terça-feira, 16 de julho de 2013

Os Príncipes do século 21

Inspirados em 'O Príncipe', principal obra de Maquiavel, cientistas políticos avaliam o que os prováveis candidatos à Presidência em 2014 têm, ou não, das qualidades sugeridas pelo filósofo

Lilian Venturini - O Estado de S.Paulo
Simples, duros, levianos, pródigos ou religiosos. Maquiavel destacou alguns adjetivos possíveis de um governante no decorrer de O Príncipe, obra que completa 500 anos em 2012. O louvável, advertiu o filósofo, era o líder ter os melhores. Mas como o desejo é humanamente impossível, sugeriu que ao menos o príncipe fosse "prudente" para saber fugir daquelas qualidades que o fizessem "perder o poder". A pedido do Estado, cientistas políticos avaliaram o que os prováveis candidatos à Presidência da República têm, ou não, daquelas e outras características e como elas interferem na vida política de cada um deles.

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Dilma Rousseff - A chegada de Dilma à Presidência seria o que Maquiavel define por um principado conquistado graças às “armas” de outro - no caso dela, de Lula. Sua vitória deveu-se mais a influência do antecessor do que por sua luz própria, lembram os especialistas. Como o filósofo italiano advertiu, manter-se no poder nessas circunstâncias exige mais esforço.
As virtudes de Dilma estariam no campo da técnica, mas lhe faltariam aquelas da ação política, como carisma e retórica. Além disso, tem dificuldade para costurar alianças e para ser unanimidade dentro do próprio PT - campos em que Lula a ajuda. Mas ela soube tirar proveito da “faxina ética”, do crescimento do consumo e da falta de concorrentes - mais sorte que virtude. A volta da inflação e os protestos, nesse momento, porém, abalam sua gestão. “Dilma luta para criar sua marca e exibir sua própria virtude”, lembra o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília (UNB).
Aécio Neves - O senador Aécio Neves (PSDB) ainda é uma incógnita. A exemplo de Eduardo Campos (PSB), são príncipes hereditários, na definição de Maquiavel. O berço político herdado dos avôs Miguel Arraes e Tancredo Neves pode trazer efeitos positivos, mas é insuficiente para garantir força política.
O carisma e o senso de oportunidade estão entre as virtudes apresentadas até agora pelo tucano, beneficiado também pela ausência de nomes de destaque na oposição. Aos olhos de Maquiavel, no entanto, isso seria pouco. “Ele tem que ter uma agenda e convencer os seus próprios partidários dela”, considera o cientista político Fernando Filgueiras, da UFMG. 
Aécio tem se exposto mais nos últimos meses, mas a impressão ainda é de que está contando demais com a sorte - um risco, no pensamento maquiaveliano -, como desgaste maior de Dilma. “Além de ter uma agenda, ele tem que saber comunicá-la. Para isso, terá que se tornar aparente ao público e se submeter ao julgamento dos cidadãos. É nessas horas que a virtude aparece”, lembra o professor.

Eduardo Campos - As dúvidas que pairam sobre o tucano Aécio Neves são parecidas com as que rodeiam o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Ainda não está claro como ele pensa e age, embora dê sinais óbvios de suas intenções de chegar à Presidência em 2014 - virtude importante para Maquiavel.
A habilidade para costurar alianças e a inteligência com que usou a proximidade com o governo Dilma estão entre suas principais qualidades, na avaliação dos cientistas políticos. “Parece estar construindo sua força. Até que ponto terá condição de voo solo, é outra conversa”, considera o filósofo Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Campos tem sabido tirar proveito da relevância política adquirida pelo Nordeste, seu reduto eleitoral, desde que o PT assumiu o governo federal em 2003. No entanto, ainda não se sabe se terá força para projetar-se nacionalmente, em especial na região Sudeste, onde ainda é pouco conhecido.
Marina Silva - A ex-senadora Marina Silva reúne adjetivos positivos. Transmite pureza, honestidade e a causa ambiental lhe rende apelo público. Juntos, formariam o perfil de um bom líder, mas na política, e na leitura de Maquiavel, podem ser a gestação de sua própria ruína.
No Príncipe, Marina assumiria o papel de Gerolamo Savonarola, ou, como é definido, o profeta desarmado. O monge governou Florença no século 15, ancorado essencialmente em um discurso focado na salvação da humanidade. Segundo Maquiavel, sucumbiu quando sua palavra perdeu força. “A fragilidade da Marina é a mesma de todo aquele que troca a realidade pelo dever ser. Para Maquiavel, a realidade deve ser o cerne da preocupação do príncipe”, avalia o cientista político Edison Nunes, da PUC-SP.
A ausência de uma agenda que some outros temas além do meio ambiente e a articulação confusa do novo partido - nem oposição nem situação - podem tirar de Marina o impacto da votação de 2010. “Falta (a ela) dialogar com o povo. Se não (seu programa) fica no plano teórico e ideal”, diz Roberto Romano.

domingo, 14 de julho de 2013

Como dizia Maquiavel, tenha o povo ao seu lado

Lilian Venturini - O Estado de S.Paulo
É preciso colocar os óculos do tempo para ler O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, o filósofo italiano que há 500 anos escreveu a obra na qual detalha como um governante pode chegar e se manter no poder. Seu famoso tratado completa cinco séculos neste ano - e, em muitos aspectos, continua atual. Os protestos e manifestações que atingiram 353 cidades do País mostram que um de seus principais conselhos aos governantes foi esquecido: estar atento ao povo. "A um príncipe é necessário ter o povo ao seu lado", insistia ele. "De outro modo, ele sucumbirá às adversidades."


Em O Príncipe, Maquiavel falou sobre a ação política - Reprodução
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Em O Príncipe, Maquiavel falou sobre a ação política
Descumprir promessas se preciso, agradar ao povo e saber fazer alianças são exemplos dos ditos do autor - os mesmos, por sinal, que o tornaram tão famoso e incompreendido. Cinco séculos atrás, o filósofo alertava para as sutilezas com que essas ações deveriam ser colocadas em prática.
"Maquiavel coloca que política é um território traiçoeiro e que nem sempre uma conduta marcada por princípios rígidos leva aos melhores resultados. O desafio é saber que se está lidando com terreno pantanoso", afirma o cientista político Carlos Ranulfo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Maquiavel, então, compreenderia bem quando políticos fazem alianças com partidos com linha ideológica diferente ou quando oferecem cargos em troca de apoio nas eleições. Mas alertaria: "Os Estados bem governados e os príncipes prudentes sempre cuidaram para não levar o desespero aos grandes e para agradar e contentar o povo, esta que é uma das mais importantes tarefas que incumbem a um soberano".
O que Maquiavel fez foi chamar atenção para a imperfeição do homem, para o jogo de interesses. Apontar como essas nuances se refletem na ação política. "Ele tinha claramente esses dois lados. Tinha preocupação com o interesse público, apesar de destacar os interesses pessoais (dos governantes)", lembra o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O filósofo conseguiu entender que a continuidade de um governante no poder exigiria mais que alianças e boa retórica e por isso recomendava sensibilidade para reconhecer os anseios do povo. "Os políticos não têm uma noção, essencial em Maquiavel, que é a ação no tempo oportuno. Todos os problemas não resolvidos se acumulam e explodem", pondera o filósofo Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp.
Na prática. O Príncipe foi escrito num período monárquico, de reinados hereditários ou obtidos pelas armas. Ao longo dos seus 26 capítulos, Maquiavel fez comentários como: "Os príncipes devem encarregar outros das ações sujeitas à protestação, mas assumir eles próprios aquelas concedentes de graça".
Nada muito diferente do que faz a presidente Dilma Rousseff quando anuncia em rede nacional a redução da conta de luz. Ou do que fez o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ao falar em "responsabilidade fiscal" e anunciar o corte de gastos depois da onda de protestos.
"As práticas descritas no livro tratam de como conquistar e manter o poder. No caso de Estados laicos e democráticos, como o Brasil, isso é legítimo e importante. Se pegarmos os últimos governantes, talvez o que não tenha seguido o caminho descrito por Maquiavel tenha sido Fernando Collor. Ele usou suas armas para conquistar o poder, mas não soube se manter no cargo", avalia o cientista político Fernando Filgueiras, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Ainda assim, talvez seja o caso de se perguntar por que, em tempos de governos democráticos, as semelhanças com os dias atuais sejam tão evidentes. "Os homens não mudaram tanto assim. Mudaram as ordens que constituem a sociedade (empresa, Estado, jogo político, o Exército), mas a ação humana não. Ainda somos pessoas que têm de tomar decisão e agir, que é o cerne da política", avalia o professor Edison Nunes, da PUC-SP.
Para Roberto Romano, no entanto, de Maquiavel continua vivo justamente o que não é dele: "Políticos ainda estão no universo pré-maquiavélico, do apego às técnicas de dominação sem a percepção do que pode ser feito de democracia, de soberania popular". Talvez seja o caso de os políticos, estejam na base ou na oposição, relerem Maquiavel, mas com as lentes do século 21.
Fonte:Estadão