segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Sobre entregar-se aos paraguaios

Meu pai sempre costuma dizer, cada vez que abrimos uma garrafa de Merlot para aquecer as nossas conversas, que a história sempre é escrita pelos vencedores, jamais pelos vencidos. E tem muita razão. Invariavelmente, acabamos entrando num assunto que gera longas discussões: a Guerra do Paraguai, ou da Tríplice Aliança. É um pouco conturbado para nós, por um motivo simples: eu recebi educação dos vencedores. Ele, dos vencidos.

Haverá quem diga que o que narram os livros de história brasileiros e argentinos seja reflexo da realidade. Mas sempre existirá uma sombra de dúvida, porque o escritor sempre acaba favorecendo quem pagou a impressão do livro, ou quem lhe deu a oportunidade de mostrar seus dotes artísticos, por assim dizer. Historiador é outra coisa, bem diferente. Já o nome o indica: procura saber indícios da história através de achados, de narrações, de documentos, que corroborem aquilo que ele posteriormente relatará.

Enfim. Ser tendencioso é mais ou menos a mesma coisa que ser torcedor de clube que foi para as divisões inferiores. Sabe que está tudo errado, mas continua gastando seu pouco dinheirinho no ingresso do jogo, para ver se aquilo que ele pensa que é, se transforma em realidade. Nada tenho a ver com torcedores e gêneros afins: não me chama a atenção o futebol, a não ser pela malícia, pela habilidade de alguns jogadores. Por isso, em jogo de Brasil-Argentina, eu me escondo. Não fico gritando na frente da tela da TV, simplesmente porque não entendo a razão de tanto grito.

Voltando ao nosso assunto, através dos anos a Guerra do Paraguai trouxe inúmeras controvérsias. Pelo menos no pensamento e na forma em que a contenda foi abordada nas salas de aula, desde o ensino fundamental até o nível acadêmico. Hoje temos disponível vasta literatura à respeito, mas até uns anos atrás, ignominiosamente se ensinava nas escolas uma versão com clara tendência colonialista.

Lembro de ter brigado com uma professora de história, quando eu tinha uns treze anos, quando ela disse numa aula que “a primeiro de março de 1869, as heroicas tropas argentinas tomavam a cidade de Assunção, derrotando um exército de mais de vinte mil homens.”

Levantei da cadeira (acho que devo ter olhado para ela com este meu olharzinho prometedor de muita briga), e soltei o verbo. “Minha bisavó, mãe do meu avô Pedro Pablo, esteve lá, e ela contou muitas vezes ao meu pai e ao meu avô que os primeiros que entraram em Assunção foram os brasileiros. E não tinha exército de vinte mil homens porcaria nenhuma, porque já tinham matado a quase todos. Em primeiro de março mataram o Mariscal Solano López à beira do rio Aquidabã.”

Obviamente, como acontecia quase que todos os dias, fui expulso da sala. Lá fui eu rezar meu pai nosso na diretoria. Mas não foi minha culpa. Disso tenho certeza. É que nunca perdi o costume de andar escondido entre as pernas no meu pai, ouvindo conversa de gente grande. Acho que faço isso até hoje.

Augusto Roa Bastos (1917-2005) foi um escritor paraguaio notável. Talvez, e digo talvez porque não tenho certeza, o único latinoamericano a ensinar um idioma indígena (guarani) na Universidade de La Sorbonne, França, além de literatura hispano-americana. No seu livro “Eu, O Supremo” ele narra a saga de Gaspar Rodriguez de Francia e a sua luta para a consolidação e a defesa da integridade territorial do Paraguai. O livro foi agraciado com o Prêmio Miguel de Cervantes da Literatura Espanhola em 1989. Vela a pena ler, pela conteúdo histórico, pela narrativa, pela fidelidade de fatos confirmados por documentos existentes e de livre acesso. Foi traduzido para 29 idiomas, portanto tem versão em português.

É a partir de Rodriguez de Francia que o Paraguai tornou-se potência do Cone Sul. Yes, sir. Potência. A primeira fundição de ferro? Estava no Paraguai. A primeira ferrovia? Estava no Paraguai. O primeiro telégrafo? Lá no Paraguai. Enfim. Vou me estender por demais se continuo enumerando. Para quem queira recopilar maiores informações, consta o relatório do primeiro agente oficial inglês que visitou o Paraguai em 1842, após a morte do Dr. Francia, George John Robert Gordon. O relatório em questão está sob a referência F.O. 13/203, da Public Record Office de Londres. É buscando que a gente encontra, não é mesmo?

Para poder entender um pouco do porquê desta guerra, o algodão crescia sozinho nos campos paraguaios. Inglaterra, ao redor de 1864 ou 1865, começava a sua própria revolução industrial. E comprava matéria-prima, ou seja algodão, principalmente de quem fora antes a sua colônia, os Estados Unidos. Porém, 1865 foi o ano em que terminou a Guerra de Secessão Americana, onde morreu quase um milhão de pessoas. Os Estados Unidos não estavam tão unidos. O país era um caos. Os campos de algodão queimados, enfim, um caos mesmo.

Pois é. Bingo. De quem iria comprar Inglaterra? Do Paraguai.

