Nicolau Maquiavel dizia que para alcançar o poder o príncipe precisava ter virtù e, ao mesmo tempo, seduzir a Fortuna. A virtù seria uma energia especial, uma vontade férrea em busca do poder e a capacidade de lutar e mobilizar as forças que permitam alcançá-lo. A Fortuna seria o destino, representado por uma deusa que, com sua cornucópia, trazia boa ou má sorte aos homens. A Fortuna é mulher, dizia o florentino, e precisa ser seduzida por aquele que deseje o poder, mesmo sabendo que, como mulher e deusa, a qualquer momento ela poderá abandoná-lo.
O resultado das eleições no Brasil e na Bahia foram Maquiavel puro. O candidato Eduardo Campos, por exemplo, era um homem dotado de vontade pelo poder e tamanha capacidade e energia que iria alcançá-lo mais cedo ou mais tarde. Campos tinha virtù, mas no meio do caminho foi abandonado pela Fortuna. Já Marina foi bafejada pela sorte e a deusa colocou a Presidência da República em suas mãos, mas ela não teve virtù, não mostrou capacidade de luta e de reação frente ao ataque do inimigo e ficou no meio do caminho. Dilma Rousseff e Aécio Neves, ao contrário, desejam o poder e estão dispostos a lutar desesperadamente por ele, ambos são dotados de virtù, resta saber qual deles será capaz de seduzir a Fortuna.
Na Bahia, tanto o governador Jaques Wagner quanto o prefeito ACM Neto são homens dotados de virtù e ambos foram bafejados pela Fortuna. O governador, contra todas as expectativas, elegeu o candidato Rui Costa no primeiro turno, e é, sem dúvida, o grande vencedor dessas eleições na Bahia. Mas engana-se quem pensa que o prefeito ACM Neto foi derrotado. Com olhos em 2018, a deusa da Fortuna o protegeu, afastando-o do desgaste de quatro anos de governo, num período difícil que poderá, inclusive, a depender dos seus desígnios, manter na Presidência da República um adversário. ACM Neto não ganhou a eleição, mas a Fortuna o preservou para 2018.
E como Maquiavel explicaria o resultado das eleições na Bahia e a vitória de Rui Costa com mais de milhão de votos? São muitas as hipóteses, mas ele provavelmente diria que a oposição errou ao identificar um sentimento de mudança generalizado na população. Esse sentimento existia apenas na classe média ou em parte dela. E a prova disso era a aprovação do governo Wagner, em torno de 55%, o mesmo índice que elegeu o governador Rui Costa.
Havia efetivamente uma má avaliação generalizada em setores como saúde e segurança pública, mas em outros, como emprego, estradas ou mobilidade urbana, a avaliação era boa, ou muito boa. A violência, por exemplo, não gera tanta indignação entre as camadas mais pobres da população que já estão acostumadas com ela, essas pessoas dão muito mais importância ao emprego ou a programas de transferência de renda. Para completar, essa tese, que supunha a vontade generalizada de mudança, seria boa e poderia até vingar se fosse apresentada por um nome novo, como o próprio ACM Neto, mas não se coadunava com o candidato Paulo Souto, um homem sério e competente, mas que não representa o novo.
Outras razões podem explicar a derrota, como a vinculação, inclusive no número, entre a candidata à presidente e a governador, mas a melhor explicação para o resultado das eleições na Bahia é econômica e tem nome e sobrenome: Bolsa Família. Na Bahia, 1,8 milhão de pessoas recebem diretamente os benefícios do programa, mas, além deles, estão inscritas no cadastro mais 1,1 milhões de pessoas.
Isso significa, supondo uma família nuclear composta de três pessoas, que cerca de 5,5 milhões de baianos dependem direta ou indiretamente do Bolsa Família e mais 3,3 milhões estão na fila para receber o benefício.
Ou seja, quase 70% da população baiana tem ou pretende ter vínculo com o Bolsa Família. Em Salvador, 190 mil famílias recebem o beneficio e 170 mil estão inscritas para receber, o que significa que cerca de 1 milhão de soteropolitanos estão envolvidos, direta ou indiretamente, com o programa. Aliás, frente a esses números, o candidato Aécio Neves deveria estar gritando, sem rodeios, pela Bahia afora, e pelo Nordeste, que vai manter e ampliar o Bolsa Família, até porque esse é um bom programa.
Dei-me por satisfeito com a análise e já ia colocar o ponto final no artigo, quando, de repente, o velho Maquiavel materializou-se e, afirmando que faltava uma última constatação, disse com uma voz diabólica: “A vitória do governo na Bahia e em outros estados do Nordeste é a prova de que a região reage com atraso à vontade de mudança.
Em 2002, quando a onda mudancista colocou Lula no poder, a Bahia elegeu Paulo Souto, e o Nordeste inteiro permaneceu atrelado à antiga ordem. Agora pode ser dar o mesmo”. Pode ser, admiti – olhando assustado para o fantasma que já se dissipava –, mas isso quem vai decidir é o povo, após uma campanha sangrenta, e numa das eleições mais disputadas da história do Brasil.
Horário de Verão
“Mais luz”, disse Goethe, o grande poeta alemão, quando seus olhos foram condenados definitivamente à escuridão. Mais luz, diz a Bahia, às vésperas de novamente ficar de fora do horário de Verão que começa no próximo dia 19 de outubro.
Ficar de fora do novo horário vai reduzir o crescimento da economia baiana, que possui muito mais ligações econômicas e de toda ordem com os estados do Sul e Sudeste, que serão regidos por esse horário, do que com os estados do Nordeste, que continuarão com o horário de sempre. Além disso, o comércio será prejudicado, os bares e restaurantes perderão a oportunidade de ter mais uma hora de faturamento e o turismo vai perder competitividade em relação a outros estados.
Para completar haverá atraso nas negociações cambiais para o comércio exterior, incompatibilidade de horários dos voos do aeroporto de Salvador com os das outras capitais, problemas nos sistemas de comunicação e redução do horário de negociação de ações na bolsa de valores de São Paulo.
Se a economia sofre, a população também, pois ficará com uma hora a menos de expediente bancário, verá sua novela e seu jogo de futebol com uma hora de atraso e perderá a possibilidade de ter mais uma hora de lazer e socialização. E isso sem falar na economia de energia elétrica. Ficar de forra do horário de Verão significa menos emprego, menos turismo e menos diversão para a Bahia.
O Bolsa Família devia virar lei
O Bolsa Família é programa clássico de distribuição de renda, com origem nas teses liberais, e deveria ser institucionalizado para evitar seu uso político. O programa é bom porque não é intervencionista, pelo contrário, é capitalista em sua essência. A vantagem do Bolsa Família é que o governo, em vez de gastar dinheiro público, subsidiando o empresário através do BNDES ou mantendo a gasolina abaixo do preço, beneficiando quem tem automóvel, em vez de desperdiçar dinheiro com obras faraônicas ou com corrupção, coloca esses recursos diretamente na mão de quem precisa e vai gastar, dinamizando assim a economia.
O programa é capitalista, pois estimula o consumo, sem a intervenção do governo, que não pode dizer onde o beneficiado vai gastar. Cerca de R$ 3 bilhões do Bolsa Família vieram para a Bahia em 2013, e aproximadamente 300 milhões tiveram Salvador como destino. Em muitas cidades do interior é esse recurso, juntamente com os repasses da Previdência Social, que movimenta a economia, o comércio e os serviços. O Bolsa Família é fundamental para o Nordeste e deveria virar lei para não ser usado politicamente.
Fonte: Correio24h