quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Manual do mundo político

Por Josenildo Melo

Mais que um tratado sobre as condições concretas do jogo político, O Príncipe é um estudo sobre as oportunidades oferecidas pela fortuna, sobre as virtudes e os vícios intrínsecos ao comportamento dos governantes, com sugestões sobre moralidade, ética e organização urbana que, apesar da inspiração histórica, permanecem espantosamente atuais. Quem deve fazer a Política? Para Maquiavel O Príncipe. Qualquer um que fosse – aventureiro ou hereditário – que assumisse controle do Estado e exercesse o poder em seu nome. 

Ele deve reunir para tal uma série de condições, tal como concentrar em si a astúcia da raposa e a coragem do leão, inclusive ser dissimulado e perjuro se a segurança do Estado assim o exigir. E deve eliminar, sem contemplação ou hesitação, tudo aquilo que possa ameaçá-lo, preferindo ser temido do que amado, pois ele sempre tem em conta a volubilidade humana. O príncipe deve “abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio” (“O Príncipe”, cap. XVII). A sua política deve orientar-se sempre pelos critérios da eficiência, daquilo que se chama de pragmatismo: “Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados... (“O Príncipe”, cap. XVIII). 

Nenhum povo do mundo antigo contribuiu tanto para a riqueza e a compreensão da Política, no seu sentido mais amplo, como o fizeram os gregos. Os nomes de Sócrates, Platão e Aristóteles, no campo da teoria, de Péricles e de Demóstenes na arte da oratória, estão presentes em qualquer estudo erudito que se faça a respeito e mesmo nos mais singelos manuais de divulgação. Entendiam-na - a política - como uma ciência superior, determinante de qualquer organização social e com inquestionáveis reflexos sobre a vida dos indivíduos. Para Aristóteles era a arte de governar a cidade-estado (pólis). Por não conviverem com estados-nacionais, mas sim com organizações menores, as cidades, para os gregos, tornaram-se o objeto da sua maior atenção.

Como nenhum outro povo, interessaram-se pela administração da coisa pública, envolvendo-se nos intensos e acalorados debates políticos que afetavam a comunidade, manifestando extraordinária consciência sobre a importância e o significado da palavra eleutéria, entendida como liberdade e independência da cidade em relação a qualquer outro poder vindo de fora – num mundo cercado pelo despotismo e pela tirania. A sua contribuição não se confinou somente ao teórico, pois também legaram os grandes discursos de Demóstenes e de Ésquines que imortalizaram a oratória voltada para a ação.

A Política de Aristóteles. Enquanto seu mestre Platão inclinou-se preferencialmente por fazer desenhos de construções sociais imaginárias, utópicas, por projeções sobre qual o melhor futuro da humanidade, Aristóteles, seu discípulo mais famoso, procurou tratar das coisas reais, dos sistema políticos existentes na sua época. Atentou por classificá-los, definindo suas características mais proeminentes, separando-os em puros ou pervertidos. Desta forma, enquanto Platão inspirou revolucionários e doutrinários da sociedade perfeita, Aristóteles foi o mentor dos grandes juristas e dos pensadores políticos mais inclinados à ciência e ao realismo.

Maquiavel, Hobbes, e o estado forte. Distanciados por mais ou menos um século e meio um do outro, foram publicados dois tratados clássicos da ciência política: um na Itália e o outro na Inglaterra. Um intitulo-se “ O Príncipe”, de 1513, de autoria do escritor florentino Nicolau Maquiavel e o outro chamou-se “ O Leviatã”, de 1650, do pensador britânico Thomas Hobbes. Vivia-se na época da afirmação da monarquia absolutista, período conturbado onde as forças feudais e populares acirravam a disputa pelo controle sobre as monarquias nacionais, gerando permanente instabilidade, daí ambos defenderem, de maneiras diversas, o reforçamento do poder do estado.

A grandeza e originalidade de 'O Príncipe' consiste em ter alargado o campo da ciência na política, distinguindo os interesses políticos primários das classes, mas confundindo-os, ao mesmo tempo, em uma monstruosa razão de Estado pela qual o povo é apenas matéria plástica nas mãos do Príncipe.

Àqueles que chegam desavisados ao texto límpido e elegante de Nicolau Maquiavel pode parecer que o autor escreveu, na Florença do século xvi, um manual abstrato para a conduta de um mandatário. Entretanto, esta obra clássica da filosofia moderna, fundadora da ciência política, é fruto da época em que foi concebida. 

Depois da dissolução do governo republicano de Florença e do retorno da família Médici ao poder, Maquiavel é preso, acusado de conspiração. Perdoado pelo papa Leão x, ele se exila e passa a escrever suas grandes obras. O Príncipe, publicado postumamente, em 1532, é uma esplêndida meditação sobre a conduta do governante e sobre o funcionamento do Estado, produzida num momento da história ocidental em que o direito ao poder já não depende apenas da hereditariedade e dos laços de sangue.


Fonte: Portalaz