sábado, 26 de setembro de 2009

Minha experiência gerencial: uma análise à luz de Maquiavel

Por André Luiz Guedes Martins

Esse artigo propõe-se a apresentar minha experiência gerencial adquirida em pequena empresa industrial, fabricante de tintas industriais, onde fui admitido como engenheiro “trainee”, passando depois a engenheiro-chefe de laboratório, gerente técnico e gerente geral da fábrica durante o ano de 1990, quando da mudança da unidade fabril para as novas instalações. Pretendo apresentar minha ação gerencial baseando-me em minha filosofia de vida e abrindo espaço para a crítica que presentemente desenvolvo, confrontando conhecimentos da Teoria da Administração e da Filosofia Política. Apresentarei o pensamento de Maquiavel que considero concernente à ação gerencial, ressaltando concordâncias e discordâncias com a minha prática.

Minha ação gerencial, inicialmente, pautou-se pela formalização da organização e o estabelecimento de normas e procedimentos de rotina de trabalho. Evidentemente que essa ação exigiu uma filosofia de trabalho diferente, que contrariava os interesses de chefias antigas e consolidadas. Muitas foram as dificuldades enfrentadas, pois eu desloquei o equilíbrio de poder estabelecido. Julgava-me em condições de contribuir, corrigir falhas, de inovar métodos e aperfeiçoar produtos. Utilizava meu conhecimento acadêmico e meu bom senso, calcado na ética. O mundo deveria melhorar pela aplicação do conhecimento técnico e do trabalho, pensava eu, naquela época.

Eu tomava esse conhecimento técnico como instrumento que possibilitaria a satisfação dos objetivos de todos os participantes do processo produtivo, quer fossem operários, quer fossem patrões. Sem dúvida, uma ingenuidade pessoal e reflexo da ideologia, disseminada largamente entre os profissionais das ciências exatas. Entretanto, da mesma forma que agora aceito o equívoco, posso também explicar o engano, pois havia estendido a Filosofia da Matemática aos relacionamentos e interesses humanos.


Ao propor a organização sistemática, minha preocupação foi, por um lado, manter o estado de funcionamento de trabalho e, por outro lado, aprimorar o sistema. Como nos diz Maquiavel, no capítulo três de “O Príncipe”, “Todo príncipe deve fazer não só remediar o presente, mas prever os casas futuros e previnilos com toda perícia, de forma que se lhes possa facilmente levar corretivo”, também o gerente deve ter essa preocupação, pois “conhecendo os males com antecedência, rapidamente são curados, mas quando por terem ignorado, se tem deixado aumentar, não haverá mais remédios para aqueles males”. Quando propus mudanças na rotina de trabalho, enfrentei forte oposição de chefias antigas.

Maquiavel registrou essa situação quando afirmou que “não há coisa mais difícil, nem êxito mais duvidoso, nem mais perigosa, do que o estabelecimento de novas leis”. As mudanças alteraram o equilíbrio de poder estabelecido e enfrentei a oposição. “O novo legislador terá por inimigos todos aqueles a quem as antigas leis beneficiavam e terá tímidos defensores nos que forem beneficiados pelo novo estado de coisas”.

Acho importante destacar o progresso tecnológico da empresa resultante da minha atuação à frente do setor de pesquisa e desenvolvimento. Conseguimos com os novos produtos formulados, aumentar o volume da produção em 50%. Implantamos uma nova tecnologia de dispersão de tintas. Esse sistema foi combatido por antigas chefias e rotulado como lento e complicado. Em reunião de diretoria, consegui demonstrar suas vantagens e explicar que as falhas apresentadas eram devidas à fase experimental. A direção finalmente, convenceu-se das vantagens e apoiou a mudança. Hoje, posso dizer, a dispersão de pastas concentradas é um sucesso!

Conforme Maquiavel, “é necessário... examinar se esses inovadores agem por si próprios, firmemente, ou dependem de outro”. Em suma, a afirmação profissional é lenta, custosa e só com persistência pode lograr êxito. Aqui cabe citar: “na luta pela conservação de posse, as dificuldades estão na razão direta da capacidade de quem os conquista” ou “aqueles que, por suas virtudes, se tornam príncipes, conquistam o principado com dificuldades, mas se mantêm facilmente”.

