quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Sorriso de Nicolau -Maurizio Viroli



“Nicolau, assim, deixa a obscuridade e torna-se chefe da Segunda Chancelaria, onde eram tratados os problemas relativos ao domínio e à política externa de Florença. É um jovem desconhecido, inexperiente em política, mas já marcado pelos importantes acontecimentos que assistira, ou dos quais se recordava: os corpos dos Pazzi, arrastados pelas ruas de Florença ou enforcados nas janelas do Palazzo Vecchio; a entrada de Carlos VIII, que tornava evidente a debilidade de Florença e da Itália; o odor acre do corpo de Savonarola ardendo na Piazza della Signoria (...).”

Nicolau Maquiavel não foi unicamente o autor de O príncipe, isto é, da obra fundadora do pensamento político moderno. Era também uma personalidade complexa, inquieta, inclinada a viver as mais diversas experiências.

O pesquisador e professor da Universidade de Princeton Maurizio Viroli descortina nesta aprimorada biografia os encontros de Maquiavel com os poderosos, as amizades, os amores, as viagens, seus sucessos e suas derrotas.

No entorno da vida de Maquiavel descobrimos a Florença dos Medici, mas também as infindáveis intrigas palacianas dos Estados italianos do século XVI, século cheio de brilho mas rico em reviravoltas e golpes de teatro.
“Sempre fui fascinado pelo pensamento político e pela escritura de Maquiavel e, sobretudo, pelo seu modo singular de rir da vida e dos homens. Escrevi estas páginas para compreender o significado do sorriso que emerge de suas cartas, suas obras e de alguns retratos seus, pois acredito que esse sorriso encerra uma grande sabedoria de vida, ainda mais profunda do que o seu pensamento político”, escreve Maurizio Viroli logo no início desta biografia que enlaça estreitamente história pública e vida pessoal.



Trechos

Durante toda a vida, Nicolau empregou suas energias no intuito de convencer os poderosos da Itália a libertar o país do domínio dos estrangeiros que mandavam e desmandavam com seus exércitos. Todavia, poucas semanas antes de sua morte, cumpriu-se o último e mais grave ato de toda a tragédia italiana. Em 6 de maio de 1527, um exército formado por soldados da infantaria espanhola e pelos terríveis mercenários alemães, sob o comando do duque Carlos de Bourbon, tomou de assalto os muros de Roma. [...] Após poucas horas de combate, Roma caiu em poder dos espanhóis e dos mercenários. Os espanhóis estavam sedentos de violência e de despojos de guerra; os mercenários alemães, fervorosos protestantes, ávidos de violência, de despojos e de vingança contra os odiados católicos. É o saque de Roma. (p. 19)

O raciocínio era impecável. Maquiavel sabia, porém, que os florentinos, avarentos e pouco argutos, argumentariam que o rei da França estaria ali para protegê-los e que o perigo representado por César Bórgia fora afastado. Não haveria, assim, necessidade alguma de desembolsar mais dinheiro. Maquiavel explica que essa opinião era temerária, ´pois toda cidade e Estado deve considerar inimigo qualquer um que julgue poder ocupar o seu Estado e todo aquele contra o qual não seja possível defender-se´. Nenhum Estado que viva na dependência de um outro jamais estará em segurança. (p. 91)

Para Maquiavel, como sabemos, a política é feita pelos homens, com suas paixões, seu temperamento e suas fantasias. Para ele, era necessário, pois, compreender o espírito dos príncipes que encontrava, sondando profundamente suas almas, examinando por detrás de suas máscaras e simulações. Escreveu que ´a natureza fácil e boa´ fazia com que ele fosse facilmente enganado por qualquer um daqueles que o rodeavam. Um cortesão dissera a Maquiavel, entretanto, que qualquer homem poderia enganar o imperador, mas apenas uma vez. Nicolau retrucou dizendo que os homens e os problemas são tão inúmeros que, dessa maneira, o imperador poderia ser enganado a cada dia por um homem diferente. Não sabemos que efeito tal resposta causou ao cortesão, embora muitos soubessem que Maquiavel era um grande zombador. (p. 125)

Todos sabiam muito bem, continua Maquiavel, que o principal dever de qualquer príncipe é “evitar ser odiado ou desprezado”, seja pelos seus súditos, seja pelos seus aliados. Permanecer neutro entre dois combatentes significava, no entanto, a possibilidade de ser odiado e desprezado. Odiado por aquele que, entre os dois adversários, julgasse o príncipe (nesse caso particular, o papa) obrigado a estar a seu favor, ou em nome de uma antiga amizade, ou como pagamento de favores recebidos. E desprezado pelo outro contendor, que julgaria o príncipe tímido e indeciso, isto é, um “amigo inútil” ou um inimigo que não é capaz de infundir temor. (p. 209)

Qualquer um que procure refletir sobre tudo isso, escreve Maquiavel, não pode deixar de sentir dentro de si ódio pela tirania e um forte desejo de imitar os bons príncipes. Em outras palavras, aquele que realmente busca a verdadeira glória deveria procurar viver em uma cidade corrupta, não para arruiná-la ainda mais, como César, mas para reordená-la, como Rômulo. (p. 219)

[Maquiavel] despediu-se do mundo dizendo que preferia ir para o inferno em companhia dos grandes da antigüidade, para discutir sobre os grandes assuntos da política, a ir ao paraíso, para junto dos beatos e dos santos. Foi sua última pilhéria, contada para rir com os amigos do inferno e do paraíso, para que compreendessem que ele era sempre o mesmo “Machia”, e que nem mesmo a morte podia apagar aquele sorriso e petrificar seu rosto com a máscara do medo. (p. 295)

Um comentário:

Ricardo disse...

É... amigo Roberson, esse é mais um dos livros que estão "pegando poeira" na minha estante sem serem lidos. Já o comprei há muito, mas até hoje não o li. Se bem que bastou ler o trecho "[Maquiavel] despediu-se do mundo dizendo que preferia ir para o inferno em companhia dos grandes da antigüidade, para discutir sobre os grandes assuntos da política, a ir ao paraíso, para junto dos beatos e dos santos", que já deu vontade de fazê-lo.
Grande abraço.