sexta-feira, 5 de abril de 2013

O ‘Príncipe’ 500 anos depois e Maquiavel ainda hoje



Foi no final do Outono de 1513, portanto há 500 anos, que um homem de nome Nicolau Maquiavel, confinado, por razões políticas, ao espaço limitado da sua quinta em Sant'Andrea, publicou um pequeno livro intitulado ‘O Príncipe’, que viria a transformar-se num clássico absoluto da filosofia política.

Diz-se que uma das preocupações de Maquiavel era fazer chegar um exemplar autografado do livro a Erasmo de Roterdão, que se encontrava doente e mesmo no final da vida. Tanto quanto se sabe, o livro não che-gou a tempo às mãos do grande humanista que sonhava com uma Europa unida, sem guerra e sem querelas religiosas que a poderiam levar a um irreversível colapso.

Maquiavel representava o pensamento pragmático e instrumental de quem usa com destreza e engenho os instrumentos que perpetuam o exercício do poder. Erasmo tinha uma visão mais utópica, embora, conhecendo como conhecia a Antiguidade greco-latina, soubesse que o pensamento de um homem como Maquiavel, que desconhecia como teórico e quadro político, já muitas vezes fora antes posto em prática, embora de forma não sistematizada em tratado de ciência política.

O que verdadeiramente contava e conta no pensamento de Maquiavel é o êxito dos resultados na hora de se avaliar o cumprimento dos objectivos, ainda que isso leve os fins a legitimarem todos os meios. Erasmo pensava de modo diferente.

Ao longo dos séculos que entretanto passaram, o autor deste texto de cerca de 30 mil palavras, também autor de uma peça de teatro intitulada ‘A Mandrágora’ e de outros livros, foi visto como uma personificação do mal e deu mesmo origem a um adjectivo que muito penaliza quem com ele é presenteado. Defendia Maquiavel que, em política, é preferível ser temido a ser amado, e essa passou a ser a perspectiva dos detentores do poder absoluto, dos autocratas e dos ditadores, de Salazar e Franco a Adolf Hitler. Também Napoleão Bonaparte foi grande admirador de Maquiavel, tendo mesmo publicado uma edição anotada de ‘O Príncipe’.

Altos dignitários da Igreja chegaram a escrever que o livro de Nicolau Maquiavel fora escrito pela mão de Satanás. E porquê? Porque o conceito de moralidade está ausente do pensamento do teórico florentino, para quem era claro que um homem esquece mais depressa a morte do pai do que a perda do património. Nesse sentido, ‘O Príncipe’ é um tratado sobre o cinismo e o pragmatismo da política.

É interessante constatar que esta efeméride passou praticamente despercebida, designadamente na Itália onde Maquiavel nasceu e onde a vida política se transformou num imenso circo onde pontificam palhaços, comediantes de feira e outras figuras que tornam aberrante o jogo democrático, sobretudo se o deixam refém de populismos, demagogias e absolutas faltas de respeito pelo interesse colectivo.

Por outro lado, poderá dizer-se que a Europa da União, no difícil equilíbrio entre países ricos e pobres, poderosos e fracos, representa cada vez a concretização prática do pensamento de Maquiavel e não de Erasmo, porque permite que, sem escrúpulos ou reservas morais, se condenem à marginalização e ao empobrecimento aqueles que não cabem nos conceitos de solidariedade e entreajuda que cada vez menos valor e significado têm entre Estados que cobiçam e condicionam a soberania dos outros.

Se Maquiavel ainda fizesse parte do número dos vivos não teria dificuldade em ser festejado, celebrado e contratado como consultor e assessor, embora tudo me leve a crer que nunca chegaria tão longe como os aberrantes teóricos do ultraliberalismo. Ele tinha outra dimensão e grandeza.

Entretanto, proliferam os políticos transformados em comentadores televisivos que ainda não perceberam que, em regra, Maquiavel nunca consegue tornar-se Príncipe, mesmo que todas as semanas entre nas nossas casas, anos a fio.

A verdade é que Nicolau Maquiavel escreveu noutra época e com base noutros conceitos, regras e visões do poder. Mas o que continua a ter de mais actual e interessante é a forma como sintetizou aquilo que mais profundamente caracteriza a natureza humana quando é poder, a sua conquista e manutenção que estão em causa.

Nenhum comentário: