quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Maquiavel e o surgimento das teorias modernas de estado e política

Na abordagem que encontramos em O Príncipe, Maquiavel inaugura a ciência política. A política passa a ter contornos de uma ciência autônoma separada da moral e da religião medievais. A condição da Itália, convulsionada por crises políticas, ameaças externas e ausência de unidade nacional, influencia diretamente em O Príncipe. A obra, claramente, deixa transparecer a amargura e descrença do autor em relação à condição humana. Quando a escreveu, Maquiavel desempenhava funções políticas, administrativas e diplomáticas em Florença. Tinha caído em desgraça e havia sofrido pena de prisão. A intenção da obra foi encontrar um processo que unificasse a Itália e fundasse um Estado duradouro.

Ao descrever o processo real da formação do Estado moderno, através do absolutismo, Maquiavel não se ocupa da moral. Trata da política e identifica as leis específicas da política enquanto ciência. Com isso, apresenta o seu principal ensinamento, que é a separação da ética e da moral aristotélica da política.

Diferentemente de Aristóteles, para Maquiavel, o Estado não tem como função principal assegurar a felicidade e a virtude. Ao contrário do pensamento medieval, este Estado não é mais a preparação dos homens para o reino de Deus. O Estado passa a ter a sua própria dinâmica, faz política, segue sua técnica e faz suas leis (GRUPPI, 1986).

Logo no início da obra, Maquiavel nos apresenta a sua distinção sobre a realidade efetiva da política e sobre os tipos de Estado:

Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens são Estados: ou são repúblicas ou principados. Os principados, por sua vez, ou são hereditários, neste caso o príncipe é por descendência antiga, ou são novos (MAQUIAVEL,1996, p. 11).


Mais adiante, no decorrer de sua célebre obra, acrescenta que “muitos imaginam repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos realmente [...]”.

E completa afirmando que:
Grande é a diferença entre a maneira em que se vive e aquela em que se deveria viver; assim, quem deixar de fazer o que é de costume para fazer o que deveria ser feito encaminha-se mais para a ruína do que para sua salvação. Porque quem quiser comportar-se em todas as circunstâncias como um homem bom vaiter que perecer entre tantos que não são bons (MAQUIAVEL,1996, p. 43).

Estes trechos de O Príncipe têm um profundo significado para o que podemos chamar de fundação da ciência política contemporânea e da teoria da formação do Estado moderno.

Estas afirmações podem ser feitas em decorrência do seguinte:
1.Embora se imaginem estados ideais, eles de fato não existem, como Platão elaborou na sua “República”.
2. Na política, devemos observar os fatos como eles são e elaborar o que se pode e é necessário fazer, não aquilo que seria certo fazer. Portanto, é necessário conhecer o homem, a sua natureza e agir na realidade efetiva.
3. Finalmentea política é, portanto, a arte do possível, a arte da realidade que pode ser efetivada, que atua a partir das coisas como são e não como deveriam ser. Por outro lado, o centro desta elaboração encontra sua genialidade na separação entre política e moral, distinguindo-se da elaboração aristotélica, pois é a moral que cuida do dever ser (CHAUÍ, 1995).

Maquiavel ainda descortina sobre o comportamento do príncipe em relação à natureza humana e à necessidade das virtudes: Há uma dúvida se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice versa. Deve-se responder que gostaríamos de ter ambas as coisas,sermos amados e temidos; mas como é difícil juntar as duas coisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito mais seguro
sermos temidos do que amados [...] pois dos homens, em geral, podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar. Enquanto você fizer o bem para eles, são todos seus, oferecem-lhe seu próprio sangue, suas posses, suas vidas, seus filhos. Isso tudo até o momento que você não tem necessidade.

Mas quando você precisar, eles viram as costas. [...]
[...] Os homens têm menos escrúpulo de ofender quem se faz
amar do que quem se faz temer. Pois o amor depende de uma
vinculação moral que os homens, sendo malvados, rompem, mas
o temor é mantido por um medo de castigo que não nos abandona
nunca (MAQUIAVEL, 1996, p. 17).


A política tem uma ética e uma lógica próprias. Maquiavel nos apresenta um novo horizonte para se pensar e fazer política, rompendo com o tradicional moralismo piedoso. A resistência a esta compreensão é o que dá origem ao termo “maquiavélico”. O preconceito sobre Maquiavel e sua obra foi fundado como resistência às suas concepções. Ao longo dos séculos, esta resistência acabou nublando a riqueza das descobertas para as ciências do Estado e da política. Na obra de Maquiavel, funda-se uma nova moral: a moral do cidadão, típico destes tempos humanistas: É o homem que edifica o Estado.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Frases Imortais de Maquiavel



"As armas devem ser usadas em última instância, onde e quando os outros meios não bastem."(Nicolau Maquiavel )

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Maquiavel está vivo

Maquiavel retrata muito bem todas as mazelas políticas daquele conturbado século XV, fazendo também análises de tempos mais antigos.
Curiosamente essas idéias sobre as quais escreveu continuam vivas até nossos dias e provavelmente ainda estarão por muito tempo adiante.
Ontem passou um filme na televisão que conta a história de Idi Amim Dada e Uganda.

Em vários momentos as idéias sobre as quais escreveu Maquiavel estão presentes:
- Como aconteceu com todos os grandes imperadores, reis e ditadores ao longo da história, desde os mais remotos tempos, esses, no auge de sua presunção tem a pretensão de ser amado pelo povo e a todo momento repetem isso em público sabendo que na verdade isso é totalmente falso. Essa necessidade de auto estima é característica daquele que acha que alcançou tudo e já está no topo da pirâmide de Maslow.

