segunda-feira, 5 de abril de 2010

Reveladas: As cartas de Obama ao povo americano

Nas suas prescrições aos "príncipes" do século XVI, o florentino Nicolau Maquiavel não hesitava em recomendar: a um estadista, é mais útil ser temido do que amado. As lições de um dos grandes mestres da filosofia política ficaram até hoje. Mas, quatrocentos anos depois, a Casa Branca acredita firmemente no princípio oposto. A brigada de conselheiros de Barack Obama quer que o presidente, mais do que admirado, seja amado.

A histórica reforma da saúde fez com que Obama ganhasse um lugar na história. A verdade é que o presidente, apesar de ter uma imagem cool, ainda é uma figura bastante longínqua do mais comum dos americanos. Aos olhos dos eleitores, o presidente tem menos do homem que até começou a vida como organizador comunitário em Chicago, e mais do elitista aluno de Harvard: calculista, frio e racional.

É essa percepção que os seus spin doctors querem mudar. Nos últimos dias, os americanos ficaram a conhecer uma outra faceta do seu presidente. Obama, sabe-se agora, desde o segundo dia que não dispensa passar vários serões a responder à correspondência que lhe é enviada para a Casa Branca pelos americanos. E-mails, faxes, cartas, ao todo são mais de 20 mil mensagens todos os dias. Como o próprio presidente admitiu num discurso recente, cerca de metade chamam-lhe idiota.

Todos os dias, depois das oito da noite, o presidente sobe as escadas até ao primeiro andar da Casa Branca. É aí que de começa as leituras nocturnas. À sua espera tem uma pasta púrpura onde estão rascunhos dos discursos presidenciais, recomendações e estratégias políticas. E, entre o mais significativo material de leitura, uma colectânea de dez mensagens enviadas pelos seus concidadãos. Algumas, conta o "Washington Post", Obama lê imediatamente em voz alta à mulher Michelle. Outras, reencaminha-as para o seu staff. Todas as semanas, entre cinco a 15 americanos recebem na caixa de correio cartões com o selo da Casa Branca. Lá dentro, uma mensagem com não mais de três frases "inspiradoras" escritas pela mão - e pela caneta Cross Townsend Selectip Rolling Ball, tinta preta - do seu presidente.

Jennifer Cline, 27 anos, mãe de dois filhos e grávida de um terceiro, não tem por hábito escrever. Mas uma vida de infortúnio nos últimos tempos levou-a a dirigir-se directamente ao presidente. "Senhor Obama, vou começar por lhe contar a minha vida nos últimos dois anos", escreveu Jennifer. Em três folhas, Cline falou sobre o cardápio de desgraças que se abateram sobre a sua vida durante a mais grave crise económica americana dos últimos oitenta anos: perdeu o emprego, perdeu a casa e, ainda por cima, descobriu que tinha um cancro de pele. Mas nem tudo eram más notícias porque, de acordo com os médicos, o cancro era tratável, o seu namorado acabava de conseguir emprego e iam casar. "Em pouco tempo, espero que possamos estar em grande forma."

Jennifer nunca mais se lembrou da carta. Até ao dia em que um cartão com o selo da Casa Branca chegou à sua caixa de correio. A primeira ideia que lhe passou pela cabeça foi: "Meti-me em sarilhos". Nada disso.

"Jennifer", começava a resposta, "Obrigado pela sua mensagem cordial e inspiradora. Sei que os tempos são difíceis, mas saber que há pessoas como você e o seu marido, dão-me a confiança de que as coisas vão continuar a melhorar. Barack Obama."

A maioria das cartas, como a de Jennifer, abordam os problemas comuns do povo americano como a falta de recursos para pagar cuidados de saúde ou a perda de emprego. Obama não perde a oportunidade de responder a todos os que, mesmo em maiores dificuldades, mantêm o optimismo. Depois, há as das crianças - que pedem ajuda ao presidente para os trabalhos de casa e que na resposta recebem um postal com a foto de Bo, o cachorro presidencial - ; os que ameaçam o primeiro presidente negro da história, e os críticos, a quem Obama adora responder com uma frase simples: "Para a próxima vou tentar fazer melhor."

Mais do que manter o presidente sintonizado com os eleitores, a correspondência seleccionada e ordenada em pilhas temáticas é um barómetro perfeito do estado da nação. E que transporta Obama "para lá da bolha presidencial." Antes de chegarem às mãos do presidente, as cartas são passadas a pente fino por scanners à procura de uma qualquer ameaça e seguem depois para uma equipa de 1500 pessoas que as ordenam.

Obama não é o primeiro presidente americano a manter contacto directo com os eleitores. Ronald Reagan também era adepto da correspondência com toque pessoal e até chegava a enviar cheques pelo correio. Só que era tudo mantido em segredo.

No fim de contas, como explica o professor de Ciência Política da Universidade de Georgetown, Richard Benedetto, pode ser tudo uma questão de (boa) publicidade: "Não tenho ideia de nenhuma administração que seja tão boa a publicitar-se como esta."

Fonte:ionline

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