segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Dias antes dessa conversa no Mangabeiras, palácio encravado no topo da cidade de Belo Horizonte, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, esteve em

Dias antes dessa conversa no Mangabeiras, palácio encravado no topo da cidade de Belo Horizonte, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, esteve em São Paulo reunido com o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e com o presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Na entrevista exclusiva, a primeira desde que a 17 de dezembro anunciou desistência da pré-candidatura à presidência da República, Aécio Neves diz publicamente, também pela primeira vez, que é "zero" a chance de ser candidato a vice-presidente da República numa eventual chapa encabeçada pelo governador José Serra (SP).

Depois de abrir mão de sua pré-candidatura, por discordar dos atrasos nas decisões internas do PSDB, o governador mineiro se revela atento ao que considera uma "armadilha" eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aécio diagnostica: para robustecer a candidatura da ministra Dilma Rousseff, o PT articula um discurso de divisão do País entre "ricos e pobres", "nós e eles".

"Nós teremos que fugir da armadilha que, de forma autoritária, vem sendo preparada", alerta o governador na entrevista a Terra Magazine. Entende Aécio que a transferência de votos do presidente para Dilma, ungida como sucessora, tem um limite:

- É algo muito relativo e as qualidades do candidato terão que se acentuar ao longo da campanha...

Uma vez mais, Aécio atenta para o risco de um "programa autoritário" do PT para dividir o Brasil muito além das divergências com o PSDB.

- Eu confesso a você que me surpreendi com o vigor do programa do PT já nessa linha que eu chamarei de autoritária, porque ela não serve ao país, ela é falsa, não é real, não existe essa coisa... Vamos fugir desse maniqueísmo ou, como eu disse, dessa posição autoritária de criar uma divisão no País que não interessa a absolutamente ninguém.

No dia 17 de dezembro Aécio anunciou que não seria mais pré-candidato do PSDB à presidência da República porque uma "construção com essa dimensão e complexidade não poderia ser realizada às vésperas das eleições". Três dias depois, Terra Magazine adiantou com exclusividade o que hoje o governador de Minas revela publicamente, que não aceitaria ser vice numa chapa com o governador de São Paulo, José Serra.

Agora, volta a enfatizar a "chance zero" dessa candidatura puro-sangue:

- ... Eu reconheço e respeito a posição de alguns companheiros que gostariam de ver uma chapa composta pelo governador Serra e por mim. Mas, da mesma forma que respeito essa posição, é natural que eles respeitem o meu ponto de vista de que essa chapa não é adequada para nós vencermos as eleições.

Para Aécio, depois que deixar o poder em 2011 o presidente Lula poderá ter um papel destacado entre as lideranças dos países emergentes. Elenca a possibilidade de o líder petista ter "destaque em alguns desses organismos internacionais", como Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA), mas ressalva que esse cenário dependerá da forma como o presidente conduzirá a máquina pública durante as eleições.

- Não cabe a mim, aqui, lançar o presidente Lula a presidente da ONU, da OEA, mas eu acho que ele encontrará apoios importantes em países em desenvolvimento para ser, quem sabe, aquilo que alguns analistas internacionais buscaram caracterizar como um dos mais importantes porta-vozes dos países em desenvolvimento. Mas, para isso, é fundamental que ele, no processo eleitoral, não se curve à sedução de utilização da máquina pública (...) numa disputa que tem que ser transparente.

Ex-deputado federal por 16 anos e presidente da Câmara, governador de Minas por duas vezes, Aécio prepara-se para deixar o governo no final de março e jogar-se nos 853 municípios de Minas em busca da eleição do seu candidato, o hoje vice-governador Antonio Anastasia. Para tanto, ao menos uma obra importante por município até outubro.

Trabalho gigantesco, como certamente foi chegar ao 8° ano de governo com uma popularidade na casa dos 80%, mas nem por isso Aécio Neves deixa de lado a filosofia de que a vida é para ser vivida na plenitude possível; o bronzeado dá pistas do verão. Se no inevitável Rio de Janeiro e em Angra a chuva foi muita, sol não faltou na trilha de moto pelo nordeste na companhia dos amigos de sempre.

Janeiro já no meio, é hora do batente. Na conversa que se segue, algo do que pensa e pretende aquele que, de uma maneira ou de outra, será personagem decisivo no ano eleitoral de 2010.

