sexta-feira, 31 de julho de 2009

O IDEAL REPUBLICANO - Acusação à tirania

Entre todos os mortais que já mereceram elogios, os mais dignos são os chefes ou fundadores de religiões. Depois vêm os fundadores de repúblicas ou de reinos. Em seguida os que, à frente de exércitos, estenderam os domínios da sua pátria. A estes devemos acrescentar os letrados; e, como destes há várias espécies, cada um alcança a glória reservada à categoria a que pertence. Enfim, no número infinito dos homens, nenhum deles deixa de receber a fração de elogio a que faz jus pela sua arte ou profissão.

Por outro lado, merecem o ódio e a infâmia os destruidores de religiões, os que permitiram que os reinos ou repúblicas confiados a seus cuidados se perdessem; os inimigos da virtude, das letras e das artes honradas e úteis à espécie humana; e assim os ímpios, os furiosos, os ignorantes, os ociosos, os covardes e os inúteis.

Não haverá ninguém tão insensato ou sábio, tão corrompido ou virtuoso, que, se lhe pedirmos para escolher entre as duas espécies de homem, não aprove a que merece ser elogiada, criticando a que merece ser detesta da. Contudo quase todos se deixam seduzir, voluntariamente ou por ignorância, pelo brilho enganoso dos que merecem o desprezo mais do que elogios, envolvidos pela atração do falso bem, ou da vã glória.

E alguns que alcançaram a honra imortal de fundar uma república ou um reino mergulham na tirania sem perceber que, ao abraçá-la, perdem renome, glória, honra, segurança, paz e satisfação espiritual, expondo-se à infâmia, às críticas, à culpa, a perigos e inquietações.

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Aquele que for elevado ao poder supremo de uma república que considere os elogios com que Roma, transformada em império, cumulou os imperadores que seguiram as leis, de preferência aos que se conduziram de modo contrário. Verá então que Tito, Nerva, Trajano, Adriano, Antonino e Marco Aurélio não tinham necessidade, para a sua defesa, de soldados pretorianos ou de grande número de legiões, porque a maneira como viviam, a afeição do povo e o amor do Senado constituíam sua melhor proteção.

Verá também que todas as forças do Oriente e do Ocidente não conseguiram salvar os Calígula, os Nero, os Vitélio, e tantos outros criminosos coroados, da vingança dos inimigos criados pelos seus costumes execráveis e pela sua ferocidade. Se a história desses monstros fosse bem-estudada, serviria de ensinamento aos príncipes, mostrando-lhes os caminhos da glória e da vergonha, da segurança e do terror. Sabe-se, com efeito, que dos 26 imperadores que reinaram, de César a Maximino, dezesseis foram assassinados, e dez morreram de morte natural. Se no número dos assassinados se incluem alguns justos, como Galba e Pertinax, é porque foram vítimas da corrupção introduzida no exército pelos seus predecessores. Por outro lado, se entre os que morreram naturalmente se encontra um malvado como Severo, isso se deve à sua grande coragem, e a uma felicidade inaudita - duas circunstâncias que poucas vezes se reúnem para beneficiar os homens.

0 estudo da história ensinará também como se pode fundar um bom governo, pois todos os imperadores que subiram ao trono por direito de nascença foram maus, com exceção de Tito; os adorados como reis foram todos excelentes, como se pode ver pelos cinco que se sucederam, de Nerva a Marco Aurélio. Que o leitor os compare com seus antecessores; e sucessores, escolhendo depois aqueles sob os quais preferiria viver como súdito.

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Que reflita, portanto, todo aquele a quem o céu vier a oferecer tão bela ocasião, sobre as duas alternativas que se abrem à sua escolha: unia que o fará viver em segurança, assegurando-lhe a glória após a morte; outra que o fará viver em constante angústia, e marcará sua memória com eterna infâmia.

Fonte: Do Livro: "Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio", II, 10º

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