sábado, 25 de julho de 2009

O IDEAL REPUBLICANO - A observância da Lei

Não observar uma lei é dar mau exemplo, sobretudo quando quem a desrespeita é o seu autor; é muito perigoso para os governantes repetir a cada dia novas ofensas à ordem pública

Ajustado o acordo, e restabelecida a antiga Constituição romana, Virgínio convocou Ápio para defender sua causa perante o povo. 0 acusado atendeu à citação cercado de nobres, e Virgínio ordenou que fosse aprisionado. Ápio pôs-se a gritar, pedindo socorro ao povo, enquanto Virgínio alegava que ele não merecia o apelo que havia abolido, nem devia ser defendido pelo povo que ofendera. Ápio respondeu que não era lícito violar a regra do apelo, que se havia restabelecido com tal empenho. Preso, matou-se antes do dia do julgamento. Embora. pelos crimes que cometeu, Ápio merecesse os castigos mais severos, não era justificável violar qualquer por sua causa, sobretudo uma que acabava de ser restaurada. Com efeito. o exemplo mais funesto que pode haver, a meu juízo, é o de criar uma lei e, não cumpri-la, sobretudo quando sua não-observância se deve àqueles que a promulgaram.

Depois de 1494, a república de Florença havia reformado seu governo sob a influência de frei Savonarola, cujos escritos dão prova de ciência. sabedoria e virtude. Entre as leis então estabelecidas para assegurar a liberdade dos cidadãos, havia uma que autorizava ao povo o apelo de todas as sentenças passadas pelo Conselho dos Oito ou pela Senhoria relativa a crimes contra o Estado. Mal confirmada essa lei, que Savonarola tinha proposto havia muito tempo, e que só com dificuldade conseguiu que fosse adotada, cinco cidadãos foram condenados pela Senhoria por atentar contra a segurança do Estado. Os acusados quiseram apelar, o que não lhes foi concedido, violando-se assim a lei. Esse episódio contribuiu, mais do que qualquer outro, para prejudicar o crédito de Savonarola. Se ele considerava o apelo uma instituição de utilidade, deveria fazer observar a lei; em caso contrário, não deveria ter feito tantos esforços para que fosse aprovada.

Esses fatos foram ainda mais marcantes porque nunca se ouviu Savonarola, nos sermões que pregou depois da violação da lei, acusar ou justificar os que a tinham violado - porque não queria desaprovar uma ação que lhe trouxera benefício mas, ao mesmo tempo, porque não podia justificar os que assim tinham agido. Com isso revelava seu caráter faccioso, e a ambição que o dominava, perdendo a reputação, e atraindo acusações gerais.

Nada mais funesto do que inflamar a cada dia, entre os cidadãos, novos ressentimentos pelos ultrajes cometidos incessantemente contra alguns destes, como acontecia em Roma depois do decenvirato. De fato, todos os decênviros, e muitos outros cidadãos, foram em várias oportunidades acusados e condenados. O temor era geral entre os nobres, que não viam o fim dessas condenações antes que se destruísse toda a sua classe. Disso teriam resultado inconvenientes dos mais desastrosos para a república se o tribuno Marco Duélio não houvesse posto termo à situação proibindo, durante um ano, citar ou acusar qualquer cidadão romano, o que fez com que os nobres recobrassem a segurança.

Esse exemplo mostra como é perigoso para uma república ou apa um príncipe manter os cidadãos em regime de terror contínuo, atingindo-os sem cessar com ultrajes e suplícios. Nada há de mais perigoso do que esse tipo de procedimento, porque os homens que temem pela própria segurança começam a tomar todas as precauções contra os perigos que os ameaçam. Depois, sua audácia cresce, e em breve nada mais pode conter sua ousadia.

Por isso, é necessário ou não atacar ninguém ou então cometer ao mesmo tempo todas as ofensas, dando garantias, em seguida, aos cidadãos, para restaurar sua confiança e a tranqüilidade geral.

Fonte: Do livro: "Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio", 1, 45º

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