Veja a entrevista

Terra Magazine - Estamos aqui em Minas Gerais, no Palácio das Mangabeiras, com o governador Aécio Neves. Qual é a possibilidade de o senhor vir a ser candidato a vice-presidente numa chapa do PSDB?
Aécio Neves - É um prazer enorme estar falando com você na minha primeira entrevista após o meu anúncio de que deixaria o PSDB à vontade para construir sua candidatura. Disse então que voltaria minhas forças e as minhas atenções para as coisas de Minas Gerais. Eu reconheço e respeito a posição de alguns companheiros que gostariam de ver uma chapa composta pelo governador Serra e por mim. Mas, da mesma forma que respeito essa posição, é natural que eles respeitem o meu ponto de vista de que essa chapa não é adequada para nós vencermos as eleições.
O quadro partidário brasileiro é extremamente plural, nós devemos absorver outras forças políticas. Não acho que eu possa ajudar mais uma candidatura do PSDB do que estando em Minas Gerais, eventualmente como candidato ao Senado, ajudando a dar a vitória ao nosso candidato ao governo de Minas Gerais e ao nosso candidato a presidente da República, mas para isso eu precisarei me dedicar profundamente às questões mineiras. Portanto, não existe, nem cogito essa possibilidade de disputar a vice-presidência da República. Coloquei meu nome para candidato à Presidência, para a construção de uma nova convergência política no Brasil, de um governo que olhasse para o futuro, aquilo que eu chamei o pós-Lula. O partido, e eu respeito essa posição, optou por caminhar em outra direção. Cabe a mim cuidar das coisas de Minas e apoiar o candidato do meu partido.

A lógica política mineira impõe que agora o senhor esteja aqui, é isso? O candidato a vice teria que percorrer o país e seu candidato ficaria aqui...
Nunca trabalhei a questão da presidência da República como uma obsessão, com um imediatismo enorme de que tenho que ser candidato a qualquer custo. Apresentei uma alternativa ao partido, como lhe disse, que poderia absorver inclusive algumas forças que hoje estão na base do governo e que pudesse olhar para o futuro de forma mais convergente. Mas o partido tem outro extraordinário nome.

Eram duas praticamente as propostas de aglutinação, percorrer o país e as chamadas prévias. Mas a coisa começou a ser empurrada com a barriga...
Isso. No momento em que o partido se viu em dificuldade para construir as prévias... Cabe a mim reconhecer que as dificuldades realmente ocorreram. E o partido sempre teve um nome qualificado e sempre muito bem posicionado nas pesquisas, não poderia ser desprezado, o companheiro José Serra. No momento em que eu percebi que essas prévias não ocorreriam e que a minha postulação poderia causar embaraços ao partido, e aí sim, prejudicar de alguma forma a articulação dos palanques regionais, eu me coloco novamente como soldado do partido, mergulhado nas questões mineiras. Quero vencer as eleições em Minas Gerais, para dar continuidade ao nosso projeto de governo, e quero ajudar a partir de Minas Gerais o nosso candidato à presidência da República. Esse será meu papel na sucessão presidencial.

O senhor acredita que teria um espectro maior de apoios se tivesse sido o candidato?
Olha, as manifestações não foram minhas, foram públicas, de dirigentes de inúmeros partidos diferentes...

Do PP, PDT, PTB, PMDB...
Figuras como Ciro Gomes, por exemplo... um candidato muito bem posicionado nas pesquisas, me disse inúmeras vezes que a sua candidatura não seria necessária se houvesse a minha candidatura. Mas o fato é que eu saio desse processo sem qualquer rancor. Acho que o governador José Serra é um nome extremamente qualificado. Obviamente, nós teremos que fugir da armadilha que, de forma autoritária, vem sendo preparada: ricos contra pobres, nós ou eles... O que está em jogo não é isso. Nós temos que construir um discurso que aponte para o futuro, que valorize as conquistas que o Brasil vem tendo desde Itamar Franco, com a concepção do Plano Real, passando por Fernando Henrique com sua consolidação, com a modernização da economia, com o início dos programas sociais, com a formulação macroeconômica de câmbio flutuante, de metas econômicas, de superávit primário... Esses avanços continuam com o presidente Lula. Os avanços dos programas sociais são claros, inquestionáveis, mas precisamos avançar muito mais. Uma eventual candidatura minha apontaria para esse futuro. Eu acho que é esse o esforço que nós temos que fazer no momento em que o governador Serra confirmar a sua candidatura, para que ela também apresente um olhar para o futuro, e não apenas uma disputa entre perfis, entre personalidades e entre governos que já terão passado, inclusive o do presidente Lula.

Essa reiteração de seu nome como vice, essas plantações diárias na mídia, isso não termina por previamente desqualificar o eventual candidato a vice que não seja o governador de Minas?
Tenho feito esse alerta a alguns companheiros que, de boa intenção, sem nenhuma má fé, gostariam de ver essa chapa. Tenho demonstrado que a contribuição maior que eu posso dar nesse momento é garantir nossa vitória em Minas Gerais. Para isso, devo ficar em Minas Gerais. Tenho alertado alguns companheiros para que, exatamente, não gerem uma expectativa maior em torno de algo que é muito pouco provável que aconteça e amanhã crie uma determinada frustração e dificulte até a presença forte de outro nome na chapa. Existem nomes qualificados, em vários partidos, que devem a partir de agora ser analisados.

O governador Serra não se declarou ainda candidato. E se a coisa chegar mais adiante e ele não se declarar candidato?
(Risos) Não trabalho com essa expectativa. No momento em que eu deixo a disputa presidencial, faço isso com desprendimento, faço isso com o olhar para o futuro do país. Reconheço avanços no período do presidente Lula. Boa parte deles também estimulados pelo momento de expansão da economia internacional, com reflexos positivos no País, mas eu acho que está na hora de encerrar esse ciclo, para que nós possamos ter um ciclo de governo com uma visão mais moderna do mundo, uma visão de gestão pública mais adequada, onde a eficiência seja uma busca permanente e não apenas o alargamento da base do Estado, sem qualquer contrapartida que gere melhores serviços à população. Temos que encerrar esse ciclo do crescimento exorbitante dos gastos correntes, com prejuízos graves aos investimentos estruturadores do País. Para isso, um governo do PSDB, com novos aliados, oxigenado, que desaparelhe a máquina pública. Jamais nós tivemos um aparelhamento tão brutal, acompanhado de ineficiência e outros vícios piores do que esse.

O aparelhamento é mesmo um fato, no seu entender?
Aqui parodiando o meu amigo presidente Lula, diria que "jamais na história do País" nós tivemos um governo tão aparelhado, onde a meritocracia deu espaço à filiação partidária. Houve um desmonte de setores importantes do governo, onde gente qualificada, sem vínculo partidário, deu lugar àqueles que estavam na aliança ou no próprio Partido dos Trabalhadores. Eu digo que eu sou talvez o principal herdeiro das viúvas do presidente Fernando Henrique, porque no meu governo, no momento em que foram desalojadas figuras técnicas, de segundo e terceiro escalão, extremamente qualificadas, eu as trouxe para Minas Gerais. No meu governo, se você me perguntar hoje, o que deve ter menos é gente filiada ao PSDB, mesmo porque essa não foi uma orientação para nós montarmos o governo. A busca foi por pessoas qualificadas.
Eu tenho hoje mais de 40 técnicos do governo federal, de nível intermediário, extraordinários, que estão permitindo a Minas Gerais dar esse salto que o Estado está vivendo e ao meu governo ter a avaliação extraordinária que teve em todos os sete anos de governo. As pesquisas foram feitas em vários os Estados, foi sempre o governo de melhor avaliação. Por quê? Não pela figura do governador, mas pela qualificação das pessoas. Eu gostaria, aí falando como brasileiro, de ver isso no Brasil. Um governo onde a qualificação das pessoas fosse a razão principal para elas ocuparem um cargo público. E acho que, para isso, é preciso encerrarmos esse ciclo do PT.

Nesse cenário, como você vê a candidatura Dilma?
Vejo a ministra Dilma como uma mulher extremamente preparada, mas que vai enfrentar percalços. Uma candidatura presidencial não é para amadores. Uma campanha presidencial traz componentes novos a cada dia...

