quinta-feira, 7 de julho de 2011

Maquiavel, por Olavo de Carvalho

Sozinho, esse pequeno livro já colocaria Olavo no panteão dos grandes filósofos políticos da atualidade.


Dentro do grande esforço da obra que o filósofo Olavo de Carvalho está escrevendo - A MENTE REVOLUCIONÁRIA - o capítulo sobre Maquiavel foi destacado neste livro que acaba de chegar ao público brasileiro. De imediato o li. Olavo nos brinda com suas profundas reflexões, ornadas pela prosa magistral e clara que lhe é peculiar. Esta aula sobre o florentino permite que mesmo principiantes possam lê-la com proveito. Na verdade, mais que isso: é, ela própria, um roteiro de leitura para conduzir quem está se aprofundando pelos meandros da ciência política e da filosofia política.
O fato é que Olavo de Carvalho destrincha os segredos últimos do autor renascentista, tão obscuro quanto fascinante. Essa obscuridade deu margem a diferentes interpretações ao longo do tempo, muitas delas contraditórias entre si. Olavo, centrando na biografia e na própria produção de Maquiavel, desvenda os mistérios e os equívocos e demonstra como o filho de Florença foi o protótipo do intelectual moderno, o engenheiro de almas que quis transformar o mundo sem perceber as suas próprias contradições internas. Flagrou Maquiavel como exemplo clássico de paralaxe cognitiva, conceito descoberto por Olavo: teorizou de forma a ele mesmo se fazer vítima potencial de suas teorias. Ao aconselhar os novos príncipes a eliminar os conselheiros que lhe ajudaram a chegar ao poder não viu que mandava seus aconselhados a liquidarem a si mesmo.

O livro é também uma survey exaustiva do status quaestionis da obra do florentino, resenhando os principais escritores que se debruçaram sobre o autor de O Príncipe. A começar por Isaiah Berlin, que enxergou nele um precursor do liberalismo, claro de que forma equivocada. Olavo vai dizer que
"hoje é quase impossível deixar de enxergar nele o precursor voluntário e consciente do Estado altamente burocratizado e interventor em que vai se transformando a democracia liberal americana".
Importante sublinhar essa percepção olaviana, porque o eixo histórico a se desenrolar no século XXI passa pelo que vai acontecer dentro da estrutura do Estado norte-americano e seu duelo com as forças que lutam pela Nova Ordem Mundial. E também pelo duelo com a emergente força do império comunista chinês. As raízes do que está por vir já brotaram e estão prenhes de medonha violência, muito maior do que aquela que vimos na primeira metade do século XX. A idéia maquiavélica da Terceira Roma toma aqui o sentido dado pelo florentino a ela: o despertar das forças pagãs, anulando as aquisições morais e científicas do contributo judeu-cristão à Roma dos Apóstolos.

Toda ciência política que partiu de Maquiavel é essencialmente a negação do saber clássico, que via o Estado como instrumento do bem comum e a figura do governante como o primeiro servidor desse princípio, comprometido com a ordem justa, à luz da lei natural. O maquiavelismo é a negação desse saber superior, que começou a ser descoberto com Platão e encontrou em Tomás de Aquino sua plenitude. O mundo moderno é o mundo revolucionário, igualitarista, democrático, desprovido de uma elite egrégia, como constatou Ortega y Gasset. O paraíso dos novos príncipes aventureiros, que passaram a buscar o poder apenas pelo poder, fim em si mesmo, e não meio para alcançar o bem estar coletivo, sobretudo a paz. O Estado permanente de guerra é a hipótese de Maquiavel. Exemplos acabados desses novos príncipes são abundantes:Robespierre, Lênin, Stalin, Fidel e tutti quanti.

Olavo enumera uma a uma as diversas interpretações dadas à obra de Maquiavel ao longo da história e deixo ao leitor interessado ir buscar no livro quais foram estas. Será talvez a sua parte mais útil aos estudantes de ciência política. O mapa do caminho para não se perder nas linhas densas desse poderoso sofista. Maquiavel foi um barnabé com mania de grandeza e portador de um recalque imenso, aconselhando aos outros aquilo que ele mesmo era incapaz de fazer. Desprovido da Virtú e amaldiçoado pela Fortuna, Maquiavel foi também o protótipo do revolucionário fracassado que se refugiou nas letras, esse meio maleável no qual a mentira pode alcançar sua abjeta plenitude de utopia.

A propósito, Olavo identifica o conceito de Fortuna com Deus. Discordo. Como filho do Renascimento, Maquiavel acreditava nas idéias dominantes do seu tempo, na magia, na astrologia, na alquimia. A Fortuna era, para ele, esse determinante cósmico que provinha das forças da natureza, idéia que irá percorrer toda a modernidade e terá em Goethe o seu poeta maior. A Fortuna como o espelho da carta do Tarô. Fortuna é o destino, que precisa ser moldado pela Virtú, pela intrepidez amoral dos novos príncipes. Deus está longe das preocupações do pervertido florentino. Os supostos materialistas e "realistas" que citam Maquiavel para justificar suas próprias tolices mal sabem que a raiz primeira do autor renascentista é a mais baixa magia, o culto satânico mais rasteiro, a maldade transformada em virtude.
Sozinho, esse pequeno livro já colocaria Olavo no panteão dos grandes filósofos políticos da atualidade. Dá para imaginar o que virá na obra maior, em gestação, A MENTE REVOLUCIONÁRIA. Espero com ansiedade sua publicação.

Ficha Técnica: Maquiavel ou a Confusão Demoníaca
Autor: Olavo Luiz Pimentel de Carvalho
Campinas, Vide Editorial, 2011

Colaboração:Rodney Eloy

Um comentário:

Ricardo disse...

Caro amigo Roberson:
Antes de qualquer coisa, fico feliz em voltar a fazer um comentário em seu prestigioso blog.
Agradeço,também por brindar-nos com as novidades sobre o pensador florentino. De minha parte, sairei em busca do tal livro. Juntar o brilhantismo de Machiavelli à "dinamite" Olavo de Carvalho é algo que deve render bons frutos.
Por falar nisso, começo hoje um minicurso sobre o incrível filósofo político, com o Júlio Pompeu, autor de "Somos maquiavélicos".
Abração,
Ricardo.