- Outro aspecto evidenciado pelo comportamento de ditadores desse tipo é a justificação dos meios pelos fins. Então não importa quantas e quais são as barbaridades cometidas. O que importa mesmo é que os objetivos sejam alcançados. Dessa forma, se for necessário um banho de sangue e o sacrifício de milhares de vidas, isso será feito inexorável e continuamente até que os objetivos sejam alcançados.
- Decorrente desses itens e sobre a melhor forma de governar, se é melhor ser amado ou temido, é claro que se fosse possível ele gostaria de ser amado ou mesmo venerado com uma espécie de deus. Mas como sabidamente isso nunca aconteceria, ser temido já está de muito bom tamanho.

- Como sempre aconteceu em toda a história, o massacre, a opressão, a carnificina, os jogos de poder e as maquinações políticas continuam as mesmas de antes de Maquiavel, da época em que escreveu “ O príncipe” e “A arte da guerra” e certamente ainda continuará até que o homem se eduque e perceba algum dia que a ética, seja ela cristã, aristotélica, judaica, budista e até mesmo atéia não busca outra coisa senão a partilha, o respeito ao próximo e então a concórdia e a paz.


Fonte:Gustavoroberto

sábado, 23 de janeiro de 2010

Área de TI: Real Vocação ou “Simples” Ambição?

Muitas pessoas ingressam na área de TI devido a paixão que nutrem por tudo que está relacionado a ela. Trabalham muitas vezes de forma incessante, respiram tecnologia. São pessoas que praticamente vivem em função desse universo e não se imaginam, profissionalmente, fazendo outra coisa que não esteja ligada à área. Desenvolvedores, Programadores, Administradores, enfim, as denominações no ramo são as mais diversas, onde cada um desempenha a sua função, mas sem ficar bitolado. Essa espécie de intercâmbio entre funções e a expansão cada vez maior do aprendizado, também são fortes características entre os profissionais da área.

Quando o ingresso neste campo é a priori, por vocação, surgirá um profissional capacitado, competente, procurando aprimorar seus conhecimentos. A busca por tais conhecimentos se torna constante e prazerosa, formando-se assim, um profissional bem sucedido financeiramente. Isso devido ao próprio indivíduo ter alcançado um sólido posicionamento no mercado.Quando a área de TI é escolhida pura e simplesmente por ambição, pelo fato de ser um mercado que favorece resultados de alta rentabilidade, oferecendo salários atrativos, o "profissional" não se esforça e nem se preocupa em realizar um trabalho decente. O indivíduo é movido pela ganância, capaz de passar por cima de valores e princípios, usando de trapaça e da boa fé de outros indivíduos que prezam por um trabalho sério.


Uma parcela desses maus atuantes do ramo até pode ter diplomas, certificações e afins, (da mesma forma que os bons profissionais os possui), porém, não absorveu o conhecimento suficiente (e necessário) para justificar a carreira a ser trilhada, bem diferente daqueles que conquistaram seus títulos através do esforço, do merecimento, dando mostras, na prática, de todas essas conquistas. Há também os que possuem muitos conhecimentos, mas não tiveram chances de ingressar em uma faculdade ou fazer cursos comprobatórios de suas habilidades, o que, em algumas situações, é exigido pelo mercado em questão. Isso é aplicado às outras profissões, mas a Tecnologia da Informação é abordada com ênfase, pelo fato de ter se expandido, por ser a mola mestra do mundo moderno e uma grande porta aberta para a lucratividade, em tempos atuais.

Ambicionar algo é desejá-lo de maneira que pode até ser levada às últimas consequências; esse desejo extremo pode coagir o indivíduo a desrespeitar limites e muitas vezes, perverter o sentido real e correto de muitas coisas. Em sua célebre obra intitulada "O Príncipe", Nicolau Maquiavel dá mostras, de maneira "sutil", de como alcançar o poder, não importando os meios. Ele teria afirmado que os fins determinam os meios, ao invés de justificá-los. E muitos assim o praticam, conduzidos pela falta de escrúpulos.
No mercado de TI e em outros ramos de atuação, é possível ser bem sucedido financeiramente com base em uma carreira moldada na ética e na honestidade. É lamentável que haja alguns elementos que, usando da falta de caráter e desvios semelhantes, denigram a imagem daqueles que, na íntegra, honram de verdade a sua profissão.

Fonte:AreadeTI

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Dias antes dessa conversa no Mangabeiras, palácio encravado no topo da cidade de Belo Horizonte, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, esteve em

Dias antes dessa conversa no Mangabeiras, palácio encravado no topo da cidade de Belo Horizonte, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, esteve em São Paulo reunido com o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e com o presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Na entrevista exclusiva, a primeira desde que a 17 de dezembro anunciou desistência da pré-candidatura à presidência da República, Aécio Neves diz publicamente, também pela primeira vez, que é "zero" a chance de ser candidato a vice-presidente da República numa eventual chapa encabeçada pelo governador José Serra (SP).

Depois de abrir mão de sua pré-candidatura, por discordar dos atrasos nas decisões internas do PSDB, o governador mineiro se revela atento ao que considera uma "armadilha" eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aécio diagnostica: para robustecer a candidatura da ministra Dilma Rousseff, o PT articula um discurso de divisão do País entre "ricos e pobres", "nós e eles".

