quarta-feira, 4 de novembro de 2009

É mais seguro ser temido do que ser amado?


Você, como eu, deve ter percebido o crescimento da violência em nossa sociedade. Acontece que, para minimizar a violência estamos nos tornando cada vez mais violentos. Isso não é novo, apenas ganha novo status; apenas evidencia uma das características mais marcantes do ser humano: a crueldade que produz violência. O ser humano é cruel, pois produz situações de maldade e age violentamente de forma intencional. Não digo isso baseado apenas naquilo que os noticiários nos mostram a respeito dos chamados bandidos. Digo a partir da anuência das pessoas após um tiro, planejado pela polícia, eliminando um meliante. Em nome da paz e da segurança as pessoas agem com violência, demonstrando que essa é uma instituição humana: contra a violência que nos aterroriza, usamos violência.
Aliás, isso foi ensinado por Maquiavel, em o Príncipe. Ao explicar porque o príncipe deve ser temido ao invés de amado, diz que: “é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho”. Se os homens são ingratos, então deve-se guia-los não com benevolência, mas com o chicote na mão. Então, por medo, aceitarão a violência e ela se institucionaliza. O medo do chicote produz uma aparente harmonia e aquela sensação de alegria ao ver o outro ser punido-agredido por quebrar a harmonia.

Isso nos arremete ao “Crepúsculo dos Ídolos” livro em que Nietzsche faz o seguinte comentário: “ver sofrer, faz bem; fazer sofrer melhor ainda: ai está um duro princípio, mas um princípio fundamental antigo, poderoso, humano, demasiadamente humano”. Que são os atos violentos se não uma expressão da maldade humana? Trata-se de um princípio, demasiadamente humano! E se isso é feito intencionalmente, de forma premeditada, indica a presença da crueldade.

O mesmo pensador alemão, chamado de anticristo, numa anotação em seu registro de óbito da capela do cemitério em que está enterrado, radicaliza ainda mais a afirmação da maldade humana. Afirma ser esse um ingrediente produtor de prazeres. Ou seja, produzir maldades produz prazeres... diz o pensador: “É verdade que repugna à delicadeza, mais ainda, a hipocrisia de animais domesticados (quero dizer os homens modernos, quero dizer nós) representar-se com todo o rigor até que ponto a crueldade era alegria festiva na humanidade primitiva e entrava como ingrediente em quase todos os seus prazeres”. No mesmo livro, na mesma página, no mesmo parágrafo, Nietzsche continua: “Indiquei já de maneira circunspeta a espiritualização e a ‘deificação’ da crueldade que não cessa de crescer e atravessa toda a história da cultura superior”.

Alguém, desavisado, poderia perguntar: qual é essa “cultura superior” que tem feito a “espiritualização e a ‘deificação’ da crueldade”? Qual é a sociedade em que se vê o crescimento da crueldade? Inicialmente a cultura alemã, à qual o pensador analisa e, por extensão, a sociedade cristã oriental em que todos estamos inseridos.

Não gostamos de sofrer, mas nos divertimos com o sofrimento alheio. Uma afirmação deste tipo pode parecer repugnante, mas como, de outra forma, explicar a crescente onda de violência, desde o colo das famílias até as mais altas rodas sociais? Nada escapa ao crescendo da violência. E, então, para reprimi-la, usamos de violência. Explico-me: os norte-americanos agrediram a vários povos orientais – violentando suas culturas, seus governos... – em nome do lucro. Alguns desses povos reagiram derrubando as “torres gêmeas” (em setembro de 2001). A contra reação norte americana foi a guerra. Contra a guerra, constantes atentados terroristas... (evidentemente não estamos analisando, aqui, a crescente e lucrativa indústria da guerra, uma demonstração de que a violência, além de fazer bem... e dá lucro).

Outro exemplo: a população urbana cresce. Não crescem as vagas em empregos. Muita gente, na cidade, vive de subemprego, com dificuldades crescentes... aprece o traficante dizendo que distribuir droga dá lucro e cria uma rede de distribuição com gente desempregada ou esfomeada. A reação da sociedade é atiçar a polícia contra eles. Estabelece-se uma guerra urbana: um atira de um lado, recebendo como resposta outro tiro... amplia-se a espiral da violência ... e jornais e TV e rádio e internet transmitem, ao vivo, as cenas de violência, para um público sedento de sangue. E as pessoas se satisfazem, se sentem gratificadas quando a polícia elimina o meliante, em transmissão ao vivo, em cadeia nacional.

É claro que, como disse Nietzsche, no trecho acima, isso pode parecer repugnante (como ele diz? “repugna à delicadeza”). O fato é que a mídia sobrevive da notícia e o consumidor da noticia – a população – está sedenta de violência e crueldade, para se divertir. Compare o tempo destinado às chamadas “boas” noticias em relação ao tempo destinado às tragédias. Diante dessa diferença, em favor da desgraça, muitos diriam que a mídia “parece que gosta de divulgar coisas ruins”. Mas a mídia transmite o que as pessoas gostam de ver! As pessoas gostam, preferem, as tragédias.

Então não podemos dizer que é repugnante o que a mídia faz, mas é repugnante a tendência da sociedade em se divertir assistindo a desgraça dos outros. É verdade que nos emocionamos com cenas e situações em que o altruísmo se manifesta. Mas, não é menos verdade que nos detemos por horas assistindo a desgraça alheia. Podemos até nos solidarizar com a vítima, mas fazemos isso para mais nos sentirmos superiores; para nos colocarmos em posição privilegiada pois “ver sofrer faz bem”... nos lembra que estamos bem! E essa é a face cruel da violência.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

Fonte:Nivaldocordeiro

Nenhum comentário: