Publicada em 10/10/2015
Por Ricardo Gondim
Depois de muita insistência, Nicolau Maquiavel aceitou despertar do sono.
Desde que morreu em 1527, concedeu-me sua primeira entrevista. Conversamos sobre os rumos da política brasileira. As observações merecem ser ouvidas pelos homens públicos – bem como por todos os que se sentem inquietos com o que acontece no país.
Ricardo Gondim: O Brasil atravessa uma gravíssima crise política e já se fala até em uma possível renúncia da Presidente. O Senhor não acha que faltam conteúdos mais sólidos para o exercício da política no Brasil?
Nicolau Maquiavel: Aqueles que se tornam príncipes [leia-se: presidentes] exclusivamente pela sorte [marketing] empregam nisso pouco trabalho, mas só a muito custo se mantêm na nova posição. Não encontram grandes dificuldades para alcançar seu objetivo, mas todas as dificuldades aparecem quando lá chegam. São os que recebem o poder ou em troca de dinheiro ou pela graça alheia… Assim se faziam aos imperadores que chegavam ao poder corrompendo suas tropas. Nestes casos há uma completa dependência da sorte [marketing] e da vontade dos que tornaram possível sua ascensão ao poder – ambas qualidades muito volúveis e instáveis. Essas pessoas não sabem e não podem manter-se no poder, porque, a não ser que tenham grande engenho e valor, não é razoável que saibam comandar, já que viveram sempre como cidadãos comuns.
RG: Há um clima de frustração pela presidente não ter conseguido fazer política com transparência, ética e integridade. O senhor consideraria que ela se mostrou incapaz de transformar o discurso em ações concretas?
Maquiavel: Que não cause espanto o fato de que, ao falar de novas conquistas, tanto com respeito ao príncipe como com relação ao Estado, tenha lançado mão de tantos exemplos: na verdade, os homens seguem quase sempre caminhos já percorridos por outrem, agindo por imitação.
RG: A presidente foi eleita com uma pequena maioria. Sua competência eleitoral não significou competência política, portanto…
Maquiavel: [Permita lhe interromper…] Aqueles que se tornam príncipes pelo seu valor conquistam domínios com dificuldade, mas os mantêm facilmente; a dificuldade se origina em parte nas inovações que são obrigados a introduzir para organizar seu governo com segurança. Vale lembrar que não há nada mais difícil de executar e perigoso de manejar (e de êxito mais duvidoso) do que a instituição de uma nova ordem de coisas. Quem toma tal iniciativa suscita a inimizade de todos os que são beneficiados pela ordem antiga, e é defendido tibiamente por todos os que seriam beneficiados pela nova ordem – falta de calor que se explica, em parte, pelo medo dos adversários, que têm as leis do seu lado, e em parte pela incredulidade dos homens.
RG: Parece que realmente a presidente teve grande dificuldade na organização política do seu governo. Qual a sua análise?
Maquiavel: Para examinar perfeitamente este ponto, faz-se necessário, portanto, verificar se os inovadores são independentes ou não; isto é: se para executar suas obras precisam pedir ajuda a outrem, ou se podem impor-se pela força. Na primeira hipótese [de pedir ajuda] sempre se dão mal e não chegam a parte alguma.
RG: O senhor está afirmando que a presidente foi tentada pedir ajuda a quem chegou ao poder sem respaldo de seu próprio partido e que isso é perigoso. Alguns chegam ao poder por atos criminosos, não é?
Maquiavel: [Para alguns,] sua ascensão ao poder não se deveu à mercê de qualquer pessoa, mas à escalada dos graus de milícia, no meio de mil dificuldades e perigos, e se manteve no poder, depois disso, mediante muitos expedientes animosos e arriscados. Não se pode, contudo, achar meritório o assassínio dos seus compatriotas, a traição dos amigos, a conduta sem fé, piedade e religião; são métodos que podem conduzir ao poder, mas não à glória.
RG: O povo elegeu já um operário logo após o governo de um intelectual. O intelectual terminou seu mandato, apesar de graves denúncias de corrupção e favorecimento nas privatizações. Sua sucessora corre o risco de não apertar a mão do sucessor. O que aconteceu?
Maquiavel: O governo é instituído pelo povo ou pela aristocracia, conforme haja oportunidade para uma ou para a outra. Quando os ricos percebem que não podem resistir à pressão da massa, unem-se, prestigiando um dos seus e fazendo-o príncipe, de modo a poder perseguir seus propósitos à sombra da autoridade soberana. O povo, por outro lado, quando não pode resistir aos ricos, procura exaltar e criar um príncipe, dentre os seus que o proteja com sua autoridade. Quem chega ao poder com a ajuda dos ricos tem maior dificuldade em manter-se no governo do que quem é apoiado pelo povo, pois está rodeado de indivíduos que a ele se igualam. Mas quem chega ao poder levado pelo favor popular, nele está só; a desobediência é irrelevante. Além disso, é impossível satisfazer a nobreza, através da conduta justa sem causar prejuízo aos outros, mas é muito mais fácil satisfazer assim as massas. De fato, o povo tem objetivos mais honestos do que a nobreza; esta quer oprimir, enquanto o povo deseja apenas evitar a opressão.
RG: A presidente fez opções contrárias a seu discurso de campanha e aliou-se a segmentos muito reacionários da política brasileira. Quais consequências disso? O que ela deve esperar?
Maquiavel: A pior coisa que o príncipe pode esperar de um povo hostil é ser abandonado, mas da hostilidade dos nobres deve esperar não só a deserção, mas oposição ativa; como eles têm maior alcance e são mais astutos, agem sempre oportunamente para salvar-se, e em qualquer disputa ficam do lado de quem presumem seja o vencedor.
RG: Nessa crise monumental que o Brasil passa, há partidos visceralmente ligados a grupos religiosos (investigados pela justiça como participantes dos esquemas de corrupção). Como o senhor vê esse envolvimento de religião e política?
Maquiavel: Como tais [igrejas] respondem a razões superiores, que a mente humana não tem acesso, não discorrerei sobre eles, sendo mantidos e abençoados (?) por Deus, só um tolo, ou um presunçoso, os discutiria… [contudo,] precisam ser vigiados com cuidado especial.
RG: Fala-se que a presidente foi blindada, mas muitos dos seus ministros são suspeitos de cumprirem a agenda de grupos reacionários, como representantes de uma oligarquia atrasada e interesseira. É possível que a presidente seja ingênua?
Maquiavel: A Escolha dos ministros por parte de um príncipe, não é coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e de manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre fazer dele mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher seus assessores.
RG: Muito obrigado.
Maquiavel: [Seja Feliz] .
(Todas as respostas de Maquiavel foram extraídas, "ipsis litteris",- com exceção dos colchetes-, de sua obra O Príncipe.)
Soli Deo Gloria
Depois de muita insistência, Nicolau Maquiavel aceitou despertar do sono.
Desde que morreu em 1527, concedeu-me sua primeira entrevista. Conversamos sobre os rumos da política brasileira. As observações merecem ser ouvidas pelos homens públicos – bem como por todos os que se sentem inquietos com o que acontece no país.
Ricardo Gondim: O Brasil atravessa uma gravíssima crise política e já se fala até em uma possível renúncia da Presidente. O Senhor não acha que faltam conteúdos mais sólidos para o exercício da política no Brasil?
Nicolau Maquiavel: Aqueles que se tornam príncipes [leia-se: presidentes] exclusivamente pela sorte [marketing] empregam nisso pouco trabalho, mas só a muito custo se mantêm na nova posição. Não encontram grandes dificuldades para alcançar seu objetivo, mas todas as dificuldades aparecem quando lá chegam. São os que recebem o poder ou em troca de dinheiro ou pela graça alheia… Assim se faziam aos imperadores que chegavam ao poder corrompendo suas tropas. Nestes casos há uma completa dependência da sorte [marketing] e da vontade dos que tornaram possível sua ascensão ao poder – ambas qualidades muito volúveis e instáveis. Essas pessoas não sabem e não podem manter-se no poder, porque, a não ser que tenham grande engenho e valor, não é razoável que saibam comandar, já que viveram sempre como cidadãos comuns.
RG: Há um clima de frustração pela presidente não ter conseguido fazer política com transparência, ética e integridade. O senhor consideraria que ela se mostrou incapaz de transformar o discurso em ações concretas?
Maquiavel: Que não cause espanto o fato de que, ao falar de novas conquistas, tanto com respeito ao príncipe como com relação ao Estado, tenha lançado mão de tantos exemplos: na verdade, os homens seguem quase sempre caminhos já percorridos por outrem, agindo por imitação.
RG: A presidente foi eleita com uma pequena maioria. Sua competência eleitoral não significou competência política, portanto…
Maquiavel: [Permita lhe interromper…] Aqueles que se tornam príncipes pelo seu valor conquistam domínios com dificuldade, mas os mantêm facilmente; a dificuldade se origina em parte nas inovações que são obrigados a introduzir para organizar seu governo com segurança. Vale lembrar que não há nada mais difícil de executar e perigoso de manejar (e de êxito mais duvidoso) do que a instituição de uma nova ordem de coisas. Quem toma tal iniciativa suscita a inimizade de todos os que são beneficiados pela ordem antiga, e é defendido tibiamente por todos os que seriam beneficiados pela nova ordem – falta de calor que se explica, em parte, pelo medo dos adversários, que têm as leis do seu lado, e em parte pela incredulidade dos homens.
RG: Parece que realmente a presidente teve grande dificuldade na organização política do seu governo. Qual a sua análise?
Maquiavel: Para examinar perfeitamente este ponto, faz-se necessário, portanto, verificar se os inovadores são independentes ou não; isto é: se para executar suas obras precisam pedir ajuda a outrem, ou se podem impor-se pela força. Na primeira hipótese [de pedir ajuda] sempre se dão mal e não chegam a parte alguma.
RG: O senhor está afirmando que a presidente foi tentada pedir ajuda a quem chegou ao poder sem respaldo de seu próprio partido e que isso é perigoso. Alguns chegam ao poder por atos criminosos, não é?
Maquiavel: [Para alguns,] sua ascensão ao poder não se deveu à mercê de qualquer pessoa, mas à escalada dos graus de milícia, no meio de mil dificuldades e perigos, e se manteve no poder, depois disso, mediante muitos expedientes animosos e arriscados. Não se pode, contudo, achar meritório o assassínio dos seus compatriotas, a traição dos amigos, a conduta sem fé, piedade e religião; são métodos que podem conduzir ao poder, mas não à glória.
RG: O povo elegeu já um operário logo após o governo de um intelectual. O intelectual terminou seu mandato, apesar de graves denúncias de corrupção e favorecimento nas privatizações. Sua sucessora corre o risco de não apertar a mão do sucessor. O que aconteceu?
Maquiavel: O governo é instituído pelo povo ou pela aristocracia, conforme haja oportunidade para uma ou para a outra. Quando os ricos percebem que não podem resistir à pressão da massa, unem-se, prestigiando um dos seus e fazendo-o príncipe, de modo a poder perseguir seus propósitos à sombra da autoridade soberana. O povo, por outro lado, quando não pode resistir aos ricos, procura exaltar e criar um príncipe, dentre os seus que o proteja com sua autoridade. Quem chega ao poder com a ajuda dos ricos tem maior dificuldade em manter-se no governo do que quem é apoiado pelo povo, pois está rodeado de indivíduos que a ele se igualam. Mas quem chega ao poder levado pelo favor popular, nele está só; a desobediência é irrelevante. Além disso, é impossível satisfazer a nobreza, através da conduta justa sem causar prejuízo aos outros, mas é muito mais fácil satisfazer assim as massas. De fato, o povo tem objetivos mais honestos do que a nobreza; esta quer oprimir, enquanto o povo deseja apenas evitar a opressão.
RG: A presidente fez opções contrárias a seu discurso de campanha e aliou-se a segmentos muito reacionários da política brasileira. Quais consequências disso? O que ela deve esperar?
Maquiavel: A pior coisa que o príncipe pode esperar de um povo hostil é ser abandonado, mas da hostilidade dos nobres deve esperar não só a deserção, mas oposição ativa; como eles têm maior alcance e são mais astutos, agem sempre oportunamente para salvar-se, e em qualquer disputa ficam do lado de quem presumem seja o vencedor.
RG: Nessa crise monumental que o Brasil passa, há partidos visceralmente ligados a grupos religiosos (investigados pela justiça como participantes dos esquemas de corrupção). Como o senhor vê esse envolvimento de religião e política?
Maquiavel: Como tais [igrejas] respondem a razões superiores, que a mente humana não tem acesso, não discorrerei sobre eles, sendo mantidos e abençoados (?) por Deus, só um tolo, ou um presunçoso, os discutiria… [contudo,] precisam ser vigiados com cuidado especial.
RG: Fala-se que a presidente foi blindada, mas muitos dos seus ministros são suspeitos de cumprirem a agenda de grupos reacionários, como representantes de uma oligarquia atrasada e interesseira. É possível que a presidente seja ingênua?
Maquiavel: A Escolha dos ministros por parte de um príncipe, não é coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e de manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre fazer dele mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher seus assessores.
RG: Muito obrigado.
Maquiavel: [Seja Feliz] .
(Todas as respostas de Maquiavel foram extraídas, "ipsis litteris",- com exceção dos colchetes-, de sua obra O Príncipe.)
Soli Deo Gloria
Fonte: Ogirassol