sábado, 10 de julho de 2010

Maquiavelismos…

Hoje vou ocupar este espaço com Nicolau Maquiavel – e as suas regras gerais da arte da guerra – na medida em que me parece importante que as pessoas se consciencializem que os problemas que hoje discutimos no nosso dia-a-dia, que as dificuldades e as particularidades do quotidiano das sociedades modernas, não são propriamente uma novidade.

Nicolau Maquiavel ficou conhecido pela forma peculiar como aconselhou alguns políticos, monarcas e dirigentes de Estado, pelo que advogava, pela conflitualidade à qual nunca virava costas e pela forma peculiar como recomendava que as pessoas se preparassem antecipadamente para esses desafios, dizendo o que deviam fazer e tentando adivinhar, por antecipação, as reacções dos adversários e mesmo dos inimigos. São algumas dessas regras importantes de Maquiavel que resolvo hoje partilhar com as pessoas que se digna a dispensar algum tempo para me lerem, na esperança que encontrem alguma utilidade neste legado de Nicolau Maquiavel:

“Estou consciente de vos ter falado de muitas coisas que por vós mesmos haveis podido aprender e ponderar. Não obstante, fi-lo, como ainda hoje vos disse, para melhor vos poder mostrar, através delas, os aspectos formais desta matéria, e, ainda, para satisfazer aqueles - se fosse esse o caso - que não tivessem tido, como vós, a oportunidade de sobre elas tomar conhecimento. Parece-me que, agora, já só me resta falar-vos de algumas regras gerais, com as quais deveis estar perfeitamente identificados. São as seguintes:

- Tudo o que é útil ao inimigo é prejudicial para ti, e, tudo o que te é útil prejudica o inimigo;
- Aquele que, na guerra, for mais vigilante a observar as intenções do inimigo e mais empenho puser na preparação do seu exército, menos perigos correrá e mais poderá aspirar à vitória;
- Nunca leves os teus soldados para o campo de batalha sem, previamente, estares seguro do seu ânimo e sem teres a certeza de que não têm medo e estão disciplinados e convictos de que vão vencer;
- É preferível vencer o inimigo pela fome do que pelas armas. A vitória pelas armas depende muito mais da fortuna do que da virtude;
- Nenhuma decisão é melhor do que aquela que permanece em segredo até ao momento da sua execução;
- Nada há de maior utilidade na guerra do que saber reconhecer uma oportunidade e não a deixar fugir;
- A natureza produz poucos homens valentes; em contrapartida, a astúcia e o treino fornecem bastantes;
- Na guerra, a disciplina vale bem mais do que a exaltação;
- Quando do exército inimigo saem homens para vir para o teu serviço, se forem fiéis tratar-se-á sempre de uma boa aquisição, porque as forças do adversário enfraquecem muito mais com a perda dos que desertam do que com a dos que morrem, ainda que a designação de desertor seja suspeita para os novos amigos e odiosa para os antigos;
- Na organização para uma batalha, é preferível constituir, atrás da primeira frente, uma reserva, que possa prestar auxílio, do que, para tornar a frente maior, dispersar as suas tropas;
- Dificilmente é derrotado todo aquele que consegue avaliar correctamente as suas forças e as do inimigo;
- Vale mais a virtude dos soldados do que o seu número; algumas vezes, porém, o valor da posição ocupada supera a virtude dos combatentes;
- As coisas inesperadas e repentinas perturbam os exércitos; as coisas habituais e graduais impressionam muito menos; por conseguinte, antes de travar batalha com um inimigo desconhecido, farás o teu exército habituar-se a ele através de pequenas escaramuças;
- Perseguir desordenadamente um inimigo já derrotado é correr o risco de passar de vencedor a vencido;
- Aquele que não prepara devidamente os abastecimentos necessários à vida do exército é derrotado sem o recurso às armas;
- Quem confia mais na cavalaria do que na infantaria, ou mais na infantaria do que na cavalaria, que saiba escolher o terreno em conformidade;
- Quando, durante o dia, quiseres verificar se algum espião se introduziu no acampamento, faz com que cada soldado recolha ao seu alojamento;
- Muda o plano de operações quando te aperceberes de que o inimigo foi capaz de o prever;
- Antes de tomares uma decisão, aconselha-te com muitos; quando souberes o que vais fazer, partilha a decisão com poucos;
- Quando estão aquartelados, os soldados dominam-se com o temor e as punições; depois, quando se conduzem ao combate, com a esperança e as recompensas;
- Os grandes capitães nunca vão para uma batalha senão quando a isso são constrangidos ou quando a oportunidade o impõe;
- Esforça-te para que os teus inimigos não saibam como vais organizar o teu exército para o combate. Seja qual for essa organização, faz com que as primeiras linhas possam ser recolhidas pelas segundas e pelas terceiras;
- Se não queres criar confusão, não atribuas a uma batalha, durante o combate, uma missão diferente daquela que inicialmente lhe estava atribuída;
- Enquanto os incidentes imprevistos com dificuldade se remedeiam, os esperados com facilidade se resolvem;
- Os homens, o ferro, o dinheiro e o pão constituem o nervo da guerra, mas, destes quatro, os dois primeiros são os mais necessários, porque os homens e o ferro, juntos, encontram o dinheiro e o pão, mas dinheiro e pão, somados, não encontram os homens e o ferro;
- Um rico desarmado é o prémio do soldado pobre;
- Acostumai os vossos soldados a desprezar o viver delicado e o vestir luxuoso.

Decididamente não nos deixemos influenciar por manipulações, não nos iludamos quanto ao que pensam, querem e ambicionam certas pessoas. Transpondo para a política, parece-me óbvio que as cautelas, no que à opinião pública diz respeito, são por demais evidentes e necessárias. As pessoas nos tempos que correm não têm desculpas, não podem ser enganadas, não podem ser confundidas e aceitar isso com naturalidade, não podem acreditar no primeiro vendedor de banha-da-cobra que lhes aparece pela frente, não se podem deixar iludir pelos discursos inflamadamente reivindicativos e facilitistas próprios de quem não tem, não teve e provavelmente nunca terá, responsabilidades de liderança e de governação. É fácil exigir, é fácil propor medidas idiotas e demagógicas, escudando-se numa falsa “pena” das pessoas que podem ser ajudadas de muitas formas, uma das quais através de circuitos de pressão e de diálogo (quando existem) entre correligionários partidários. Maquiavel escrevia na sua obra mas conhecida, “O Príncipe” – que acredito adaptar-se bem ao finalizar do meu texto de hoje - que existiam duas formas de se combater: “uma, pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. Como, porém, muitas vezes a primeira não seja suficiente, é preciso recorrer à segunda. Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem. Isto foi ensinado à socapa aos príncipes, pelos antigos escritores, que relatam o que aconteceu com Aquiles e outros príncipes antigos (…) Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos”.

Fonte:Jornal da Madeira

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