pedro de Oliveira, de Brasília


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Marco Antonio Villa, o maquiavel mequetrefe


Um artigo esdrúxulo artigo foi publicado pelo historiador Marco Antonio Villa no Estadão no sábado (28/01). Para argumentar que a oposição está sem rumo, inicia por dizer que FHC faz uma análise “absolutamente equivocada da conjuntura brasileira”. Não é que o professor discorda disso ou daquilo, contrapondo opiniões, o que seria normal. Não. Ele acha que FHC não entende “absolutamente” nada da política nacional. Que empáfia!
Eu li e fiquei pensando: mas que pretensão exagerada. Quem é esse iluminado, um fenômeno acadêmico, um sabichão, que simplesmente zera a capacidade de análise política de FHC, coisa que nem seus maiores adversários ousam fazer?
Para provar que FHC nunca foi bom na política, o vaidoso professor arrola 6 episódios históricos. Pois eu estive presente, ao lado de FHC, em todos eles. E posso afirmar, e provar com documentos e depoimentos, que todas as interpretações oferecidas no artigo estão maldosamente equivocadas. Eu desafio o professor Villa para um debate público sobre aqueles episódios para ver se ele sustenta as bobagens que escreveu.
Ao criticar a oposição, e especialmente o PSDB, o pedante professor enfrenta a situação, taxada por ele como uma “cruel associação do grande capital com os setores miseráveis”, que periga se perpetuar no poder. Quer dizer, o homem é contra o governo do PT. Conclusão: mais que o famoso “fogo amigo” da política, o arrogante historiador se coloca acima do bem e do mal, posa de conselheiro do rei.
Essa espécie de Maquiavel mequetrefe não percebe, em seus delírios intelectuais, que sua mente está impregnada das velhas idéias da política, formuladas no século passado sob o dogma da dualidade que opõe a esquerda com a direita, a situação contra oposição, o povo contra as elites, utilizadas até hoje, é verdade, pelos últimos populistas, ou autoritários, que vivem de iludir e mandar no povo. Mas eles desaparecerão.
Tal referencial de análise está ultrapassado pelo fim das ideologias totalizantes, pela globalização da economia, pela crise ambiental, pela luta em favor da diversidade humana, pela defesa da paz e da tolerância, contra a violência e as drogas, pela ascensão das classes sociais, pelas modernas formas de comunicação determinadas nas redes sociais via internet. A democracia e o sistema republicano, incluindo os partidos, precisam se renovar, se abrir, para capturar a demanda que brota da juventude na era digital.
É por aqui, pelos caminhos dessa nova agenda imposta à reflexão na civilização humana, que perpassa o pensamento de FHC, mesmo quando analisa a realidade política brasileira. Por isso que o professor Marco Antonio Villa, contaminado pelos vícios do passado, não consegue entender nada, e escreve besteira. Paciência.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Greve policial na Bahia e os ciclos da história


Para o filósofo inglês Thomas Hobbes, “a função do Estado era, sobretudo, promover a segurança e o direito de vida dos seus membros, para que todos pudessem progredir em paz”. Nessa lógica, com certeza, se vivo estivesse, não hesitaria, em declarar a falência do governo.
Pensando em Hobbes e observando as articulações pelas redes sociais sobre uma possível paralisação da PM baiana no carnaval, tomei conhecimento de uma manifestação promovida por um grupo de mães e familiares de policiais mortos em serviço, no início da tarde da última quarta-feira (18), em frente ao Ministério Público, e lembrei-me do movimento “Panelas Vazias” protagonizado por esposas de policiais militares mineiros que, batendo panelas, fazendo orações e gritando palavras de ordem diante do quartel do Comando Geral, chamando atenção para o estado de coisas que, anos depois, redundaria no grande motim dos integrantes daquela corporação. 
Embora a crise que incendiou o país no final da década de 90 tenha tido a sua gênese na Polícia Militar de Minas Gerais, não custa lembrar que, ainda no tempo em que rebeliões, motins, paralisações, greves e outros movimentos reivindicatórios promovidos por militares eram considerados inconcebíveis e passíveis de responsabilização com base na Lei de Segurança Nacional, foi na Bahia, em 1981, que se inaugurou o ciclo de paralisações do policiamento ostensivo como estandarte tático para a ação reivindicatória dos policiais militares brasileiros.
Acostumados a reprimir protestos, essa categoria especial de servidores militares, especialistas no controle de distúrbios civis e do espaço público, ao se apropriar da greve, sem abandonar as características castrenses que lhes revela identidade, marcou a história das corporações, inaugurando um novo meio de ação coletiva da massa policial militar: um conflito aberto com armas.
Decorridos 15 anos da eclosão do grande motim, movimentos isolados desta natureza já se tornaram rotina nas polícias e corpos de bombeiros militares brasileiros, pois a ausência de uma política que atenda aos anseios de uma categoria funcional privada do direito de sindicalização e de greve, aliada ao descaso com que os governos, federal e estadual, tratam da questão, contribui para reforçar-lhes a importância vez que os êxitos obtidos, ainda que parciais, servem de exemplo para que outras instituições procedam da mesma forma.
Inegavelmente, tais episódios revelaram um rompimento dos laços de solidariedade corporativa na relação entre oficiais e praças nas corporações militares estaduais, mas, paralelamente, indicaram um fortalecimento interno no ciclo dos subtenentes, sargentos, cabos e soldados gerando desconfianças, divisões e discórdias que, ao serem, convenientemente, exploradas pelos governantes de plantão, evidenciam a necessidade da construção de alianças estratégicas que embasem um sistema representativo para a categoria que alie a farda à política.
Os exemplos recentes de vários estados nordestinos e as movimentações de milicianos baianos nas redes sociais indicam que, com os problemas salariais e estruturais dessas instituições permanecendo inalterados, a tendência é que as paralisações se repitam em determinados intervalos de tempo, quando a situação ficar insustentável e, inegavelmente, com a maior parcela de responsabilidade debitada aos governos que, mesmo de forma indireta, fomentam a proliferação de movimentos desta natureza.
A experiência histórica dos protestos de militares estaduais nos faz refletir que, nesta pós-modernidade, urge a consolidação do paradigma do soldado-cidadão, donde emerge a necessidade de um diálogo permanente e aberto entre a cultura policial militar, lastreada na hierarquia e na disciplina, e a cultura política relacionada à democratização. A greve de policiais, pelo desgaste social que sempre acarreta e pelos efeitos negativos que pode provocar, não deve se tornar um mero instrumento de promoção pessoal de lideranças sequiosas por construir uma plataforma político partidária, principalmente, em ano eleitoral.
Nicolau Maquiavel (fundador do pensamento e da ciência política modernos) dizia que a história é cíclica, ou seja, se repete. Nesse sentido, o que acontece hoje já aconteceu outrora e possivelmente acontecerá novamente. Assim, nos resta o aprendizado para reescrever a história ou para conviver com a revolta que, entre nós, por causas complexas: “Volta sempre a enfeitiçar com seus mesmos tristes velhos fatos que num álbum de retrato eu teimo em colecionar”.
Depois de 500 anos, Thomas Hobbes nunca foi tão atual, pois, enquanto o sistema político não investir seriamente na segurança pública e não parar de apostar na passividade da tropa e na força dos regramentos disciplinares e penais para fugir das suas responsabilidades, continuaremos a conviver com a volta ao estado de natureza em que imperava a guerra do homem contra o homem e, pior, com os nossos guardiões em permanente “estado de greve”, o que no jargão classista significa que a espada de Dâmocles paira sobre o fio que separa a atividade, da paralisação.