Você está repetindo uma frase de seu avô, no dia em que Paulo Maluf ganhou a candidatura...
(Risos)

Então a Soninha (à época repórter da Rádio Jornal do Brasil) disse: "Ah, o Maluf..." E Tancredo: "Ele nunca enfrentou um profissional".
(Risos) "Agora ele vai enfrentar um profissional...". Então, eu não tiro as virtudes da ministra Dilma, se não ela não seria candidata, mas ela vai ter muitos percalços pela frente. Essa coisa da transferência é algo muito relativo e as qualidades do candidato terão que se acentuar ao longo da campanha. Porque a tendência... Hoje, o que ocorre no campo governista? A figura do Lula ocupa 80% da mídia e, a da candidata (Dilma), 20%. É algo mais ou menos por aí. No início da campanha, no início da propaganda eleitoral, até estrategicamente, não é possível que alguém que não é candidato sobrepor-se de forma tão forte, até pela força de sua personalidade, a quem é candidato. E vou reconhecer que aqui em Minas Gerais, em Belo Horizonte, nós quase cometemos esse equívoco. No momento em que eu e o prefeito Fernando Pimentel (NR: do PT) apoiamos Marcio Lacerda, ele teve um crescimento, em duas semanas, de 3% a 5% para 40%, mas num determinado momento nós estávamos sufocando a personalidade do candidato.

E quase...
E aí houve um crescimento do adversário. O Brasil demorou mais de vinte anos - e você acompanhou tão perto, eu me lembro tanto de você durante o processo das Diretas e depois a eleição de Tancredo -, o Brasil demorou muito tempo para que o cidadão pudesse, ele próprio, escolher o seu presidente da República. E não acredito que o Brasil, por mais respeito que possa ter pelo presidente Lula, delegará a ele, exclusivamente, a escolha do próximo presidente da República. Então, o apoio do presidente será importante, mas a tendência é que, ao longo da campanha, a candidata tenha que se manifestar, é ela que tem que olhar nos olhos das pessoas e gerar confiança, inspirar confiabilidade, esperança em relação ao futuro. Não será uma eleição fácil para lado nenhum, mas eu acredito que nós, do PSDB, temos uma extraordinária chance de vencer as eleições.

E você acha que há possibilidade de fugir dessa futebolização, desse "nós e eles", do "ricos e pobres"?
Nosso grande desafio. Eu confesso a você que me surpreendi com o vigor do programa do PT já nessa linha que eu chamarei de autoritária, porque ela não serve ao país, ela é falsa, não é real, não existe essa coisa. Eu, por exemplo, não acho que alguém só por estar ao meu lado, me apoiar politicamente, só tem virtudes. E alguém que está do outro lado, só tem defeitos. O PT quer consagrar isso, como se eles fossem os bons e nós fossemos os maus. Como se o governo do presidente Lula não fosse, em grande parte, uma sucessão dos êxitos do governo do presidente Fernando Henrique. A grande ruptura que houve no Brasil contemporâneo, no Brasil recente, não foi no momento em que Fernando Henrique sai do governo e entra o presidente Lula. Ali houve uma continuidade na condução macroeconômica, nos programas sociais. A grande ruptura se deu quando sai Collor e inicia-se o governo do presidente Itamar, consolida-se o Plano Real e acaba-se com a inflação no País.
Ali foi a grande ruptura. Os petistas não gostam dessa minha análise, mas os historiadores, no futuro, mais isentos, fora das paixões eleitorais, tenderão a interpretar esse período que se inicia com Itamar Franco, Fernando Henrique no Ministério da Fazenda, os oito anos de Fernando Henrique, os oito anos de Lula, como um só momento virtuoso, de continuidade na vida pública brasileira, sobretudo na condução macroeconômica. A grande questão agora não é ficarmos fazendo uma comparação de governos que viveram cenários diferentes. A questão é o que ficou por fazer, quem é que tem as melhores condições de construir e agregar forças para fazer as reformas tributária, primeiro talvez a política, a da Previdência, a do Estado, tornando o Estado realmente eficiente. É isso que nós devemos trazer para o debate. Dessa forma, vamos fugir desse maniqueísmo ou, como eu disse, dessa posição autoritária de criar uma divisão no País que não interessa a absolutamente ninguém.

