O diretor Gabriel Mascaro decidiu convidar 125 pessoas muito ricas e proprietárias de coberturas a falar sobre este “modo de vida”. Apenas 9 delas aceitaram. O documentário anuncia uma curiosa lista em que essas pessoas estariam presentes, sem dar mais detalhes sobre onde ela se encontra ou como foi elaborada. Também não se diz nada a respeito da maneira como estes indivíduos foram abordados – de que maneira se convence uma pessoa riquíssima a falar de sua riqueza num documentário?
Dessas questões essenciais de ética, o filme não fornece detalhes. O que lhe interessa é o que essas pessoas têm a dizer. Neste sentido, o documentário se mostra riquíssimo, revelando uma visão bastante particular que estes moradores possuem das classes baixas, da noção de propriedade e de mérito. As frases de efeito se acumulam às dezenas, da mulher que acha os tiros da favela lindos, porque se parecem com fogos de artifício, passando pelo empresário que diz que merece a riqueza por ser um líder nato, ao filho mimado que diz que escreve “cobertura” em seu endereço para ser mais respeitado pelos amigos.
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Mascaro conduziu todas essas pessoas não apenas a apresentarem suas vidas, mas a justificá-las, a explicar de onde vem a riqueza e porque as pessoas ao redor não possuem as mesmas oportunidades. Face a estas questões tão explícitas quanto complexas, todos fogem da “culpa burguesa” que o diretor parece querer atribuir a cada um deles. Defendem que o poder material é um presente divino, ou a ordem natural das coisas, ou ainda que ela não impede de praticar a caridade, “compensando” a desigualdade de oportunidades.
O grande problema de todas as frases exemplares extraídas desses entrevistados alienados e reacionários é justamente a maneira como se obteve o conteúdo procurado. Inicialmente, o documentário não admite que estas pessoas acreditam estar falando para um vídeo destinado aos países estrangeiros. Certamente suas reações teriam sido outras se conhecessem o uso real das imagens. Em seguida, Mascaro mantém o som da câmera ligada mesmo quando a entrevistada lhe pede para cortar, porque sente que “algo está sendo conduzido nisto tudo”.
Driblando os princípios da ética do documentário, o diretor parte do princípio que o fim justifica os meios – tudo vale para extrair frases tão absurdas daquelas pessoas cujas vidas já se considerava, desde o começo, absurdas. Mesmo um documentarista controverso como Michael Moore, que está muito longe de ser um exemplo de ética na imagem, deixa claro aos homens políticos republicanos que sua posição é contrária a que estes homens defendem.
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Ora, tanto Meirelles quanto Mascaro sabem muito bem que os filmes não foram feitos para seus entrevistados ou autores do livro de origem. Um Lugar ao Sol foi feito para o público, apesar dos entrevistados, que são meros alvos fáceis de quem se retira frases suculentas. A ingenuidade de um dos entrevistados não isenta o diretor de responsabilidade – pelo contrário, deixa ainda mais claro que estas pessoas não estavam conscientes do discurso que seria articulado a partir de suas imagens.
Os meios são os fins
Em Pacific, o diretor Marcelo Pedroso acompanhou algumas viagens do cruzeiro homônimo que vai de Pernambuco a Fernando de Noronha. Percebendo quais pessoas gravavam imagens da viagem, ele convidou-as a ceder seus materiais para um documentário. Não se dá mais informações sobre a abordagem ou sobre a reação dos viajantes, mas esta metodologia é apresentada desde o início, como ponto de partida indispensável à compreensão do projeto.
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De qualquer modo, instaura-se com Pacific a rara noção de autor cinematográfico como aquele que organiza o discurso, mas não necessariamente capta as imagens. O autor aqui é o montador, o diretor, e não as pessoas que gravaram seus passeios. As imagens, para elas, servia como prova de pertencimento, como o ça a été do qual falava Barthes, um documento de que essas pessoas de fato estiveram onde estiveram e viram o que viram. A fascinação precisa ser registrada, partilhada, inclusive como sinal de status. É preciso que colegas, familiares e outros vejam essas imagens e compreendam de fato todo o luxo pelo qual os viajantes pagaram. “Corre, filma o golfinho!”, diz um deles. A imagem é realmente vista como sinal de distinção.
Face a este material já existente, o diretor decidiu não acrescentar nenhuma narrativa ou depoimento. A montagem fala por si mesma, ela retrata muito bem o kitsch, o excesso e principalmente o imperativo de diversão que Adorno citava como inerente a qualquer sociedade do hedonismo. Além de mostrar o que viveram, estas pessoas precisam (se) convencer de que se divertiram, de que o dinheiro foi bem gasto e transformado num prazer proporcional ao preço estipulado pelo cruzeiro. Eles criam uma imagem de si mesmos alegres, sorridentes, algo que se satura ao longo de 80 minutos de documentário; mesmo que esta saturação seja um elemento indispensável ao próprio discurso crítico.
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Este é o inverso de Um Lugar ao Sol, no qual não se deixava muita dúvida sobre o olhar cínico que o diretor portava sobre suas imagens. Mascaro obtém certamente frases e momentos muito mais potentes, mais emblemáticos e representativos, mas paga um preço alto por isso, tornando seu projeto mais do que questionável. Já Pedroso, obviamente, também intervém em seu material, mas pretende colocar em paralelo o olhar dos indivíduos com o seu próprio, aumentando o leque de interpretações deixadas à disposição do espectador.
Um Lugar ao Sol (2009)Filme brasileiro dirigido por Gabriel Mascaro.
Pacific (2009)Filme brasileiro dirigido por Marcelo Pedroso.
Um comentário:
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