Mas como naquela época imperava um lema que tempos depois a doutrina Monroe usaria em seus discursos, “Paraguai para os Paraguaios”, não houve troca de espelhinhos, como fizeram com os índios. Por isso sempre digo que a leitura ajuda a entender muitas coisas. Quem já leu “De Principatibus” (“O Príncipe”, como é conhecido, mas o nome em si é “Do Principado”) de Nicolau Maquiavel, saberá do que falo. Os britânicos ficaram inquietos, ao ver um pequeno país “de macacos” (assim chamavam os ingleses aos habitantes da América do Sul) exercendo um feroz protecionismo. O país mais progressista de América Latina construía o seu futuro sem investimentos estrangeiros, sem empréstimos dos bancos ingleses e sem a bênção do livre comércio.

Fazer o que? “Ah, vamos atiçar os vizinhos e criar uma guerra. Emprestamos uns trocados, cobramos juros altos e negócio fechado.”

E foi o que fizeram. Dali em diante, só um final: de acordo com documentos que constam na “Casa de la Cultura Paraguaya”, localizada na rua 14 de Mayo esquina com El Paraguayo Independiente, de Assunção, a população do Paraguai ascendia a 1.300.000 pessoas. Em finais de 1870, após o final da Guerra, a população era de 160.000 pessoas, incluídas mulheres, crianças e idosos. Que foi tudo o que sobrou da guerra.

De acordo com o que li sobre os Voluntários da Pátria e outras fontes, foram para a guerra (e isto é assunto para uma próxima conversa) ao redor de 139.000 pessoas, das quais 40% ficou nos campos de batalha. Argentina sofreu outro tanto de baixas, quem sabe mais. Acho que o mundo não fala destas vergonhas, como não fala sobre quem foi o primeiro país a fazer tráfico de escravos. É. Já sei o que vai dizer: Inglaterra. Pois é. Mas essas são coisas do imperialismo e outras ervas, e nisso não me meto.

Estou rindo sozinho aqui. Toda esta conversa só para contar que aqui pertinho da minha casa, na ponta das Caieiras, estão os restos do naufrágio do vapor “São Paulo”. Muitos dizem que ele fugia da Guerra do Paraguai. Errado. Ele tinha sido fretado pelo Governo Imperial em junho de 1865, em inícios da guerra, e era utilizado para transporte de tropas e feridos. Encalhou na costa por causa do nevoeiro de uma noite de novembro de 1868. Até dezembro é possível ver parte do casco, a uns cem metros da praia, na hora da maré baixa. Consta em documentos da Marinha do Brasil que transportava no momento do naufrágio 600 pessoas mais a tripulação, e que muita gente que sobreviveu ficou abrigada nas casas da Vila das Caieiras, até receber o socorro necessário.

P.S. 1º: Sugiro humildemente aos senhores Vereadores do Município de Guaratuba a substituição do nome outorgado à Praça “Alfredo Stroessner”, que se encontra na Praia dos Paraguaios, ou Praia dos Surfistas, devido a este senhor ter sido baluarte latinoamericano do Terrorismo de Estado. O seu nome numa praça é exatamente a mesma coisa que uma rua com o nome de Hitler, Stalin, Menghele, Kadhaffi, Idi Amin Dada, e outras figuras de triste notoriedade mundial. Caso os senhores edis não conheçam sobre história paraguaia, sugiro os nomes de José Asunción Flores, criador do gênero musical conhecido como “guarania”, ou Augusto Roa Bastos, primeiro latinoamericano a lecionar idioma guarani na Universidade de La Sorbonne.  

P.S 2º: Nenia é uma canção fúnebre escrita pelo escritor e poeta argentino Carlos Guido y Spano, um dos tantos que colocara forte oposição “à guerra entre irmãos”, junto com ilustres da época, como Juan Bautista Alberdi e José Hernández, este último criador do “Martín Fierro”. Já está tarde, e a coluna dói. Quem sabe outro dia lhe conto sobre o “Martín Fierro”, a bíblia do gaúcho argentino. 

Até a próxima, se Deus quiser.

Nenia

Llora, llora urutaú

En idioma guaraní,
una joven paraguaya
tiernas endechas ensaya
cantando en el arpa así,
en idioma guaraní:

¡Llora, llora urutaú
en las ramas del yatay,
ya no existe el Paraguay
donde nací como tú #
¡llora, llora urutaú!

¡En el dulce Lambaré
feliz era en mi cabaña;
vino la guerra y su saña
no ha dejado nada en pie
en el dulce Lambaré!

¡Padre, madre, hermanos! ¡ay!
todo en el mundo he perdido;
en mi corazón partido
sólo amargas penas hay #
¡padre, madre, hermanos! ¡ay!

De un verde ubirapitá
mi novio que combatió
como un héroe en el Timbó,
al pie sepultado está
¡de un verde ubirapitá!

Rasgado el blanco tipoy
tengo en señal de mi duelo,
y en aquel sagrado suelo
de rodillas siempre estoy,
rasgado en blando tipoy.

Lo mataron los cambá
no pudiéndolo rendir;
él fue el último en salir
de Curuzú y Humaitá #
¡lo mataron los cambá!

¡Por qué, cielos, no morí
cuando me estrechó triunfante
entre sus brazos mi amante
después de Curupaití!
¡Por qué, cielos, no morí!…

¡Llora, llora, urutaú
en las ramas del yatay;
ya no existe el Paraguay
donde nací como tú.
¡Llora, llora, urutaú!

Fonte:Correiodolitoral.com

Um comentário:

Anônimo disse...

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