Independente dos fatos, por que esse certo estigma, que é detectado nas pesquisas, em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso?
Eu acho que a história, neste momento, não está fazendo justiça ao governo do presidente Fernando Henrique. No futuro, fará. A história é isso, quanto mais distante dos fatos, mais isenta é a avaliação. O presidente enfrentou pelo menos quatro grandes e graves crises internacionais, mas teve a grande virtude de agir de forma extremamente democrática, seja do ponto de vista da gestão do Estado brasileiro, ou do ponto de vista da visão mais moderna de mundo. Foi o presidente Fernando Henrique o principal responsável pelo início da modernização do Estado brasileiro. Tivemos percalços, o segundo mandato teve muitos problemas, e eu reconheço esses problemas. O presidente Lula, que teve a responsabilidade, contrariando o seu discurso, de manter a política macroeconômica do governo anterior, foi beneficiado. E tem também aquilo que dizia Nicolau Maquiavel (NR: pensador italiano autor de O Príncipe) é preciso que o governante tenha fortuna, tenha sorte também. Ele teve seis anos extremamente tranquilos, com um tripé, eu diria, que raramente um governante, em qualquer tempo no Brasil e mesmo fora do Brasil, conseguiu ter: expansão econômica internacional, com reflexos muito positivos no Brasil; o segundo pé desse tripé, os indicadores macroeconômicos sólidos, inflação na meta, câmbio flutuando de forma razoavelmente adequada; e o terceiro pé, uma popularidade na estratosfera, e com uma ampla base de apoio no Congresso...

...mas a popularidade é fruto da sua própria...
...tudo bem, até por sua personalidade. Ele teve essa conjunção de fatores num só momento e não utilizou. Aí a crítica política que eu faço. Você sabe que eu tenho uma relação pessoal com o presidente, que não é, de alguma forma...

Antagônica?
Ela não é abalada por nossas divergências políticas, enfim, que são naturais, mas ele perdeu a oportunidade, na conjunção desses fatores positivos, de enfrentar as reformas, de enfrentar os contenciosos que precisaria enfrentar. A reforma política, que era o grande discurso da reeleição, no momento em que começou a contrariar alguns partidos que faziam parte da base foi para a prateleira, a reforma tributária foi jogada ao Congresso Nacional sem que o governo enfrentasse os contenciosos, sem que tomasse partido. Permitiu que a disputa entre as regiões e os Estados prevalecesse. Enfim, nós não votamos nada de efetivamente consistente e transformador no governo do presidente Lula.

Antes de voltarmos ao presidente Lula e ao papel dele depois de 2010, o que faria um presidente do PSDB com um Congresso funcionando como funciona?
Olha, eu conheço um pouco o Congresso, estive por 16 anos na Câmara, ocupando todos os cargos possíveis, e no Executivo agreguei a minha experiência outras convicções. E a principal delas é de que as reformas estruturantes, aquelas profundas, que mexem com interesses, que geram contrariedade, tem que ser feitas em início de governo, quando o governante está com capital...

Com Constituinte exclusiva?
Eu acho que nem é necessário. O governo do presidente Lula, se iniciasse o primeiro mês de Congresso funcionando, com uma agenda clara colocasse à sociedade, levaria uma parte do Congresso a aderir a ela, até sob o risco de ficar contra a opinião pública. Claro que é em nível regional, numa outra escala, mas nós fizemos isso em Minas Gerais. O meu governo, se ele tem êxitos, e hoje nós estamos colhendo os resultados sociais, os melhores do Brasil, com expansão econômica, isso é fruto em boa parte das medidas que eu tomei não foi no primeiro ano, não, mas nos primeiros 30 dias de governo, quando nós diminuímos a estrutura do Estado, estabelecemos metas de desempenho para os servidores públicos, sistemas de controle para esse desempenho, prioridades que eram claras e não eram interrompidas em função do humor de um ou de outro secretário. Eu acho que perdeu-se o grande momento das reformas. Você falar da reforma constitucional a um ou dois anos do fim do governo, é criar um factóide político, como foi feito com a reforma tributária, por exemplo.

