Maquiavel é talvez um dos autores - como a imensa maioria dos clássicos de qualquer área - mais mal compreendidos tanto pela crítica como, principalmente, pelo senso comum. A própria significação que se dá ao termo maquiavélico revela esta incompreensão.
A principal destas imcompreensões provavelmente é a que o vincula à ação inescrupulosa e ao desejo do poder pelo Poder. Nada mais contrário a Maquiavel, ao definir que "os fins justificam os meios" - frase habitualmente utilizada fora de contexto - ele não desprezava os fins, os objetivos, mas sim os colocava em seu devido lugar: no centro de planejamento de qualquer ação política.
E quais eram os fins que Maquiavel almejava, pergunta que poucos se fazem. Em primeiro lugar ele desejava trazer para a Itália uma instituição republicana na qual a vontade do povo fosse respeitada. É bastante evidente em um texto dele - muito menos conhecido que "O Príncipe" - Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio sua vocação republicana e em certa medida democrática.
Mas mesmo nas páginas do Príncipe ele adverte ao soberano que é perigoso ser odiado pelo povo e que a um governante que não é capaz de manter-se em paz com o povo é inútil a proteção dos exércitos e fortificações. Isto se dá porque na sua compreensão de sociedade há atores múltiplos - o príncipe, os nobres, o povo - e portanto ele é capaz de perceber que sempre existirão conflitos na sociedade.
Este modelo é muito diferente dos posteriores que irão imaginar a existência de um Estado acima da sociedade - como o pensado pelo modelo liberal - ou apenas como apêndice de uma parte da sociedade - como os Marxistas. Ainda hoje parece ser um paradigma eficiente para analisar a política.
Metas realistas
Maquiavel dedica boa parte dos seus textos a avaliar que é necessário ver a política como ela é, não como ela deveria ser. Ao afirmar isto ele em momento nenhum advogou que os muitos truques - do assassinato à corrupção - analisados por ele fossem um padrão ou um ideal do que deveria ser a política - tampouco de que ela sempre haveria de ser assim. Ele apenas constatou fatos e analisou os dados presentes.
Assim a visão de Maquiavel é essencialmente estratégica: definir o objetivo, enxergar a realidade como ela é, refletir como a partir daquela realidade dada se pode chegar à situação desejada no objetivo, rever os objetivos a partir desta reflexão e, finalmente, pensar nas táticas que podem ajudar a concretizar o objetivo através de um processo gradual de metas realistas e concretas.
Além disto ele adverte de um lado para que não se perca o objetivo de vista e de outro para que nem toda tática é recomendável. A questão não é portanto linear nem são infinitas as escolhas porque algumas delas ampliam o risco admissível. Os riscos, avalia ele, às vezes devem ser corridos porque a sorte em geral favorece aos audazes, mas se deve estar conscientes deles. Mais ou menos o conceito de risco calculado da estratégia militar contemporânea.
Assim ele sabe que o Estado que ele deseja não será obtido enquanto a Itália não for unificada. Sabe que ela Não será unificada a não ser por um Príncipe forte e que este processo inevitavelmente conduzirá a guerras e violência. Sabe que esta centralização precisa se dar em torno de um nome forte porque precisará obrigatoriamente combater a aristocracia - com a qual o Estado republicano final não será possível. Daí o conteúdo até brutal em alguns momentos do Príncipe.
Síndrome de Cassandra
Curioso que Maquiavel, ao lado de dois outros grandes estrategistas - Ibn Khaldun e Karl Clausewitz - jamais tenham sido ouvidos em sua época. Maquiavel passou a vida toda tentando se fazer ouvir pelos príncipes italianos. Khaldun passou a vida fugindo de corte em corte do Magreb onde inevitavelmente caia em desgraça. Clausewitz jamais conseguiu ser levado a sério pelo Estado maior prussiano.
Tal como a personagem da mitologia grega, os três parecem ter recebido ao mesmo tempo o dom de prever o futuro e a maldição de não ser capaz de convencer ninguém das suas previsões por mais acertadas que fossem. Ainda assim Maquiavel continua hoje sendo um eficiente conselheiro, Clausewitz moldando os exércitos contemporâneos e Khaldun arrancando exclamações sobre a atualidade de seu modelo de interpretação do desenvolvimento das sociedade. Enquanto isto os contemporâneos a eles que obtiveram seus efêmeros sucessos tiveram o nome apagados da história.
