Deem uma alavanca a um homem e ele moverá o mundo, dizia Arquimedes. Deem a ele uma caneta, e ele mudará o mundo. Ao longo do tempo, houve homens que escreveram em defesa de seus ideais e suas convicções, outros que o fizeram para que não lhes quebrassem os dedos e outros, ainda, para arrumar um dinheirinho a fim de cuidar de sua sobrevivência e de sua família, alugando sua pena a senhores a quem outros alugavam a espada.
A história, no entanto, não pergunta as motivações de quem escreve um livro ou conta uma estória. Ela absorve os livros, e é mudada por eles. O número de pessoas que já morreram em defesa da Bíblia deve ultrapassar o número de letras do livro mais famoso do mundo, e, embora não se possa medir cientificamente a influência da Odisseia na descoberta da América, sabemos que as aventuras de Ulisses povoaram os corações e mentes de muitos dos marujos portugueses e espanhóis que participaram da Grande Travessia, e que Homero poderia ter cantado suas glórias, ou estado entre seus repórteres e cronistas, como Pero Vaz de Caminha e Luís de Camões.
Este mês o mundo está comemorando 500 anos de um grande livro e os cinco séculos que nos separam da época de um escriba singular, que nem sempre assinaria embaixo do que escreveu e acabou virando adjetivo.
Se você, prezado leitor, já foi chamado de astuto, manipulador, maquiavélico, já sabe mais ou menos de quem estamos falando. Embora o termo maquiavélico lembre o vocábulo “maquiar”, ele vem de Nicolau Maquiavel e de seu livro O Príncipe, que escreveu para Lourenço de Médicis, em uma época em que ter amigos poderosos garantia a sobrevivência de artistas, sábios e escritores, e lhes protegia os dentes e o pescoço.
Não vamos nos deter no próprio livro. O escrito é revolucionário para aqueles tempos e mudou radicalmente a forma de ver e de fazer política nos séculos seguintes, influenciando a torto e a direito, à esquerda e à direita, ditadores e libertários, fascistas e nazistas, estrategistas e publicitários. Todavia, como uma obra de encomenda, não corresponde precisamente às ideias do autor, expressas em outras que poucos conhecem e sobreviveram a O Príncipe, como prédios mais baixos se escondem do olhar de quem chega a uma cidade com um grande edifício a marcar seu horizonte.
Mesmo assim, se toda a Renascença fosse uma galeria, poderíamos dizer que O Príncipe, para a filosofia política, corresponderia a um Davi de Michelangelo – não necessariamente a uma Pietá –, ou a uma Santa Ceia de Da Vinci, ou ao que representou, para a astronomia, o aprimoramento do telescópio por Galileu. O importante a dizer é que Nicolau Maquiavel não era maquiavélico, no sentido que se criou para falar de sua obra ou da filosofia contida em seu livro mais conhecido.
Em O Príncipe, Maquiavel examina a conduta de César Bórgia, duque da Emiglia Romanna, filho natural do papa Alexandre VI.
Nicolau Maquiavel foi chanceler, ou seja, administrador do Estado florentino, durante a maior parte de sua vida e amigo de Giovanni de Médicis, um papa com nome de Leão, que não perdoava ninguém, nem mesmo no sentido bíblico. Tendo caído em desgraça, por ter jogado mal, para sobreviver Maquiavel foi obrigado a cuidar de encargo modesto, o de negociador, em nome de empresários de Florença, com os devedores de Pisa.
Apesar de tudo isso, do convívio com os poderosos e de relativa fama em seu tempo, Maquiavel morreu pobre e sem ter ideia de como seu livro O Príncipe e A Arte da Guerra influenciaria o futuro. “Niccollò Machiavelli morreu ontem, deixando-nos na mais profunda miséria”, escreveram os filhos de Maquiavel ao papa Leão X.