quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Entre passado e futuro: o ano de 1989 no espelho da história

Há exatos 20 anos, em novembro de 1989, o colapso socialista expressado pela queda do muro de Berlim criara na memória coletiva a imagem do triunfo capitalista. Alguns, de forma precipitada, apontavam para o “fim da história”, como fez o teórico americano Francis Fukuyama. Imaginava-se que a partir daquele momento com o desmonte da guerra fria e a vitória do ocidente capitalista, a humanidade teria alcançado seu ápice sob a égide da democracia burguesa. Ou seja, não haveria outro sistema ou ideologia capaz de superar o modelo liberal.

Na contramão deste raciocínio, como bem lembrou em recente artigo publicado no Jornal O Povo, o professor da Universidade Federal Fluminense Manuel Domingos Neto, “... a instabilidade da economia mundial e os prognósticos relativos ao futuro do planeta desautorizam grandes celebrações do capitalismo”.

Estou entre aqueles que não observam a queda do muro de Berlim como a vitória do capitalismo contra o socialismo. A experiência socialista do Leste europeu caiu fundamentalmente porque não conseguiu traduzir em realidade a questão da liberdade. Para os alemães a reunificação representou ainda um velho sonho iniciado nos tempos de Otto Von Bismark, na ocasião da unificação alemã em 1871.

No Brasil, o ano de 1989 foi marcado pela primeira eleição presidencial após 29 anos, suscitando a expectativa de um povo que cinco anos antes, na campanha das “Diretas Já”, tinha visto frustrado pelo Congresso o sonho estampado no slogan popular: “Eu quero votar para presidente”. Desde 1960, na eleição que levara Jânio Quadros ao poder, os brasileiros não elegiam o Presidente da República.

A fragmentação partidária ficava evidenciada naquele ano nas 22 candidaturas à presidência. Collor, Lula, Brizola, Covas, Maluf, Ulisses Guimarães, Aureliano Chaves, Afif Domingues, Roberto Freire, Enéas e Fernando Gabeira, foram alguns dos candidatos. A fragilidade dos partidos brasileiros estava comprovada com o resultado pífio de PMDB e PFL, que apesar de representarem as maiores bancadas do Congresso, atingiram menos de 5% do eleitorado cada.

Com a largada na frente do desconhecido Fernando Collor, à época governador de Alagoas, só restava à esquerda brasileira, então dividida entre Lula e Brizola, a disputa pela segunda vaga. O candidato petista ficou em segundo lugar, cerca de 0,5% à frente do pedetista. Lula iniciava ali uma trajetória de cinco candidaturas à presidência, consolidando-se como novo líder da esquerda brasileira, lugar até então ocupado por Brizola, que fora o principal inimigo da ditadura militar.

A conjuntura internacional refletia diretamente no País. A erosão do socialismo no leste europeu contribuiu para o clima de dúvidas e incertezas sobre um possível governo do PT. Durante a campanha do segundo turno o presidente da FIESP Mário Amato, chegou a afirmar que se Lula saísse vitorioso, “centenas de grandes empresários abandonariam o país no dia seguinte”.

A vitória de Fernando Collor foi acompanhada por todos os golpes baixos possíveis. Candidato pelo inexpressivo PRN, Collor chegou ao ponto de vincular em seu horário eleitoral uma ex-namorada de Lula, acusando-o de anos antes ter lhe oferecido dinheiro para que abortasse. Além da acusação de que membros do PT estariam envolvidos no sequestro do empresário Abílio Diniz, a poucos dias da eleição. Esse episódio foi fundamental para disseminar o medo em relação a um possível governo petista.

O pleito de 1989 abriu as portas de uma nova era. Apesar da crise política que resultou no impeachment de Fernando Collor, é inegável o amadurecimento democrático. Vale ressaltar que a grande maioria da população nunca tinha votado para presidente. Meu pai, por exemplo, estava próximo dos 40 anos e ainda não havia exercido esse direito. Nesses vinte anos o eleitorado brasileiro praticamente dobrou. Em 1986 o Brasil contava com 69 milhões de eleitores. Em 2006 esse número aumentou para mais de 125 milhões.

De lá para cá, a participação política passou por um considerável incremento. O cidadão hoje está mais consciente de seus direitos. Apesar da inclusão das massas no processo eleitoral e a conscientização, não observamos movimentos sociais que possam sensibilizar o País. As pessoas não se mobilizam mais, não vão às ruas. Não há mais lideranças que possam encabeçar esses movimentos.

No plano político-partidário é nítida a polarização entre dois grupos ideológicos: um de centro-esquerda e outro de centro-direita, que desde 1994 se revezam e ao que tudo indica continuarão a se revezar no poder. PT e PSDB construíram a partir do desastre de Fernando Collor, as novas elites do poder no Brasil. Além da mudança ideológica que transformou o PT em um partido social-democrata, inusitado, é ver hoje do mesmo lado quatro grandes personagens daquele período: Lula, Collor, Maluf e Sarney, esse último, presidente naquele momento.

Vários pensadores em todas as épocas observaram a importância da história na compreensão do passado, presente e futuro. Maquiavel foi enfático ao afirmar “aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produzirão e utilizar os mesmos meios empregados pelos antigos”. Ou, ainda completava ele, “se não há mais os remédios que já foram empregados, imaginar outros novos, segundo a semelhança dos acontecimentos”.

Muita coisa mudou após 1989. A queda do muro daria início ao fim da guerra fria dois anos mais tarde, em 1991 e, consequentemente, o final da bipolaridade entre E.U.A e URSS. O mundo unipolar, a era Bush e o terrorismo pós 11 de setembro, criaram um mundo tão ou mais perigoso. No Brasil, os avanços são inegáveis. Mas há muito por fazer. Basta olhar para o Congresso Nacional e perceber que nossos políticos não conseguem aprender nada com a história.

João Paulo S. L. Viana é cientista político e professor universitário. Autor de Reforma Política – Cláusula de Barreira na Alemanha e no Brasil (Edufro, 2006). Co-organizador de O Sistema Político Brasileiro: Continuidade ou Reforma? (ALE/RO; Edufro, 2008).