Ao separar a Gafisa da Tenda, grupo traça o caminho para que as empresas, no mínimo, dobrem de tamanho em três ou quatro anos
Por Márcio JULIBONI
Do general chinês Sun Tzu (séc. V a.C.) ao pensador florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), a ideia de dividir para reinar sempre foi associada à estratégia de separar as forças inimigas para enfraquecê-las e, assim, vencer a batalha. Dividir as próprias tropas, porém, não é uma prática comum, mas é a base do plano que a incorporadora Gafisa anunciou, na segunda semana de fevereiro, para dar um salto nos próximos anos. O objetivo é transformar suas marcas Gafisa e Tenda em empresas independentes. Se tudo der certo, o grupo espera, no mínimo, dobrar de tamanho no médio prazo com o desmembramento. “A soma das partes valerá mais que o todo atualmente”, afirma o presidente da Gafisa, Alceu Duilio Calciolari.
Por conta própria: Sandro Gamba (à esq.) e Rodrigo Osmo assumirão
o comando da Gafisa e da Tenda, respectivamente, e as empresas
tomarão rumos cada vez mais distintos
Um exemplo do que se espera com a mudança é a evolução dos lançamentos. No ano passado, os imóveis com a marca Gafisa somaram R$ 1,085 bilhão. Já a Tenda, focada em habitação popular e que passou dois anos sem colocar nada no mercado, enquanto era reestruturada para sair de uma grave crise, lançou R$ 338 milhões. Assim, as duas somaram R$ 1,4 bilhão. Segundo Calciolari, em três ou quatro anos, a Gafisa tem condições de alcançar um patamar de R$ 2 bilhões a R$ 2,5 bilhões de valor geral de venda por ano. Qual é o segredo? Liberar recursos e energia das empresas. “Agora poderemos focar a companhia na sua própria operação, e há um mercado espetacular para as duas”, diz Calciolari.
Para a Tenda, a cifra deve girar entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão. Isso significa que as empresas podem dobrar de tamanho nesse período. Esses números também circulam pelo conselho de administração da incorporadora. “Há muito valor a ser gerado”, afirma um conselheiro, que pediu para não ser identificado. Embora a ideia de desmembrar as duas construtoras tenha começado a ser discutida mais seriamente em meados do ano passado, há pelo menos dois anos o comando da Gafisa tinha consciência de que a marca focada no médio e alto padrão e a Tenda não ganhavam nada juntas, com caixa e direção em comum. “As sinergias são tão pequenas quanto as de uma fusão entre uma companhia aérea e uma confecção”, afirma o conselheiro.
Na prática, apenas a centralização das tarefas administrativas trazia alguma economia. O compartilhamento de materiais e técnicas de construção não trouxe os resultados esperados, simplesmente porque as marcas atuam em mercados distintos, utilizando produtos diferentes. “Um projeto da Gafisa requer mais artesanato, e a Tenda é praticamente uma indústria”, compara Calciolari.Mas a incompatibilidade operacional não é tudo. A separação das empresas representa também uma correção de rota. “A compra da Tenda foi uma grande besteira”, diz, sem meias palavras, o conselheiro da empresa. “O problema foi fazer tudo correndo, sem uma auditoria detalhada.”
Fim de um ciclo: Calciolari deixará a presidência da Gafisa em 90 dias, após a transição -
"A soma das partes (Gafisa e Tenda) valerá mais que o todo atualmente"
A companhia mineira, adquirida em 2008, revelou-se uma fonte de preocupações. Em 2011, quando o atual conselho de administração assumiu e Calciolari foi nomeado presidente, o comando da Gafisa decidiu incorporar a Tenda para lhe aplicar um “choque de gestão”. Ao separar novamente as marcas, a direção do grupo indica que a reestruturação da Tenda foi concluída. “Se tivéssemos separado as operações há dois anos, seria um desastre”, diz o conselheiro. Em 90 dias, o executivo Rodrigo Osmo, atual superintendente, assumirá a presidência da Tenda, que passará a ser uma companhia autônoma.
O executivo, que até agora se reportava a Calciolari, responderá apenas ao conselho de administração do grupo. Sem ter de se preocupar com a Tenda, a Gafisa voltará às suas origens: a construção e venda de imóveis de médio e alto padrão nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. “Temos as condições para continuar atuando no segmento em que somos referência”, diz Calciolari. O executivo afirma que a Gafisa pode deter de 4% a 6% de participação de mercado na capital paulista, que recebeu lançamentos de R$ 20 bilhões no ano passado. A tarefa de consolidar a empresa caberá a Sandro Gamba, que assumirá a presidência após o período de transição comandado por Calciolari, que deverá deixar as funções executivas na Gafisa.
É claro que entre as intenções e os resultados, uma série de percalços pode ocorrer. Para os investidores, por exemplo, ainda há dúvidas sobre se a Tenda conseguirá mesmo caminhar com as próprias pernas. “Seria ruim ver a Gafisa ainda bancar alguns custos da Tenda”, afirma o analista de mercado Lenon Borges, da corretora Ativa. Outra dúvida é se o cenário continuará favorável, a ponto de sustentar o crescimento das duas companhias no ritmo desejado. Mas, pelo menos até agora, os especialistas em mercado imobiliário não enxergam sinais de perigo.
Segundo Claudio Bernardes, presidente do Secovi-SP, entidade que representa as incorporadoras paulistas,o mercado de médio e alto padrão continuará com boa demanda nos próximos anos, devido ao bônus demográfico – o crescimento da população e as novas famílias, que vão precisar de um imóvel. Já o Minha Casa Minha Vida deve continuar, mesmo no caso de uma eventual troca de governo. “É um programa politicamente interessante para todos”, diz Bernardes, do Secovi-SP. Basta lembrar que o déficit habitacional em 2011 (último dado disponível) era de 3,352 milhões de moradias. Agora, com os negócios em ordem, autonomia e um mercado favorável, Gafisa e Tenda estão em melhor condição do que nunca para construir seus próprios reinos e povoá-los com os clientes que lhes faltaram até o passado recente.
Fonte:Istoèdinheiro