Gilberto Gomes Pereira
Quando alguém pronuncia o nome de Nicolau Maquiavel, já o faz com uma certa convicção de que está falando de um pequeno demônio florentino que contribuiu para as ações maléficas de tantos governantes pelo mundo afora. Quem ouve ou lê tal nome - não necessita sequer de ter lido qualquer obra dele - imagina crueldades e iníquas tramas políticas proferidas por esse diabólico ser, e do íntimo de suas pureza e intransigência morais condena Maquiavel aos pélagos profundos do inferno. Tudo em nome da expressão, conhecida por todos, "Maquiavélico".
Niccolò, como gostava de ser chamado, foi um apaixonado defensor da unificação da Itália. Tudo que escrevia era uma inspiração de sua vontade de ver o povo italiano bem conduzido, sem ser humilhado, ou espoliado. Suas aspirações eram o bem comum, sem a exploração de uma minoria sobre o povo simples, que sempre trabalhou e nunca reclamou, para manter aquecidos a economia e o palácio real de seu príncipe. Nessa busca de glória, Maquiavel pregava o amor à pátria, acima de tudo. O amor à pátria, mais do que à própria alma.
Maquiavel no Inferno, é o título da biografia desse pensador italiano, escrita por Sebastian de Grazia. Nela, de Grazia diz que "numa de suas últimas cartas Niccolò exclama a seu velho amigo Vettori: 'amo mais à minha pátria do que à alma' ". O biógrafo então explica que esse amor incondicional significa "uma disposição de sofrer qualquer coisa pela pátria - humilhação, tortura, maus-tratos, desonra, exílio". Significa "uma disposição de mentir, lesar e matar, fazer o mal pela pátria, com isso perdendo a própria alma". Isso significa "morrer pela pátria e - se necessário - ser condenado ao inferno por causa dela".
Algum tempo atrás eu pensei em escrever para o Integração um texto intitulado A democracia maquiavélica de Fernando Henrique, com a intenção de falar das mazelas da política social e da ditadura econômica do governo FHC. Hoje vejo que se "maquiavélico" for uma expressão atribuída ao pensamento político de Maquiavel, Fernando Henrique não é maquiavélico, pois ao invés de humilhar-se pela pátria, ele a humilha. Ao invés de manter-se numa possibilidade de ser torturado em favor da pátria, ele mantém o monopólio legítimo da força e da violência pronto a torturar a pátria, as crianças desta, e tudo mais que lhe convir. Ao invés de se prontificar a maus-tratos pela pátria, ele maltrata o povo com palavras vexatórias e ações mais humilhantes ainda. Ao contrário de matar pela pátria, o governo de Fernando Henrique mata a pátria. Ao revés de fazer o mal pela pátria, ele faz mal ao Brasil. Ao invés de estar determinado a morrer pela pátria, é o país que morre de fome, de assassinato por policiais, de desespero por não haver emprego, por causa de seu descaso com a política social. E por fim, ao contrário de ser condenado ao inferno por causa da pátria, é o povo que deve condená-lo a esse mesmo inferno por causa de sua indiferença e da falta de sensibilidade de seu governo para com os problemas sociais do país que dirige. Nesse caso, FHC e Maquiavel estão em extremos opostos.
Condenado ao inferno, Fernando Henrique não pode se encontrar com Maquiavel, que já está lá desde 1527. As convicções políticas de ambos são antagônicas, pois para o florentino "o povo é a razão de ser do Estado, e é para seu bem comum que existe o Estado. Qualquer Estado que não o beneficie é um mau Estado". Para o brasileiro, o povo talvez não passe de um espectro, deve trabalhar em função do Estado, e não o contrário, e qualquer um, do povo, que não passe mais de 40 anos de sua vida trabalhando pelo menos dez horas por dia, todo dia, é um vagabundo. Por isso peço a Deus que tire Niccolò de lá e o leve para o Céu. Se isso não for possível, que Deus em sua bondade infinita, conhecendo como ninguém a conduta de Satanás, convença-o de manter em setores separados o florentino e o brasileiro. Seria uma iniquidade infinitamente atroz. O inferno com Fernando Henrique pode não ser uma boa idéia para o príncipe das trevas, e Maquiavel, que não renegou o que escreveu, não merece compartilhar suas eternas noites infernais com um homem da estirpe do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Gilberto Gomes Pereira é estudante do 3o. ano de jornalismo da UFG.
2 comentários:
Ótimo texto!
Gostei do texto, que bem retrata FHC e Maquiavel, o Bom. Até a foto de FHC, o Mau foi postada sob medida, com uma mosca pousada na testa do indigitado Principe dos Sociologos, ela supõe que ele morreu ou está agourando? Seja como for, ela tem meu apoio.
Postar um comentário