Alexandre Gomes é articulista do jornal Primeira Página de São Carlos (SP)
Fonte:Resenha.sites
A principal destas imcompreensões provavelmente é a que o vincula à ação inescrupulosa e ao desejo do poder pelo Poder. Nada mais contrário a Maquiavel, ao definir que "os fins justificam os meios" - frase habitualmente utilizada fora de contexto - ele não desprezava os fins, os objetivos, mas sim os colocava em seu devido lugar: no centro de planejamento de qualquer ação política.
E quais eram os fins que Maquiavel almejava, pergunta que poucos se fazem. Em primeiro lugar ele desejava trazer para a Itália uma instituição republicana na qual a vontade do povo fosse respeitada. É bastante evidente em um texto dele - muito menos conhecido que "O Príncipe" - Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio sua vocação republicana e em certa medida democrática.
Mas mesmo nas páginas do Príncipe ele adverte ao soberano que é perigoso ser odiado pelo povo e que a um governante que não é capaz de manter-se em paz com o povo é inútil a proteção dos exércitos e fortificações. Isto se dá porque na sua compreensão de sociedade há atores múltiplos - o príncipe, os nobres, o povo - e portanto ele é capaz de perceber que sempre existirão conflitos na sociedade.
Este modelo é muito diferente dos posteriores que irão imaginar a existência de um Estado acima da sociedade - como o pensado pelo modelo liberal - ou apenas como apêndice de uma parte da sociedade - como os Marxistas. Ainda hoje parece ser um paradigma eficiente para analisar a política.
Metas realistas
Maquiavel dedica boa parte dos seus textos a avaliar que é necessário ver a política como ela é, não como ela deveria ser. Ao afirmar isto ele em momento nenhum advogou que os muitos truques - do assassinato à corrupção - analisados por ele fossem um padrão ou um ideal do que deveria ser a política - tampouco de que ela sempre haveria de ser assim. Ele apenas constatou fatos e analisou os dados presentes.
Assim a visão de Maquiavel é essencialmente estratégica: definir o objetivo, enxergar a realidade como ela é, refletir como a partir daquela realidade dada se pode chegar à situação desejada no objetivo, rever os objetivos a partir desta reflexão e, finalmente, pensar nas táticas que podem ajudar a concretizar o objetivo através de um processo gradual de metas realistas e concretas.
Além disto ele adverte de um lado para que não se perca o objetivo de vista e de outro para que nem toda tática é recomendável. A questão não é portanto linear nem são infinitas as escolhas porque algumas delas ampliam o risco admissível. Os riscos, avalia ele, às vezes devem ser corridos porque a sorte em geral favorece aos audazes, mas se deve estar conscientes deles. Mais ou menos o conceito de risco calculado da estratégia militar contemporânea.
Assim ele sabe que o Estado que ele deseja não será obtido enquanto a Itália não for unificada. Sabe que ela Não será unificada a não ser por um Príncipe forte e que este processo inevitavelmente conduzirá a guerras e violência. Sabe que esta centralização precisa se dar em torno de um nome forte porque precisará obrigatoriamente combater a aristocracia - com a qual o Estado republicano final não será possível. Daí o conteúdo até brutal em alguns momentos do Príncipe.
Síndrome de Cassandra
Curioso que Maquiavel, ao lado de dois outros grandes estrategistas - Ibn Khaldun e Karl Clausewitz - jamais tenham sido ouvidos em sua época. Maquiavel passou a vida toda tentando se fazer ouvir pelos príncipes italianos. Khaldun passou a vida fugindo de corte em corte do Magreb onde inevitavelmente caia em desgraça. Clausewitz jamais conseguiu ser levado a sério pelo Estado maior prussiano.
Tal como a personagem da mitologia grega, os três parecem ter recebido ao mesmo tempo o dom de prever o futuro e a maldição de não ser capaz de convencer ninguém das suas previsões por mais acertadas que fossem. Ainda assim Maquiavel continua hoje sendo um eficiente conselheiro, Clausewitz moldando os exércitos contemporâneos e Khaldun arrancando exclamações sobre a atualidade de seu modelo de interpretação do desenvolvimento das sociedade. Enquanto isto os contemporâneos a eles que obtiveram seus efêmeros sucessos tiveram o nome apagados da história.
Alexandre Gomes é articulista do jornal Primeira Página de São Carlos (SP)
Fonte:Resenha.sites
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