segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A traição como ela é


Na política, um acordo pode ter prazo ou data de validade. A depender de um interesse, uma verdade dita hoje amanhã já se tornou obsoleta ou esquecida. A máxima de Nicolau Maquiavel ``os fins justificam os meios``, escrita em 1514, serve como desculpa para justificar muitas atitudes contraditórias ou incoerentes, para não dizer traidoras. Teórico do poder, e mais importante, de como se manter no poder, Maquiavel, quase quinhentos anos depois, permanece atual.

Longe de sua frase mais clássica, ao ler o seu texto mais famoso, O Príncipe, encontra-se pérolas e ensinamentos sobre relações políticas. Por exemplo: ``um senhor prudente, portanto, não pode nem deve cumprir a palavra dada quando tal cumprimento se volta contra ele e as razões que levaram a assumir o compromisso não existem mais``.

Seria permitido, portanto, no jogo político a traição? Sem esconder o riso, o cientista político da UFPE, Michel Zadain responde ``os políticos são mais volúveis que os amantes. Os amantes são mais fiéis``. Na política brasileira, trair ou realizar acordos inusitados para chegar ou se manter no poder faz parte do jogo. Se Lula admitiu que, no Brasil, Jesus se aliaria com Judas, por que se espantar quando o presidente abraça a aliança com o senador alagoano Collor de Mello (PTB)? Explicações para essa ``flexibilidade`` são muitas.

Michel Zadain apresenta a atividade política brasileira dividida em três componentes: eleitoral, político e ideológico. Ao primeiro, o mais volátil, recorre-se a fim de ganhar as eleições. Há objetivos periódicos e determinados. O resultado são alianças fugazes entre partidos que nem sempre possuem afinidades programáticas. Uma vez eleito, a gestão precisa de coligações forte para garantir a governabilidade. Os acordos não podem ser tão rasos, quanto nas eleições. O partido com candidato vitorioso necessita de jogo de cintura. Muitos partidos que, às vezes, nem aliados nas eleições foram, poderão camuflar seus discursos, para se aproximar do poder. Por fim, a ideologia, última integrante, carece de um tempo maior para a consolidação e nem sempre consegue se firmar. No Brasil, de acordo com Zadain, o fator ideológico, entre os partidos, é o menos importante.

``Na política propriamente dita, a engenharia para ganhar as eleições se sobrepõe ao componente ideológico``, ressalta Zadain. Com a finalidade de se chegar ao poder, todas as alianças político-partidárias são bem-vindas. Para completar a situação, devido a uma forte herança patriarcal, persiste, no País, de acordo com o pesquisador, o alto grau de personalização política e uma baixa institucionalização dos partidos. Pensa-se a legenda com a organização social de uma família. ``Os partidos vão ser parecidos com a casa da Mãe Joana, com chefe e sub-chefe``, brinca

Pluripartidário
Além da análise antropológica, para o cientista político da UNB, David Fleischer, é inevitável pensar na governabilidade brasileira sem uma política de coalizão. Com o número elevado de partidos, 27, quase todos com representatividade no Congresso Nacional, torna-se basicamente impossível não buscar apoios. ``O Lula teve muito jogo de cintura. Muito militante do PT não concordou quando o governo Lula aceitou o PTB na coalizão, nem o PL. Esses sacrifícios são para governar``, pondera.

``O Sebrae fala em pequenas empresas grande negócios. Eu sempre digo, pequenos partidos grandes negócios``, ironiza. Uma das possíveis soluções proposta por Fleischer seria uma reforma eleitoral em que contemplasse três mudanças: fechar a lista de parlamentares, ou seja, o voto do cidadão é no partido, e a sigla escolhe quais serão seus representantes no Congresso; impedir coligações em eleições proporcionais, priorizando a nacional e aprovar a cláusula de barreira que impede a formulação de partidos nanicos.

Sobre partidos pequenos, Zadain tem uma ``lei de ferro``: ``quando o partido é novo, vale a pena investir na sua marca, no seu nome, na sua visibilidade, depois não rende fruto, não tem resultado``. Se permanecerem sempre com o mesmo discurso, logo são tachados de sectários ou iludidos. Para um partido de esquerda ganhar espaço, ele precisa se trair e mudar suas palavras de ordem. Um discurso radical, explica Zadain, não atrai o eleitorado brasileiro, avaliado por ele como de centro. ``No Brasil, precisa ser de centro, para poder concorrer e ganhar as eleições``, enfatiza.

Por isso, nada mais coerente de que voltar ao pensamento de Maquiavel, quando diz que ``o desejo de conquista é coisa verdadeiramente muito natural e ordinária, e sempre que os homens capazes da conquista a realizam serão por isso louvados e não censurados; mas quando não a podem fazer e desejam fazê-la de qualquer modo, eis que estarão presentes o erro e a censura``. Traição, incoerência ou mudança? Nas próximas páginas, O POVO discute o assunto.

FATOS HISTÓRICOS PERSONAGENS

> Carlos Lacerda. Lacerda mudava de opinião política como quem mudava de camisa. Um dos casos mais curiosos foi de sua relação com o presidente Jânio Quadros (1917-1992). Em 1953, durante a campanha de Jânio para a prefeitura de São Paulo, Lacerda elogiou o candidato como alguém ``capaz de dar a vida pelo que promete``. Já quando Jânio exercia o governo do estado de São Paulo, Lacerda escreve ``O sr. Jânio Quadros é a versão brasileira de Adolph Hitler``. Suas posições controversas atingiam nomes como Juarez Távora, Assis Chateaubriand, Afonso Arinos, marechal Lott. Na década de 60, foi lançada o livro Carreirista da Traição, de Epitácio Caó, compilando as principais incoerências de Lacerda.

> Pedro Collor. Denunciou, em 1992, o escândalo de corrupção envolvendo o seu irmão, Fernando Collor de Melo, então presidente da República, e o seu tesoureiro Paulo César Farias. Pedro, em entrevista na revista Veja, disse que o tesoureiro era testa-de-ferro de Collor. As denuncias vieram após uma disputa entre os dois irmãos pelo comando das empresas de comunicação da família em Alagoas. Segundo Pedro Collor, o irmão queria transformar os veículos em ferramentas políticas, além de tentar criar novas empresas.

> Cristiano Machado. Na sucessão presidencial de 1950, Cristiano Machado, filiado ao PSD, lançou seu nome na disputa. O partido foi contra a candidatura de seu filiado e apoiou o nome de Getúlio Vargas na disputa. Por insistir em sua campanha, criou-se a alcunha de cristianização, por sua atitude. Um dos exemplos mais simbólicos de cristianização na política de Fortaleza foi durante a campanha de Luizianne Lins, em 2004, na disputa pelo município. A contragosto do PT, Luizianne lançou sua candidatura, enquanto seu partido apoiou a candidatura de Inácio Arruda, do PCdoB.

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