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Com a presença de Lygia Fagundes Telles, João Moreira Salles, Lilia Moritz Schwarcz, Eduardo Gianetti da Fonseca e Matinas Suzuki Jr., as editoras lançaram "O príncipe", de Maquiavel, "Pelos olhos de Maisie", de Henry James, "Essencial Joaquim Nabuco" e "O Brasil Holandês" (organizado por Evaldo Cabral de Mello).
Autor do prefácio de Il principe, o "príncipe dos sociólogos" lustra a modéstia, segurando uma taça, perto de entrar no auditório para uma conferência sobre Nicolau Maquiavel (1469-1527): "Não sei o que vou falar. Já está tudo aqui". Rosto lavado, aprumado num terno cinza, FHC ouve o editor Luiz Schwarcz chamá-lo de "um clássico":
- ...O presidente que, em si, já é um clássico da sociologia brasileira...
Na hora do solilóquio, o líder do PSDB sobe as escadinhas do palco e comprime o ego:
- Não sou clássico coisa nenhuma!
Depois de Casa Grande & Senzala, ele marcha no agosto literário com a República de Florença & Machiavelli. Dispõe-se a não chatear a plateia.
- Outro dia, Gilberto Freyre deu mais trabalho que Maquiavel.
No início da aula sobre o clássico decifrador dos ardis da política, FHC se refugia na cautela dos sociólogos, mas faz sobrevoos sobre o Brasil num tom provocante, mesmo quando não deseja metaforizar uma república sul-americana bem distante - tempo e espaço - das tramas violentas de César Bórgia.
- É difícil dizer uma coisa que ninguém tenha dito sobre Maquiavel. Aliás, uma das características das obras clássicas é que todo mundo fala sobre elas, o que gera muito desacordo... Não é só com Maquiavel que acontece isso. Leio toda hora coisas a meu respeito que eu nunca pensei.
A princípio, recupera a história italiana, as circunstâncias da escrita de "O príncipe", que foi dedicado ao neto de Lourenço de Médici, o Magnífico.
- Ele (Anthony Grafton, autor da introdução) mostra que é uma obra que revela uma mudança de momento na história da Itália... A Itália levou o tempo inteiro se organizando e até hoje não conseguiu se organizar... - Pausa para os risos. - Não podemos falar, nós temos também nossos pecadilhos!
No prefácio do livro, FHC se aprofunda nas origens do maquiavelismo: "Como seus antecessores intelectuais, (Maquiavel) partiu do que é inerente ao ser humano. Não viu na natureza humana, entretanto, a vocação para o exercício do bem, senão que notou impulsos com motivações egoísticas. O interesse próprio, a ambição, a inveja, a vontade de domínio, motivam a ação dos homens...".
Dando apenas um gole d'água no parlatório, o conferencista complementa a originalidade do pensador italiano:
- Cada cidade da Itália tinha um sistema de governo diferente. Maquiavel viu tudo isso. O que ele talvez não tenha percebido é o fato de que as cidades italianas estavam desenvolvendo o capitalismo... Maquiavel não estava interessado em olhar a economia, mas estava interessado em como se exerce e mantém o poder. Aí ele inovou.
O ex-chanceler Machiavelli, acrescenta FHC, "rompe com os cânones de encarar a política". E prossegue: "Muita gente diz que ele entendeu o Estado, o que é um exagero. Mas a forma de governar, sim." Liberto dos fundamentos históricos, inicialmente jorrados nos alunos, o ex-presidente flutua em terreno mais amistoso: a inveja, a cobiça, o poder sem "maior transcendência do ponto de vista moral". Como esperado, ele salta alguns séculos e espelhos.
- Maquiavel mostra que quem exerce o poder quer mantê-lo - Leve interrupção. - Não é o caso meu, nem do Lula!
Por trás das palavras, inevitáveis paralelos entre Lula e FHC na exposição do ex-presidente sobre a virtù, o controle dos acontecimentos, e a fortuna.
- O homem de governo tem que se manter no poder. A sorte, a fortuna, que pode ser negativa, a má fortuna... Mas, se além da fortuna ele tem virtù, pode encarar a má fortuna... A pior situação na sociedade é a inexistência de poder.
A bondade.
- Ele não vai aconselhar o príncipe a ser mau, mas em circunstâncias excepcionais o dever do príncipe é não ser bom. O dever é manter-se no poder. Manda matar.
Os dois andares.
- Maquiavel sempre percebeu uma oposição entre quem manda e quem obedece, o príncipe e o povo... Mas esse povo não aparece com a virtù necessária para a mudança.
FHC cita Max Weber e Antonio Gramsci como pensadores que retomaram as ideias de Maquiavel, principalmente a respeito das diferenças entre a moral comum e a do príncipe. Tudo são memórias, e o ex-presidente se refere a "decisões agônicas":
- Às vezes, é necessário dissimular. Vou dar um exemplo pessoal. Um exemplo de todo presidente... O jornalista chega e pergunta: "Presidente, vai haver desvalorização do câmbio amanhã?". Você tem que dizer: "Não, o que é isso!". Aí, amanhã, você desvaloriza. Você tem que mentir, se não quebra o País.
A minutos do fim, sentencia:
- Maquiavel não foi maquiavélico. Não era de enganar, nem de se auto-enganar.
Na descida do palco, um sussurro para Luiz Schwarcz.
- Essa escadinha aqui é à prova de velhice.
Lygia Fagundes Telles o beija. A meio caminho, Eduardo Gianetti, coordenador do programa econômico de Marina Silva (PV) e autor de "Auto-engano", o cumprimenta:
- Parabéns pela palestra. Magnífica, como sempre!
FHC, o Magnífico, retribui:
- Generoso.
- Não, magnífica!
- Sempre que posso falo bem da Marina - avisa.
- Ah, presidente, ela é uma força oxigenadora da política, sem entrar em valorações morais... - ironiza Gianetti.
- Hoje não pode! Proibido por Maquiavel.
Dois engravatados reprovam a cena:
- Puxa-saquice...
"Ah, vocês!", diz FHC a três jornalistas. Agora é política, Serra e Lula sem a desculpa de Maquiavel. Ou nem tanto. Ataca o adversário petista:
- Maquiavel não justifica qualquer dissimulação.
Questionado sobre a ausência na campanha de José Serra (PSDB), FHC se desvia com elegância do que todos sabem se tratar de rejeição: "Não tenho energia". Terra Magazine pergunta como Lula está conduzindo as eleições em 2010.
- Não vou dizer como ele tem conduzido. Mas não fiz como ele faz. Ao se transformar em militante, está abusando, passa dos limites - critica. - O limite é a lei. A toda hora o presidente está sendo multado.
E o desafio de Lula, de que vai ensiná-lo a ser ex-presidente?
- Tô louco pra aprender. Ele disse que o ex-presidente não deve falar nada, só elogiar. Os ex-presidentes, a não ser o Itamar, só falam bem dele.
A jornalista Mona Dorf se aproxima com a filmadora.
- O senhor disse que a maior virtude do político é manter-se no poder...
FHC abre os caninos, num sorriso reprobatório de professor:
- Eu, não. Maquiavel! Não sou maquiavélico!
Outra vez sério, deixa o teatro com anotações sobre "O príncipe".
Fonte:Terra
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