Muitas vezes, faltou-me o apoio da alta administração que hesitou entre novas propostas e a segurança de velhos e parcos resultados. Errei ao perder a tranqüilidade na defesa apaixonada de meus pontos de vista. Aflorou em mim, na medida em que experimentava a vida, minhas principais características de personalidade: sou rigoroso, porém tolerante, temperamental, porém justo, exigente, porém disposto a compreender as limitações de cada pessoa. Ajo, ainda hoje, no intuito de entender os subordinados em suas histórias, dificuldades e dramas. Tornei-me paternalista. Isso não quer dizer que era um líder de operários, mas ao contrário, tornei-me empregado de confiança alta administração, atuando como ligação entre as solicitações e reclamações dos operários e o interesse e disposição dos diretores. Vivi por anos nessa “cordabamba”,útil ao lado dominante e ineficaz ao lado dominado, mas seu único canal de reivindicação. Como resultado dessa postura, colhi nesses dez anos muitas decepções, mas tenho a certeza da coerência. Maquiavel afirma: “...deve proceder equilibradamente, com prudência e humanidade de modo que a confiança não o torne incauto e a desconfiança não o faça intolerável”. Ainda diz: “é necessário que seja tão prudente que saiba evitar os defeitos que lhe arrebatariam o governo e praticar as qualidades próprias para lhe assegurar a posse deste”. Nesse caso concordo com a citação e acho que minha ação deve ser repensada, já que possuo o grave defeito de ser sincero até os limites da tolice.

Devido ao meu rigor, apesar de tolerância, a maioria dos subordinados teme-me de alguma forma. Nisso minhas atitudes coincidem com a afirmativa “...é muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha que falhar numa das duas”. Realmente o temor à chefia significa segurança e garantia de ação, entretanto, é uma situação que incomoda-me sobremaneira, dada a nossa necessidade de sentirmo-nos amados. Quando exerci extraordinariamente a gerencia geral da fábrica, durante o período de mudança para as novas instalações, todas as decisões técnicas e de administração da produção e de serviços de apoio ficaram sob minha responsabilidade. Atuei exigindo controle rigoroso de suprimentos, do ritmo de produção, da qualidade, da pesquisa de desenvolvimento e de serviços de apoio (transporte, alimentação, segurança do trabalho, segurança patrimonial e relações industriais). Os empregados eram ouvidos e atendidos na medida da possibilidade e valorizados com treinamentos e melhoria de remuneração. As dificuldades aumentaram muito com o Plano Brasil Novo.

Sou da opinião de que os operários renitentes e indisciplinados que não conseguem enquadrar-se mesmo após repetidas oportunidades, devem ser demitidos. Minha ação adota o principio de que o mal deve ser feito uma vez através da demissão. Posso citar o trecho “...(crueldades)... bem usadas se podem chamar aquelas que são práticas, de uma só vez, pela necessidade de prover alguém à própria segurança, e depois postas à margem”.

Observei a utilização pelos diretores do seguinte pensamento “... os benefícios devem ser realizados pouco a pouco para que sejam melhor saboreados” como interessante estratégia de captação de simpatia e lealdade dos empregados a empresa. Outra prática eficaz utilizada pela direção é aquela que baseia-se na afirmativa de que “um príncipe forte superará sempre todas as dificuldades, ora dando aos súditos esperançade que o mal não se prolongará, ora incutindo-lhes o temor da crueldade do inimigo”.

Defendi com ardor a aquisição de equipamentos e a organização de laboratórios, condição básica para a implantação da filosofia da qualidade. A garantia da qualidade é um esforço contínuo e significou a comprovação do meu pensamento de que a organização formal é o pressuposto do sucesso das empresas.
A implantação da filosofia da garantia da qualidade pressupõe a conscientização de todos os empregados, incentivando-lhes a participação e a colaboração e dando-lhes recompensa a sugestões. Diz Maquiavel “... deve instituir prêmios para os que quiserem realizar tais coisas e para todos que, pensarem e ampliar a sua cidade ou seu Estado”.

Finalmente gostaria de destacar a importância do planejamento estratégico vital ao sucesso da empresa. Maquiavel analisa a questão, escrevendo: “a fortuna seja arbitrária de metade de nossas ações, mas que, ainda assim, ela nos deixe governar quase a outra metade”. É nessa metade que a ação gerencial deve atuar. Em síntese, a leitura da obra maquiaveliana mostrou-se um precioso instrumento para a análise crítica da minha ação gerencial. Creio que o pensamento de Maquiavel pode ajudar-me em muitas situações, especialmente aqueles, nas quais preciso cultivar a prudência e o equilíbrio íntimo.

Pude constatar que o poder é fascinante e os conselhos de Maquiavel nos dão elementos para destrinchar a sua problemática. A consciência da estrutura dos jogos de poder é fundamental para o bom exercício da função do administrador na organização. Isso, no entanto, não quer dizer que o poder deve ser exercido sem ética. Maquiavel apresenta os elementos da intrincada rede de poder, com o objetivo de unificar a Itália do século XVI, em profunda crise política. Aos que usam o pensamento de Maquiavel, desconsiderando essa dimensão da preocupação com o fim coletivo, costumou-se chamar de “maquiavélicos”.

O maquiavelismo deturpa as idéias originais de Maquiavel. A contribuição maquiaveliana – fiel aos ensinamentos de Maquiavel – deve ser explorada pelo administrador, com vistas a refletir efetivamente a problemática do poder dentro da organização.

Bibliografia

MACHIAVELLI, N. O príncipe. Tradução de Lívio Xavier. Rio de Janeiro: Edições de Ouro.

Fonte:Angrad

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