"Nós teremos que fugir da armadilha que, de forma autoritária, vem sendo preparada", alerta o governador na entrevista a Terra Magazine. Entende Aécio que a transferência de votos do presidente para Dilma, ungida como sucessora, tem um limite:

- É algo muito relativo e as qualidades do candidato terão que se acentuar ao longo da campanha...

Uma vez mais, Aécio atenta para o risco de um "programa autoritário" do PT para dividir o Brasil muito além das divergências com o PSDB.

- Eu confesso a você que me surpreendi com o vigor do programa do PT já nessa linha que eu chamarei de autoritária, porque ela não serve ao país, ela é falsa, não é real, não existe essa coisa... Vamos fugir desse maniqueísmo ou, como eu disse, dessa posição autoritária de criar uma divisão no País que não interessa a absolutamente ninguém.

No dia 17 de dezembro Aécio anunciou que não seria mais pré-candidato do PSDB à presidência da República porque uma "construção com essa dimensão e complexidade não poderia ser realizada às vésperas das eleições". Três dias depois, Terra Magazine adiantou com exclusividade o que hoje o governador de Minas revela publicamente, que não aceitaria ser vice numa chapa com o governador de São Paulo, José Serra.

Agora, volta a enfatizar a "chance zero" dessa candidatura puro-sangue:

- ... Eu reconheço e respeito a posição de alguns companheiros que gostariam de ver uma chapa composta pelo governador Serra e por mim. Mas, da mesma forma que respeito essa posição, é natural que eles respeitem o meu ponto de vista de que essa chapa não é adequada para nós vencermos as eleições.

Para Aécio, depois que deixar o poder em 2011 o presidente Lula poderá ter um papel destacado entre as lideranças dos países emergentes. Elenca a possibilidade de o líder petista ter "destaque em alguns desses organismos internacionais", como Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA), mas ressalva que esse cenário dependerá da forma como o presidente conduzirá a máquina pública durante as eleições.

- Não cabe a mim, aqui, lançar o presidente Lula a presidente da ONU, da OEA, mas eu acho que ele encontrará apoios importantes em países em desenvolvimento para ser, quem sabe, aquilo que alguns analistas internacionais buscaram caracterizar como um dos mais importantes porta-vozes dos países em desenvolvimento. Mas, para isso, é fundamental que ele, no processo eleitoral, não se curve à sedução de utilização da máquina pública (...) numa disputa que tem que ser transparente.

Ex-deputado federal por 16 anos e presidente da Câmara, governador de Minas por duas vezes, Aécio prepara-se para deixar o governo no final de março e jogar-se nos 853 municípios de Minas em busca da eleição do seu candidato, o hoje vice-governador Antonio Anastasia. Para tanto, ao menos uma obra importante por município até outubro.

Trabalho gigantesco, como certamente foi chegar ao 8° ano de governo com uma popularidade na casa dos 80%, mas nem por isso Aécio Neves deixa de lado a filosofia de que a vida é para ser vivida na plenitude possível; o bronzeado dá pistas do verão. Se no inevitável Rio de Janeiro e em Angra a chuva foi muita, sol não faltou na trilha de moto pelo nordeste na companhia dos amigos de sempre.

Janeiro já no meio, é hora do batente. Na conversa que se segue, algo do que pensa e pretende aquele que, de uma maneira ou de outra, será personagem decisivo no ano eleitoral de 2010.

Veja a entrevista

Terra Magazine - Estamos aqui em Minas Gerais, no Palácio das Mangabeiras, com o governador Aécio Neves. Qual é a possibilidade de o senhor vir a ser candidato a vice-presidente numa chapa do PSDB?
Aécio Neves - É um prazer enorme estar falando com você na minha primeira entrevista após o meu anúncio de que deixaria o PSDB à vontade para construir sua candidatura. Disse então que voltaria minhas forças e as minhas atenções para as coisas de Minas Gerais. Eu reconheço e respeito a posição de alguns companheiros que gostariam de ver uma chapa composta pelo governador Serra e por mim. Mas, da mesma forma que respeito essa posição, é natural que eles respeitem o meu ponto de vista de que essa chapa não é adequada para nós vencermos as eleições.
O quadro partidário brasileiro é extremamente plural, nós devemos absorver outras forças políticas. Não acho que eu possa ajudar mais uma candidatura do PSDB do que estando em Minas Gerais, eventualmente como candidato ao Senado, ajudando a dar a vitória ao nosso candidato ao governo de Minas Gerais e ao nosso candidato a presidente da República, mas para isso eu precisarei me dedicar profundamente às questões mineiras. Portanto, não existe, nem cogito essa possibilidade de disputar a vice-presidência da República. Coloquei meu nome para candidato à Presidência, para a construção de uma nova convergência política no Brasil, de um governo que olhasse para o futuro, aquilo que eu chamei o pós-Lula. O partido, e eu respeito essa posição, optou por caminhar em outra direção. Cabe a mim cuidar das coisas de Minas e apoiar o candidato do meu partido.

A lógica política mineira impõe que agora o senhor esteja aqui, é isso? O candidato a vice teria que percorrer o país e seu candidato ficaria aqui...
Nunca trabalhei a questão da presidência da República como uma obsessão, com um imediatismo enorme de que tenho que ser candidato a qualquer custo. Apresentei uma alternativa ao partido, como lhe disse, que poderia absorver inclusive algumas forças que hoje estão na base do governo e que pudesse olhar para o futuro de forma mais convergente. Mas o partido tem outro extraordinário nome.

