sábado, 19 de dezembro de 2009

Maquiavel, O Homem Que Viu O Real

Logo no começo de sua pequena dissertação, a comentadora, Maria Tereza Sadek, disserta sobre a má-fama que ganhou o nome de Maquiavel. Maquiavélico tornou-se adjetivo pejorativo que imputa o mal àquele que recebe esta alcunha. E como bem diz a autora, tal nome não frequenta apenas as conversas do erudito, mas também a fala cotidiana.
E como disse o célebre autor florentino, o vulgo se impressiona com as aparências. O homem comum desconhece o cerne do pensamento de Maquiavel, e assim lhe imputa uma fama de mau, imoral e toda sorte de coisas ruins.

Neste ínterim, o que é amplamente desconhecido é o contexto histórico em que viveu e a própria vida pessoal do autor. Fatos necessários para se entender um pensamento tão singular e revolucionário para época. Nicolau Maquiavel nasceu em 1469 e morreu em 1527. Viveu numa Itália ainda dividida em várias Cidades-Estado, longe ainda da unificação que conhecemos hoje.
Essa divisão em Cidades-Estado acabava sempre em guerras e todo tipo de conflitos internos. As frequentes disputas pelo poder levavam à insegurança e à fraqueza destas cidades. Maquiavel, com sua experiência de homem público, via nessa fragmentação do que hoje é o Estado italiano, o motivo de sua fraqueza. Além das contendas internas, a Itália ainda sofria com as invasões de países vizinhos como França e Espanha.

Junto a isso, com o advento dos Médici, Maquiavel perdeu seu cargo público e sofreu diversas sanções. Anseava pelo retorno às suas atividades, por isso, “A necessidade é a mãe das invenções ”, escreve sobre como conquistar, exercer e manter o poder em sua obra prima, O Príncipe. Dedica o seu opúsculo a Lourenço de Médici, na intenção de retornar às funções que certamente muito estimava.
Contudo, sua intenção não resultou naquilo que almejava. Os Médici o consideravam um republicano, portanto uma ameaça à estabilidade do principado. Maquiavel termina seus dias de maneira modesta e desgostoso com sua fortuna. Diferente dos incisivos conselhos que dava ao príncipe, em sua vida pessoal o autor não logrou o êxito que legou aos políticos que o sucederam.
Dado todo este contexto histórico e sua biografia, é possível tentar fazer alguma interpretação do pensamento de Maquiavel. De antemão já pode ser dito que uma interpretação moral dos escritos maquiavélicos estará sempre sujeita ao erro e à parcialidade.

Como homem público preocupado com a estabilidade de seu Estado e com sua própria sorte, o que se poderia esperar de Maquiavel? Ora, a necessidade e a observação atenta da realidade fez com que ele produzisse aquilo que produziu. Não é possível querer creditar maldade àquele que enxergou os fatos distante de julgamentos relacionados com a moral dominante. A verdade efetiva das coisas; esta é a questão de Maquiavel.
Não o Estado como pensara seus antecessores, de maneira idealizada, mas o Estado em que ele viveu e trabalhou. Podemos dizer que Maquiavel olhou para realidade sem fazer dela juízos de valor e apenas relatou o que viu.

Com este viés, o da verdade efetiva das coisas, o pensador florentino debruçado sobre a leitura dos clássicos da Antiguidade greco-romana e uma percepção arguta da natureza humana, digna de um raro psicólogo, expõem suas ideias sobre como bem conduzir um Estado.
Por deixar de lado o Estado ideal e aconselhar o príncipe a usar todas as maneiras possíveis e então usuais num contexto absolutista, Maquiavel despreza alguns preceitos da moral então vigente e não deixa de expor os meandros pouco escrupulosos utilizados no exercício do poder.
Para Maquiavel, os homens são maus, egoístas e inescrupulosos. Há uma parte que quer dominar e outra que não quer se submeter a esse domínio, desses fatores surgem a instabilidade dos Estados. O príncipe deve ser um homem de virtú, dominar com mão de ferro seus súditos e fazer o que for necessário, desprovendo-se de qualquer avaliação moral, para manter a estabilidade do Estado e para perpetuar-se no poder. Se for necessário ser mau, assim o príncipe deve agir, pois segundo o autor, o homem que é bom em todas as circunstâncias será inevitavelmente levado à ruína.

Contudo, o príncipe deve aparentar ser bom, cumpridor de suas promessas e, principalmente, religioso. Daí decorre a avaliação negativa de sua obra.
Discordamos também da interpretação de Rousseau. Este diz que Maquiavel fingindo dar lições ao príncipe deu lições preciosas ao povo. Para um homem que acreditava que o homem era bom por natureza não seria difícil chegar a esta conclusão. Maquiavel, ao contrário, não se mostra afeito ao povo. Este mostra-se mais preocupado com a sua própria condição do que com qualquer outra coisa. Como ele mesmo escreveu, os homens são maus e egoístas. Certamente não se excluía da análise que fazia da natureza humana.

Entender Maquiavel é fundamental para se compreender a política de seu tempo, de períodos anteriores e de tempos posteriores. Muito, mas muito mesmo do que se pratica hoje em política pode ser entendido com a leitura do Príncipe. A política possui uma lógica própria, não está atrelada a nenhum tipo de moral, mas sim a atingir os seus fins que são a conquista, o exercício e a manutenção do poder. Foi isso que observou nosso grande autor.
Partindo destes pontos e da observação objetiva da realidade, é possível entender Maquiavel não como um homem que contribuiu para a degradação da política, mas para sua real compreensão. Em suma, o livro O Príncipe é um manual para ação, para benefício e prevenção daquele que governa. Quem o lê é que decide se agirá da forma como ele prescreve ou se apenas, ao contrário, fará da leitura um aprendizado para melhoria das coisas do Estado.

Por
Márcio Ribeiro de Campos - estudante de direito

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