Inspirados em 'O Príncipe', principal obra de Maquiavel, cientistas políticos avaliam o que os prováveis candidatos à Presidência em 2014 têm, ou não, das qualidades sugeridas pelo filósofo
Lilian Venturini - O Estado de S.Paulo
Simples, duros, levianos, pródigos ou religiosos. Maquiavel destacou alguns adjetivos possíveis de um governante no decorrer de O Príncipe, obra que completa 500 anos em 2012. O louvável, advertiu o filósofo, era o líder ter os melhores. Mas como o desejo é humanamente impossível, sugeriu que ao menos o príncipe fosse "prudente" para saber fugir daquelas qualidades que o fizessem "perder o poder". A pedido do Estado, cientistas políticos avaliaram o que os prováveis candidatos à Presidência da República têm, ou não, daquelas e outras características e como elas interferem na vida política de cada um deles.
AE
Dilma Rousseff - A chegada de Dilma à Presidência seria o que Maquiavel define por um principado conquistado graças às “armas” de outro - no caso dela, de Lula. Sua vitória deveu-se mais a influência do antecessor do que por sua luz própria, lembram os especialistas. Como o filósofo italiano advertiu, manter-se no poder nessas circunstâncias exige mais esforço.
As virtudes de Dilma estariam no campo da técnica, mas lhe faltariam aquelas da ação política, como carisma e retórica. Além disso, tem dificuldade para costurar alianças e para ser unanimidade dentro do próprio PT - campos em que Lula a ajuda. Mas ela soube tirar proveito da “faxina ética”, do crescimento do consumo e da falta de concorrentes - mais sorte que virtude. A volta da inflação e os protestos, nesse momento, porém, abalam sua gestão. “Dilma luta para criar sua marca e exibir sua própria virtude”, lembra o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília (UNB).
Aécio Neves - O senador Aécio Neves (PSDB) ainda é uma incógnita. A exemplo de Eduardo Campos (PSB), são príncipes hereditários, na definição de Maquiavel. O berço político herdado dos avôs Miguel Arraes e Tancredo Neves pode trazer efeitos positivos, mas é insuficiente para garantir força política.
O carisma e o senso de oportunidade estão entre as virtudes apresentadas até agora pelo tucano, beneficiado também pela ausência de nomes de destaque na oposição. Aos olhos de Maquiavel, no entanto, isso seria pouco. “Ele tem que ter uma agenda e convencer os seus próprios partidários dela”, considera o cientista político Fernando Filgueiras, da UFMG.
Aécio tem se exposto mais nos últimos meses, mas a impressão ainda é de que está contando demais com a sorte - um risco, no pensamento maquiaveliano -, como desgaste maior de Dilma. “Além de ter uma agenda, ele tem que saber comunicá-la. Para isso, terá que se tornar aparente ao público e se submeter ao julgamento dos cidadãos. É nessas horas que a virtude aparece”, lembra o professor.
Eduardo Campos - As dúvidas que pairam sobre o tucano Aécio Neves são parecidas com as que rodeiam o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Ainda não está claro como ele pensa e age, embora dê sinais óbvios de suas intenções de chegar à Presidência em 2014 - virtude importante para Maquiavel.
A habilidade para costurar alianças e a inteligência com que usou a proximidade com o governo Dilma estão entre suas principais qualidades, na avaliação dos cientistas políticos. “Parece estar construindo sua força. Até que ponto terá condição de voo solo, é outra conversa”, considera o filósofo Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Campos tem sabido tirar proveito da relevância política adquirida pelo Nordeste, seu reduto eleitoral, desde que o PT assumiu o governo federal em 2003. No entanto, ainda não se sabe se terá força para projetar-se nacionalmente, em especial na região Sudeste, onde ainda é pouco conhecido.
Marina Silva - A ex-senadora Marina Silva reúne adjetivos positivos. Transmite pureza, honestidade e a causa ambiental lhe rende apelo público. Juntos, formariam o perfil de um bom líder, mas na política, e na leitura de Maquiavel, podem ser a gestação de sua própria ruína.
No Príncipe, Marina assumiria o papel de Gerolamo Savonarola, ou, como é definido, o profeta desarmado. O monge governou Florença no século 15, ancorado essencialmente em um discurso focado na salvação da humanidade. Segundo Maquiavel, sucumbiu quando sua palavra perdeu força. “A fragilidade da Marina é a mesma de todo aquele que troca a realidade pelo dever ser. Para Maquiavel, a realidade deve ser o cerne da preocupação do príncipe”, avalia o cientista político Edison Nunes, da PUC-SP.
A ausência de uma agenda que some outros temas além do meio ambiente e a articulação confusa do novo partido - nem oposição nem situação - podem tirar de Marina o impacto da votação de 2010. “Falta (a ela) dialogar com o povo. Se não (seu programa) fica no plano teórico e ideal”, diz Roberto Romano.