Eram duas praticamente as propostas de aglutinação, percorrer o país e as chamadas prévias. Mas a coisa começou a ser empurrada com a barriga...
Isso. No momento em que o partido se viu em dificuldade para construir as prévias... Cabe a mim reconhecer que as dificuldades realmente ocorreram. E o partido sempre teve um nome qualificado e sempre muito bem posicionado nas pesquisas, não poderia ser desprezado, o companheiro José Serra. No momento em que eu percebi que essas prévias não ocorreriam e que a minha postulação poderia causar embaraços ao partido, e aí sim, prejudicar de alguma forma a articulação dos palanques regionais, eu me coloco novamente como soldado do partido, mergulhado nas questões mineiras. Quero vencer as eleições em Minas Gerais, para dar continuidade ao nosso projeto de governo, e quero ajudar a partir de Minas Gerais o nosso candidato à presidência da República. Esse será meu papel na sucessão presidencial.

O senhor acredita que teria um espectro maior de apoios se tivesse sido o candidato?
Olha, as manifestações não foram minhas, foram públicas, de dirigentes de inúmeros partidos diferentes...

Do PP, PDT, PTB, PMDB...
Figuras como Ciro Gomes, por exemplo... um candidato muito bem posicionado nas pesquisas, me disse inúmeras vezes que a sua candidatura não seria necessária se houvesse a minha candidatura. Mas o fato é que eu saio desse processo sem qualquer rancor. Acho que o governador José Serra é um nome extremamente qualificado. Obviamente, nós teremos que fugir da armadilha que, de forma autoritária, vem sendo preparada: ricos contra pobres, nós ou eles... O que está em jogo não é isso. Nós temos que construir um discurso que aponte para o futuro, que valorize as conquistas que o Brasil vem tendo desde Itamar Franco, com a concepção do Plano Real, passando por Fernando Henrique com sua consolidação, com a modernização da economia, com o início dos programas sociais, com a formulação macroeconômica de câmbio flutuante, de metas econômicas, de superávit primário... Esses avanços continuam com o presidente Lula. Os avanços dos programas sociais são claros, inquestionáveis, mas precisamos avançar muito mais. Uma eventual candidatura minha apontaria para esse futuro. Eu acho que é esse o esforço que nós temos que fazer no momento em que o governador Serra confirmar a sua candidatura, para que ela também apresente um olhar para o futuro, e não apenas uma disputa entre perfis, entre personalidades e entre governos que já terão passado, inclusive o do presidente Lula.

Essa reiteração de seu nome como vice, essas plantações diárias na mídia, isso não termina por previamente desqualificar o eventual candidato a vice que não seja o governador de Minas?
Tenho feito esse alerta a alguns companheiros que, de boa intenção, sem nenhuma má fé, gostariam de ver essa chapa. Tenho demonstrado que a contribuição maior que eu posso dar nesse momento é garantir nossa vitória em Minas Gerais. Para isso, devo ficar em Minas Gerais. Tenho alertado alguns companheiros para que, exatamente, não gerem uma expectativa maior em torno de algo que é muito pouco provável que aconteça e amanhã crie uma determinada frustração e dificulte até a presença forte de outro nome na chapa. Existem nomes qualificados, em vários partidos, que devem a partir de agora ser analisados.

O governador Serra não se declarou ainda candidato. E se a coisa chegar mais adiante e ele não se declarar candidato?
(Risos) Não trabalho com essa expectativa. No momento em que eu deixo a disputa presidencial, faço isso com desprendimento, faço isso com o olhar para o futuro do país. Reconheço avanços no período do presidente Lula. Boa parte deles também estimulados pelo momento de expansão da economia internacional, com reflexos positivos no País, mas eu acho que está na hora de encerrar esse ciclo, para que nós possamos ter um ciclo de governo com uma visão mais moderna do mundo, uma visão de gestão pública mais adequada, onde a eficiência seja uma busca permanente e não apenas o alargamento da base do Estado, sem qualquer contrapartida que gere melhores serviços à população. Temos que encerrar esse ciclo do crescimento exorbitante dos gastos correntes, com prejuízos graves aos investimentos estruturadores do País. Para isso, um governo do PSDB, com novos aliados, oxigenado, que desaparelhe a máquina pública. Jamais nós tivemos um aparelhamento tão brutal, acompanhado de ineficiência e outros vícios piores do que esse.

O aparelhamento é mesmo um fato, no seu entender?
Aqui parodiando o meu amigo presidente Lula, diria que "jamais na história do País" nós tivemos um governo tão aparelhado, onde a meritocracia deu espaço à filiação partidária. Houve um desmonte de setores importantes do governo, onde gente qualificada, sem vínculo partidário, deu lugar àqueles que estavam na aliança ou no próprio Partido dos Trabalhadores. Eu digo que eu sou talvez o principal herdeiro das viúvas do presidente Fernando Henrique, porque no meu governo, no momento em que foram desalojadas figuras técnicas, de segundo e terceiro escalão, extremamente qualificadas, eu as trouxe para Minas Gerais. No meu governo, se você me perguntar hoje, o que deve ter menos é gente filiada ao PSDB, mesmo porque essa não foi uma orientação para nós montarmos o governo. A busca foi por pessoas qualificadas.
Eu tenho hoje mais de 40 técnicos do governo federal, de nível intermediário, extraordinários, que estão permitindo a Minas Gerais dar esse salto que o Estado está vivendo e ao meu governo ter a avaliação extraordinária que teve em todos os sete anos de governo. As pesquisas foram feitas em vários os Estados, foi sempre o governo de melhor avaliação. Por quê? Não pela figura do governador, mas pela qualificação das pessoas. Eu gostaria, aí falando como brasileiro, de ver isso no Brasil. Um governo onde a qualificação das pessoas fosse a razão principal para elas ocuparem um cargo público. E acho que, para isso, é preciso encerrarmos esse ciclo do PT.

Nesse cenário, como você vê a candidatura Dilma?
Vejo a ministra Dilma como uma mulher extremamente preparada, mas que vai enfrentar percalços. Uma candidatura presidencial não é para amadores. Uma campanha presidencial traz componentes novos a cada dia...

Você está repetindo uma frase de seu avô, no dia em que Paulo Maluf ganhou a candidatura...
(Risos)

Então a Soninha (à época repórter da Rádio Jornal do Brasil) disse: "Ah, o Maluf..." E Tancredo: "Ele nunca enfrentou um profissional".
(Risos) "Agora ele vai enfrentar um profissional...". Então, eu não tiro as virtudes da ministra Dilma, se não ela não seria candidata, mas ela vai ter muitos percalços pela frente. Essa coisa da transferência é algo muito relativo e as qualidades do candidato terão que se acentuar ao longo da campanha. Porque a tendência... Hoje, o que ocorre no campo governista? A figura do Lula ocupa 80% da mídia e, a da candidata (Dilma), 20%. É algo mais ou menos por aí. No início da campanha, no início da propaganda eleitoral, até estrategicamente, não é possível que alguém que não é candidato sobrepor-se de forma tão forte, até pela força de sua personalidade, a quem é candidato. E vou reconhecer que aqui em Minas Gerais, em Belo Horizonte, nós quase cometemos esse equívoco. No momento em que eu e o prefeito Fernando Pimentel (NR: do PT) apoiamos Marcio Lacerda, ele teve um crescimento, em duas semanas, de 3% a 5% para 40%, mas num determinado momento nós estávamos sufocando a personalidade do candidato.

E quase...
E aí houve um crescimento do adversário. O Brasil demorou mais de vinte anos - e você acompanhou tão perto, eu me lembro tanto de você durante o processo das Diretas e depois a eleição de Tancredo -, o Brasil demorou muito tempo para que o cidadão pudesse, ele próprio, escolher o seu presidente da República. E não acredito que o Brasil, por mais respeito que possa ter pelo presidente Lula, delegará a ele, exclusivamente, a escolha do próximo presidente da República. Então, o apoio do presidente será importante, mas a tendência é que, ao longo da campanha, a candidata tenha que se manifestar, é ela que tem que olhar nos olhos das pessoas e gerar confiança, inspirar confiabilidade, esperança em relação ao futuro. Não será uma eleição fácil para lado nenhum, mas eu acredito que nós, do PSDB, temos uma extraordinária chance de vencer as eleições.

E você acha que há possibilidade de fugir dessa futebolização, desse "nós e eles", do "ricos e pobres"?
Nosso grande desafio. Eu confesso a você que me surpreendi com o vigor do programa do PT já nessa linha que eu chamarei de autoritária, porque ela não serve ao país, ela é falsa, não é real, não existe essa coisa. Eu, por exemplo, não acho que alguém só por estar ao meu lado, me apoiar politicamente, só tem virtudes. E alguém que está do outro lado, só tem defeitos. O PT quer consagrar isso, como se eles fossem os bons e nós fossemos os maus. Como se o governo do presidente Lula não fosse, em grande parte, uma sucessão dos êxitos do governo do presidente Fernando Henrique. A grande ruptura que houve no Brasil contemporâneo, no Brasil recente, não foi no momento em que Fernando Henrique sai do governo e entra o presidente Lula. Ali houve uma continuidade na condução macroeconômica, nos programas sociais. A grande ruptura se deu quando sai Collor e inicia-se o governo do presidente Itamar, consolida-se o Plano Real e acaba-se com a inflação no País.
Ali foi a grande ruptura. Os petistas não gostam dessa minha análise, mas os historiadores, no futuro, mais isentos, fora das paixões eleitorais, tenderão a interpretar esse período que se inicia com Itamar Franco, Fernando Henrique no Ministério da Fazenda, os oito anos de Fernando Henrique, os oito anos de Lula, como um só momento virtuoso, de continuidade na vida pública brasileira, sobretudo na condução macroeconômica. A grande questão agora não é ficarmos fazendo uma comparação de governos que viveram cenários diferentes. A questão é o que ficou por fazer, quem é que tem as melhores condições de construir e agregar forças para fazer as reformas tributária, primeiro talvez a política, a da Previdência, a do Estado, tornando o Estado realmente eficiente. É isso que nós devemos trazer para o debate. Dessa forma, vamos fugir desse maniqueísmo ou, como eu disse, dessa posição autoritária de criar uma divisão no País que não interessa a absolutamente ninguém.

Independente dos fatos, por que esse certo estigma, que é detectado nas pesquisas, em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso?
Eu acho que a história, neste momento, não está fazendo justiça ao governo do presidente Fernando Henrique. No futuro, fará. A história é isso, quanto mais distante dos fatos, mais isenta é a avaliação. O presidente enfrentou pelo menos quatro grandes e graves crises internacionais, mas teve a grande virtude de agir de forma extremamente democrática, seja do ponto de vista da gestão do Estado brasileiro, ou do ponto de vista da visão mais moderna de mundo. Foi o presidente Fernando Henrique o principal responsável pelo início da modernização do Estado brasileiro. Tivemos percalços, o segundo mandato teve muitos problemas, e eu reconheço esses problemas. O presidente Lula, que teve a responsabilidade, contrariando o seu discurso, de manter a política macroeconômica do governo anterior, foi beneficiado. E tem também aquilo que dizia Nicolau Maquiavel (NR: pensador italiano autor de O Príncipe) é preciso que o governante tenha fortuna, tenha sorte também. Ele teve seis anos extremamente tranquilos, com um tripé, eu diria, que raramente um governante, em qualquer tempo no Brasil e mesmo fora do Brasil, conseguiu ter: expansão econômica internacional, com reflexos muito positivos no Brasil; o segundo pé desse tripé, os indicadores macroeconômicos sólidos, inflação na meta, câmbio flutuando de forma razoavelmente adequada; e o terceiro pé, uma popularidade na estratosfera, e com uma ampla base de apoio no Congresso...

...mas a popularidade é fruto da sua própria...
...tudo bem, até por sua personalidade. Ele teve essa conjunção de fatores num só momento e não utilizou. Aí a crítica política que eu faço. Você sabe que eu tenho uma relação pessoal com o presidente, que não é, de alguma forma...

Antagônica?
Ela não é abalada por nossas divergências políticas, enfim, que são naturais, mas ele perdeu a oportunidade, na conjunção desses fatores positivos, de enfrentar as reformas, de enfrentar os contenciosos que precisaria enfrentar. A reforma política, que era o grande discurso da reeleição, no momento em que começou a contrariar alguns partidos que faziam parte da base foi para a prateleira, a reforma tributária foi jogada ao Congresso Nacional sem que o governo enfrentasse os contenciosos, sem que tomasse partido. Permitiu que a disputa entre as regiões e os Estados prevalecesse. Enfim, nós não votamos nada de efetivamente consistente e transformador no governo do presidente Lula.

Antes de voltarmos ao presidente Lula e ao papel dele depois de 2010, o que faria um presidente do PSDB com um Congresso funcionando como funciona?
Olha, eu conheço um pouco o Congresso, estive por 16 anos na Câmara, ocupando todos os cargos possíveis, e no Executivo agreguei a minha experiência outras convicções. E a principal delas é de que as reformas estruturantes, aquelas profundas, que mexem com interesses, que geram contrariedade, tem que ser feitas em início de governo, quando o governante está com capital...

Com Constituinte exclusiva?
Eu acho que nem é necessário. O governo do presidente Lula, se iniciasse o primeiro mês de Congresso funcionando, com uma agenda clara colocasse à sociedade, levaria uma parte do Congresso a aderir a ela, até sob o risco de ficar contra a opinião pública. Claro que é em nível regional, numa outra escala, mas nós fizemos isso em Minas Gerais. O meu governo, se ele tem êxitos, e hoje nós estamos colhendo os resultados sociais, os melhores do Brasil, com expansão econômica, isso é fruto em boa parte das medidas que eu tomei não foi no primeiro ano, não, mas nos primeiros 30 dias de governo, quando nós diminuímos a estrutura do Estado, estabelecemos metas de desempenho para os servidores públicos, sistemas de controle para esse desempenho, prioridades que eram claras e não eram interrompidas em função do humor de um ou de outro secretário. Eu acho que perdeu-se o grande momento das reformas. Você falar da reforma constitucional a um ou dois anos do fim do governo, é criar um factóide político, como foi feito com a reforma tributária, por exemplo.

Que papel imagina para o presidente Lula a partir de 2010?
Acho que um papel de destaque. O presidente Lula tem, ao final de seu mandato, uma oportunidade extraordinária de, mesmo apoiando a sua candidata - é legítimo, é democrático, é absolutamente razoável que o faça -, manter-se absolutamente dentro dos limites do Estado de Direito, passando bons exemplos à sociedade brasileira, pra continuar tendo a continuidade da credibilidade que hoje ele tem no mundo. É inevitável. Quem viaja pelo mundo reconhece hoje que o presidente Lula, até mesmo pela situação pela qual passa o Brasil, é uma voz ouvida por setores importantes da comunidade internacional. E acho que ele poderá, se for a sua vontade, ter um papel de destaque em alguns desses organismos internacionais. Não cabe a mim, aqui, lançar o presidente Lula a presidente da ONU, da OEA, mas eu acho que ele encontrará apoios importantes em países em desenvolvimento para ser, quem sabe, aquilo que alguns analistas internacionais buscaram caracterizar como um dos mais importantes porta-vozes dos países em desenvolvimento. Mas, para isso, é fundamental que ele, no processo eleitoral, não se curve à sedução de utilização da máquina pública e à utilização exagerada do Estado numa disputa que tem que ser transparente. Até porque o Brasil merece uma disputa onde todos tenham possibilidades iguais.

Se o senhor viesse a ser o candidato, imagina que teria o PMDB ou ao seu lado, ou pelo menos não ao lado da ministra Dilma?
O que eu posso dizer é que eu estaria conversando com o PMDB, como estive conversando com o PMDB ao longo desse processo. Eu dizia que ficaria no PSDB, continuo achando que é a minha trincheira, mas eu buscaria atrair setores do PMDB para essa convergência, para essa nova construção, como fiz com outros partidos políticos. Muitos duvidavam da minha permanência no PSDB, mas, por incrível que pareça, Bob, às vezes, na política, as coisas são o que parecem ser. Então, eu estou muito tranquilo com a decisão que tomei, tenho uma responsabilidade enorme com Minas, que é dar continuidade a esse grande laboratório de gestão pública, que é reconhecido hoje pelo Banco Mundial como o mais exitoso processo administrativo em curso nos países federados do mundo. Essa é a avaliação do Banco Mundial, que adota o modelo mineiro para estimular Estados de outros países a irem na mesma direção. Então, eu deixo um governo com aprovação da população acima de 90% e sabendo que a gente tem um papel, e qual é o papel? No futuro governo do PSDB, ajudar a introduzir algumas dessas experiências que nós vivemos em Minas Gerais, principalmente do Estado eficiente.
Todos nós, ao longo de nossas vidas, e quem está nos acompanhando certamente concordará comigo, fomos, de certa forma, passivos diante da ineficiência do Estado. E até compreensivos em relação a essa ineficiência. Nós dizíamos: "Não, o Estado é assim mesmo, pelos indicadores legais, pelas ingerências políticas". Nós fomos complacentes com o Estado ineficiente. Em Minas, nós construímos uma agenda de resultados. Estamos mostrando que, desde que você tenha disposição política, pessoas qualificadas sem amarras partidárias nos locais certos e metas a serem alcançadas, o Estado pode ser eficiente. Eficiência do Estado implica em quê? Melhoria dos indicadores sociais, diminuição da mortalidade infantil, melhoria da educação, ampliação dos investimentos em infra-estrutura, mais oportunidades de emprego... Essa é a herança, esse é o legado que nós vamos deixar em Minas Gerais. Eu espero, com nosso sucessor, poder manter por um tempo mais.

Para encerrar, em bom português, está finda a era do factóide "vice"? Chance zero, é isso?
Chance zero. Daria uma grande contribuição ao meu partido me colocando à disposição dos companheiros de outros Estados, que me julguem de alguma forma estimulador às suas eleições. Eu vou me dedicar a Minas Gerais para vencer o governo do Estado e a presidência da República com aquele que vier a ser o nosso candidato. Estou muito otimista. Acho que por mais que haja, do ponto de vista da comunicação, uma pressão e uma presença da candidatura do governo muito forte, vai ficar claro no momento da decisão que o que está em jogo são duas propostas distintas, e não essa falsa dicotomia do "nós e eles", dos pobres contra ricos. O que vai estar em jogo é quem tem as melhores condições de fazer o Brasil avançar e estar realmente à altura do papel que o mundo espera que o Brasil possa desempenhar. É hora de deixarmos para trás o Estado aparelhado e ineficiente, e inaugurarmos uma nova era com mais otimismo, com mais convergência, sem ódios, sem perseguições, sem rancores... Enfim, olhando com muita generosidade para o futuro. Eu quero ajudar a construir esse futuro.


Fonte: Terra Magazine

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Sorriso de Nicolau -Maurizio Viroli



“Nicolau, assim, deixa a obscuridade e torna-se chefe da Segunda Chancelaria, onde eram tratados os problemas relativos ao domínio e à política externa de Florença. É um jovem desconhecido, inexperiente em política, mas já marcado pelos importantes acontecimentos que assistira, ou dos quais se recordava: os corpos dos Pazzi, arrastados pelas ruas de Florença ou enforcados nas janelas do Palazzo Vecchio; a entrada de Carlos VIII, que tornava evidente a debilidade de Florença e da Itália; o odor acre do corpo de Savonarola ardendo na Piazza della Signoria (...).”

Nicolau Maquiavel não foi unicamente o autor de O príncipe, isto é, da obra fundadora do pensamento político moderno. Era também uma personalidade complexa, inquieta, inclinada a viver as mais diversas experiências.

O pesquisador e professor da Universidade de Princeton Maurizio Viroli descortina nesta aprimorada biografia os encontros de Maquiavel com os poderosos, as amizades, os amores, as viagens, seus sucessos e suas derrotas.

No entorno da vida de Maquiavel descobrimos a Florença dos Medici, mas também as infindáveis intrigas palacianas dos Estados italianos do século XVI, século cheio de brilho mas rico em reviravoltas e golpes de teatro.
“Sempre fui fascinado pelo pensamento político e pela escritura de Maquiavel e, sobretudo, pelo seu modo singular de rir da vida e dos homens. Escrevi estas páginas para compreender o significado do sorriso que emerge de suas cartas, suas obras e de alguns retratos seus, pois acredito que esse sorriso encerra uma grande sabedoria de vida, ainda mais profunda do que o seu pensamento político”, escreve Maurizio Viroli logo no início desta biografia que enlaça estreitamente história pública e vida pessoal.



Trechos

Durante toda a vida, Nicolau empregou suas energias no intuito de convencer os poderosos da Itália a libertar o país do domínio dos estrangeiros que mandavam e desmandavam com seus exércitos. Todavia, poucas semanas antes de sua morte, cumpriu-se o último e mais grave ato de toda a tragédia italiana. Em 6 de maio de 1527, um exército formado por soldados da infantaria espanhola e pelos terríveis mercenários alemães, sob o comando do duque Carlos de Bourbon, tomou de assalto os muros de Roma. [...] Após poucas horas de combate, Roma caiu em poder dos espanhóis e dos mercenários. Os espanhóis estavam sedentos de violência e de despojos de guerra; os mercenários alemães, fervorosos protestantes, ávidos de violência, de despojos e de vingança contra os odiados católicos. É o saque de Roma. (p. 19)