Que papel imagina para o presidente Lula a partir de 2010?
Acho que um papel de destaque. O presidente Lula tem, ao final de seu mandato, uma oportunidade extraordinária de, mesmo apoiando a sua candidata - é legítimo, é democrático, é absolutamente razoável que o faça -, manter-se absolutamente dentro dos limites do Estado de Direito, passando bons exemplos à sociedade brasileira, pra continuar tendo a continuidade da credibilidade que hoje ele tem no mundo. É inevitável. Quem viaja pelo mundo reconhece hoje que o presidente Lula, até mesmo pela situação pela qual passa o Brasil, é uma voz ouvida por setores importantes da comunidade internacional. E acho que ele poderá, se for a sua vontade, ter um papel de destaque em alguns desses organismos internacionais. Não cabe a mim, aqui, lançar o presidente Lula a presidente da ONU, da OEA, mas eu acho que ele encontrará apoios importantes em países em desenvolvimento para ser, quem sabe, aquilo que alguns analistas internacionais buscaram caracterizar como um dos mais importantes porta-vozes dos países em desenvolvimento. Mas, para isso, é fundamental que ele, no processo eleitoral, não se curve à sedução de utilização da máquina pública e à utilização exagerada do Estado numa disputa que tem que ser transparente. Até porque o Brasil merece uma disputa onde todos tenham possibilidades iguais.

Se o senhor viesse a ser o candidato, imagina que teria o PMDB ou ao seu lado, ou pelo menos não ao lado da ministra Dilma?
O que eu posso dizer é que eu estaria conversando com o PMDB, como estive conversando com o PMDB ao longo desse processo. Eu dizia que ficaria no PSDB, continuo achando que é a minha trincheira, mas eu buscaria atrair setores do PMDB para essa convergência, para essa nova construção, como fiz com outros partidos políticos. Muitos duvidavam da minha permanência no PSDB, mas, por incrível que pareça, Bob, às vezes, na política, as coisas são o que parecem ser. Então, eu estou muito tranquilo com a decisão que tomei, tenho uma responsabilidade enorme com Minas, que é dar continuidade a esse grande laboratório de gestão pública, que é reconhecido hoje pelo Banco Mundial como o mais exitoso processo administrativo em curso nos países federados do mundo. Essa é a avaliação do Banco Mundial, que adota o modelo mineiro para estimular Estados de outros países a irem na mesma direção. Então, eu deixo um governo com aprovação da população acima de 90% e sabendo que a gente tem um papel, e qual é o papel? No futuro governo do PSDB, ajudar a introduzir algumas dessas experiências que nós vivemos em Minas Gerais, principalmente do Estado eficiente.
Todos nós, ao longo de nossas vidas, e quem está nos acompanhando certamente concordará comigo, fomos, de certa forma, passivos diante da ineficiência do Estado. E até compreensivos em relação a essa ineficiência. Nós dizíamos: "Não, o Estado é assim mesmo, pelos indicadores legais, pelas ingerências políticas". Nós fomos complacentes com o Estado ineficiente. Em Minas, nós construímos uma agenda de resultados. Estamos mostrando que, desde que você tenha disposição política, pessoas qualificadas sem amarras partidárias nos locais certos e metas a serem alcançadas, o Estado pode ser eficiente. Eficiência do Estado implica em quê? Melhoria dos indicadores sociais, diminuição da mortalidade infantil, melhoria da educação, ampliação dos investimentos em infra-estrutura, mais oportunidades de emprego... Essa é a herança, esse é o legado que nós vamos deixar em Minas Gerais. Eu espero, com nosso sucessor, poder manter por um tempo mais.

Para encerrar, em bom português, está finda a era do factóide "vice"? Chance zero, é isso?
Chance zero. Daria uma grande contribuição ao meu partido me colocando à disposição dos companheiros de outros Estados, que me julguem de alguma forma estimulador às suas eleições. Eu vou me dedicar a Minas Gerais para vencer o governo do Estado e a presidência da República com aquele que vier a ser o nosso candidato. Estou muito otimista. Acho que por mais que haja, do ponto de vista da comunicação, uma pressão e uma presença da candidatura do governo muito forte, vai ficar claro no momento da decisão que o que está em jogo são duas propostas distintas, e não essa falsa dicotomia do "nós e eles", dos pobres contra ricos. O que vai estar em jogo é quem tem as melhores condições de fazer o Brasil avançar e estar realmente à altura do papel que o mundo espera que o Brasil possa desempenhar. É hora de deixarmos para trás o Estado aparelhado e ineficiente, e inaugurarmos uma nova era com mais otimismo, com mais convergência, sem ódios, sem perseguições, sem rancores... Enfim, olhando com muita generosidade para o futuro. Eu quero ajudar a construir esse futuro.


Fonte: Terra Magazine

Nenhum comentário: