Nicolau Maquiavel e Jesus Cristo são personagens diferentes de séculos diferentes. Maquiavel do século 16. Jesus rachou a história e atravessa milênios. Maquiavel escreveu “O Príncipe” em torno de 1513. Jesus nada escreveu. Ambos são célebres em matéria de ética, mas com filosofias frontalmente opostas. Maquiavel coloca seu livro a serviço do poder abusivo dos Príncipes. Jesus insurge-se contra os tiranos e os poderosos. Mas o impressionante é que ambos são atualíssimos quando nosso assunto é política.
Maquiavel ensina como conquistar e manter o poder. Para ele, todos os meios são legítimos. Ele dita normas com astúcia. Com linguagem direta e sedutora, aponta truques políticos e métodos inescrupulosos que permitem anular adversários e subjugar o povo. E aconselha suprimir a liberdade dos cidadãos, para não perder o poder.
Jesus, o chamado Cristo, tratava seus interlocutores como pessoas inteligentes e livres, como espécie racional situada acima da escala das coisas. Por isso, espantava-se quando o ser humano capitulava e abdicava de sua dignidade e liberdade. Ele não se conformava ao ver que as pessoas entregavam o potencial de suas vidas e de seus direitos aos que exercem o poder.
Maquiavel ensina como dominar o povo, enganando-o. E como imobilizá-lo, destruindo-lhe a liberdade. Jesus incitava a mobilização voluntária contra a dominação e uma de suas muitas contribuições foi mostrar que a pessoa humana enterra sua dignidade e liberdade para consolidar desastres.
Em Jesus, o poder só tinha sentido se fosse dado por Deus. Por sua importância, foi um homem livre, indeterminado, simples e incorruptível. Como peregrino tornou-se cidadão errante e transitivo. Não permaneceu atado a um ponto fixo. Não se prendeu em essências e fez amizade com cobradores, publicanos, prostitutas e mendigos, coisa que Maquiavel não aconselharia ao seu Príncipe.
Liberdade para Jesus Cristo não se referia apenas ao deslocamento espacial e geográfico. Era mais que isso, era um sair de si que implica sair de um estilo de vida. É refutar situações históricas e superar condições sociais. É mudar de mentalidade. É passar da ingenuidade à criticidade, do conformismo à participação.
Para Maquiavel, liberdade é um ato perigoso. Ele diz que o Príncipe deve emergir sobre a servidão que humilha e usar o poder que dobra. Ensinando o primeiro passo na série de vários passos, que devem dar numa caminhada incessantemente violenta e paranoica.
Segundo Maquiavel, a liberdade do povo deve ser controlada de acordo com as conveniências do Príncipe. Para Jesus, ela é adquirida pelo conhecimento de si que está camuflado. Uma vez descoberta, mostra o que existe e o que não existe. Desvela o que está velado, desmudece o que está calado, descativa o que está preso. No sistema de Maquiavel é frequente limitar e aniquilar, ao passo que, em Jesus, a liberdade é um projeto infinito. Mas, como os surdos reconhecem que os cegos estão errados em julgar as cores, mantendo-se firmes na opinião de que cabe apenas aos surdos julgar a música, nossos políticos ainda aplicam Maquiavel se dizendo cristãos.
Padre Durval Baranowske
autor de “O QUE DIZEM OS SANTOS”
Fonte:Correiodeuberlandia