O raciocínio era impecável. Maquiavel sabia, porém, que os florentinos, avarentos e pouco argutos, argumentariam que o rei da França estaria ali para protegê-los e que o perigo representado por César Bórgia fora afastado. Não haveria, assim, necessidade alguma de desembolsar mais dinheiro. Maquiavel explica que essa opinião era temerária, ´pois toda cidade e Estado deve considerar inimigo qualquer um que julgue poder ocupar o seu Estado e todo aquele contra o qual não seja possível defender-se´. Nenhum Estado que viva na dependência de um outro jamais estará em segurança. (p. 91)

Para Maquiavel, como sabemos, a política é feita pelos homens, com suas paixões, seu temperamento e suas fantasias. Para ele, era necessário, pois, compreender o espírito dos príncipes que encontrava, sondando profundamente suas almas, examinando por detrás de suas máscaras e simulações. Escreveu que ´a natureza fácil e boa´ fazia com que ele fosse facilmente enganado por qualquer um daqueles que o rodeavam. Um cortesão dissera a Maquiavel, entretanto, que qualquer homem poderia enganar o imperador, mas apenas uma vez. Nicolau retrucou dizendo que os homens e os problemas são tão inúmeros que, dessa maneira, o imperador poderia ser enganado a cada dia por um homem diferente. Não sabemos que efeito tal resposta causou ao cortesão, embora muitos soubessem que Maquiavel era um grande zombador. (p. 125)

Todos sabiam muito bem, continua Maquiavel, que o principal dever de qualquer príncipe é “evitar ser odiado ou desprezado”, seja pelos seus súditos, seja pelos seus aliados. Permanecer neutro entre dois combatentes significava, no entanto, a possibilidade de ser odiado e desprezado. Odiado por aquele que, entre os dois adversários, julgasse o príncipe (nesse caso particular, o papa) obrigado a estar a seu favor, ou em nome de uma antiga amizade, ou como pagamento de favores recebidos. E desprezado pelo outro contendor, que julgaria o príncipe tímido e indeciso, isto é, um “amigo inútil” ou um inimigo que não é capaz de infundir temor. (p. 209)

Qualquer um que procure refletir sobre tudo isso, escreve Maquiavel, não pode deixar de sentir dentro de si ódio pela tirania e um forte desejo de imitar os bons príncipes. Em outras palavras, aquele que realmente busca a verdadeira glória deveria procurar viver em uma cidade corrupta, não para arruiná-la ainda mais, como César, mas para reordená-la, como Rômulo. (p. 219)

[Maquiavel] despediu-se do mundo dizendo que preferia ir para o inferno em companhia dos grandes da antigüidade, para discutir sobre os grandes assuntos da política, a ir ao paraíso, para junto dos beatos e dos santos. Foi sua última pilhéria, contada para rir com os amigos do inferno e do paraíso, para que compreendessem que ele era sempre o mesmo “Machia”, e que nem mesmo a morte podia apagar aquele sorriso e petrificar seu rosto com a máscara do medo. (p. 295)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O Maquiavel estupefato

O déspota perfeito deve tramar soturnamente para ser temido, restringir as liberdades, mas deve parecer ao povo tolerante e compreensivo, humano a ponto de se emocionar e saber arrancar lágrimas dos seus olhos e de quem o escuta. Porém, deverá lembrar que o governo permissivo representa um grave risco de perder o poder.

O que ele mostrará de generosidade será na quantidade exata para encobrir ou compensar a crueldade com que se livrará das ameaças. Por isso tem que parecer piedoso, fiel, integérrimo, religioso e justo.

Mas estará pronto quando entender que nada disso é suficiente para se transformar no contrário... e ser implacável.

A princípio, deve prestar atenção para que nunca saia de sua boca uma exortação das qualidades, deixando os áulicos exaltarem suas virtudes..

Ele precisa parecer, não ser.

Na presença do povo se mostrará cheio de piedade, de fé, de integridade, de religião, de justa compreensão; é necessário que saiba colorir bem essas encenações, ser um grande simulador e dissimulador.

A maioria dos homens do povo, em sua natureza, é simples e aflita por necessidades triviais, quem a enganará com gestos de munificência encontrará sempre uma multidão que se deixará enganar....

Cada um acreditará naquilo que ele aparenta nos gestos estudados; raros serão aqueles que entenderão, e esses poucos não costumarão se defrontar com a opinião da massa crédula e fascinada; eventualmente aproveitarão as possibilidades de explorar as fraquezas e se arrolarão entre os cúmplices para dessa situação tirar proveito. Onde o engano pode resolver não usará a força.

Os parágrafos acima, livremente traduzidos e interpretados nesta coluna, são retirados de o "Príncipe", de Nicolau Maquiavel. Ele acreditou na crueldade de lobo, na astúcia da raposa e na capacidade interpretativa, que vislumbrou no príncipe Cesare Borgia, para unificar a Itália, dividida em dezenas de pequenos Estados. Cesare faleceu antes mesmo que "O Príncipe" chegasse a suas mãos e pelo menos um século antes de a obra se consagrar como o evangelho "insuperável" do homem de poder, especialmente o sem escrúpulo e moral.

Certamente, hoje, o florentino pousando no Brasil ficaria estupefato com "seus" alunos, que, ao sul do equador, encontraram terreno fértil para alcançar resultados mirabolantes. Primeiramente, pelo estofo dos governantes, prá lá de inescrupulosos e sedentos de poder; secundariamente, pela pobreza material e intelectual das massas (uma alimentando a outra), castigadas por séculos de maquiavelismo que se renova e se fortalece a cada geração.

Fonte: Otempo