terça-feira, 27 de outubro de 2009

Henrique Chagas, do VerdesTrigos, fala na TV sobre Ética; veja os vídeos

Henrique Chagas esteve no Programa Neusa Matos, e foi por ela entrevistado sobre Ética. A entrevista foi instigante e proporcionou enormes reflexões sobre o tema. O programa foi transmitido no dia 26/10/2009 no canal 20 da TV Cabo, retransmitido a cada hora. Enorme sucesso na cidade de Presidente Prudente/SP, de grande retorno.

Veja os vídeos:

Henrique Chagas , da VerdesTrigos, fala na TV sobre Ética - Parte I Henrique Chagas , da VerdesTrigos, fala na TV sobre Ética - Parte II
Dr.Henrique Chagas – parte I e parte II (26/10/2009)

Henrique Chagas*, nas suas palestras, busca desenvolver o espaço da ética ao longo da história filosófica da humanidade, conclamando, ao final, para uma ética da responsabilidade para com o futuro: Ética da Sustentabilidade.
Apresenta a problemática da ética a partir dos principais eixos da crise atual: a) a apartação social alarmante, b) o paradoxo trabalho x avanço tecnológico, c) a crise ecológica (escassez de reservas fósseis e água); e d) o lugar do masculino no mundo atual. Os eixos da crise são analisados com foco em conceitos éticos, que são um conjunto de símbolos e códigos desenvolvidos a partir das crenças e da moral.
Segundo Henrique, “ética e moral, todos acham que tem e a grande maioria das pessoas pensam que os outros não tem!”. Então, o que é Ética?
Para a discussão e construção da ética pós-moderna, nas suas palestras, desenvolve o estudo da ética desde Aristóteles, Platão, passando por Maquiavel, Kant, Max Weber, desembocando nos pensadores modernos como Hannah Arendt e Hans Jonas. Ao final, é analisado o pensamento de Zygmunt Bauman, com suas críticas à pós-modernidade e suas consequências éticas.

* Henrique Chagas: estudou Filosofia e Direito, com pós-graduação em Direito Civil, com MBA em Direito Empresarial pela FGV. É escritor de contos e crônicas, que publica em sites e revistas eletrônicas. Pratica jornalismo cultural no portal cultural VerdesTrigos.org, do qual é o criador intelectual e mantenedor.


Fonte:verdestrigos

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Giannetti cita Nicolau Maquiavel

Segundo o economista e diretor de Comércio Exterior da Fiesp, o governo deveria seguir os princípios de Maquiavel: “fazer o mal de uma vez e o bem, aos poucos”

Por Viviane Maia

"O governo deveria ter colocado a taxa do IOF entre 7% e 10%", defendeu hoje o economista Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em São Paulo.

Ele acredita que uma porcentagem maior sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o capital estrangeiro em aplicações em renda fixa e ações poderia melhorar a competitividade do exportador e do importador. "Era importante que o mercado levasse um grande susto", afirmou. "Precisava fazer o mal de uma vez e o bem, aos poucos", disse Giannetti, citando Nicolau Maquiavel, pensador italiano, num encontro com jornalistas da revista Globo Rural e Época NEGÓCIOS.

Para ele, o governo deveria considerar o risco do desemprego com a baixa cotação do dólar. "Não se trata de protecionismo, mas é uma questão de favorecer os exportadores nacionais", afirmou.

Apesar disso, o economista elogiou a atuação do ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Ele está consciente desse problema", disse. Segundo o diretor de Comércio Exterior da Fiesp, a sugestão para resolver a questão do dólar é criar fundos de estabilização cambial. Assim, diz o economista, essa medida poderia impedir que o câmbio se valorizasse além da compra. Giannetti acrescentou que a situação do setor exportador poderá melhorar também com a redução de custos, investimento em inovação e modernização de processos.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Nicolau Machiavelli (1469-1527)

Nicolau Machiavelli nasceu em Florença em 1469. Foi secretário e historiador da república florentina. Destituído e exilado, voltou ainda à pátria, chamado pelos amigos. Faleceu em 1527, obscuro e abandonado. Entre seus escritos têm particular interesse filosófico Il Principe e os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio.

Machiavelli propõe-se o problema: como constituir um estado, partindo do terreno realista da experiência e prescindindo de qualquer valor espiritual e transcendente, ético e religioso. A experiência histórica lhe diz que a natureza do homem é profundamente egoísta e malvada. Ele tem do homem uma concepção pessimista, semelhante à cristã, mas sem a explicação (o pecado original) e sem o remédio (a redenção pela cruz), que o cristianismo oferece. Então é preciso organizar naturalisticamente e subordinar mecanicamente um complexo de paixões e de egoísmos a um egoísmo maior, o do príncipe e do estado. É preciso constituir uma ciência política sobre a base de um utilitarismo rigoroso.

Daí a máxima famosa: o fim justifica os meios. O fim último é o estado, a que tudo deve ser subordinado, tanto os indivíduos como todos os valores, até os morais e religiosos. Indivíduos e valores devem servir unicamente como instrumentos de governo, e podem ser aniquilados pelo estado. A este propósito é característica e intuitiva a comparação que Machiavelli faz entre o cristianismo católico e o paganismo antigo, concluindo em favor da superioridade (política) do segundo. Precisamente pelo fato de que o paganismo representa uma concepção e uma praxe humanistas, mundanas, em que tudo é subordinado ao estado, ao passo que o cristianismo é uma concepção e uma praxe transcendentes e ascéticas, e não reconhece poder algum humano superior a ele.

A política de Machiavelli foi acusada, muitas vezes, de imoralidade, o que é verdade, se se confrontar com uma concepção transcendente e ascética do mundo e da vida, como é a teísta e a cristã, e sim transcendentes (como todos os valores absolutos), não é o estado e sim Deus; e os meios para atingir o fim último não são substancialmente variáveis conforme as circunstâncias dos tempos e dos lugares, porquanto a moralidade, na sua essência, deriva da natureza racional do homem, essencialmente imutável. Entretanto, a política de Machiavelli não está em contraste com uma ética humanista e imanentista, que não tem fins transcendentes e leis morais estáveis.

A doutrina política de Machiavelli todavia, conserva um grande valor também para a concepção transcendente do mundo e da vida, pois o estado, para a concretização dessa concepção transcendente da vida, é indispensável a fim de que o homem realize a sua natureza racional: é ético o estado, embora receba de Deus a sua eticidade transcendente, como de Deus, aliás, dependem todos os valores e todo o ser. Entretanto, o estado, ainda que deva mirar a um ideal superior e imutável, tem que ter os pés sobre a terra, pisar na realidade concreta, variável, histórica. Deve organizar, disciplinar, valorizar os homens efetivamente egoístas e inclinados ao mal. Por isso, deverá ser leão ou raposa - no dizer de Machiavelli; terá de agir com força decidida e com refinada prudência, com base na profunda experiência humana. E, por vezes, será preciso subordinar um princípio moral a outro princípio superior da moral (como, aliás, acontece também na moral individual no caso do assim chamado conflito dos deveres).

Neste sentido conceberá a política o piemontês João Botero (1540-1617) na sua obra Della ragione di stato, de conformidade com o espírito católico e concreto da Contra-Reforma. Nesta obra, por exemplo aconselha ele ao Príncipe ocultar prudentemente suas fraquezas eventuais, para conservar a reputação real; aconselha-o a respeitar plenamente a religião (católica), instrumento precioso, indispensável para tornar politicamente dóceis os homens, inclinados profundamente para o mal; bem como o aconselha a encaminhar para a milícia e para a guerra, a instintiva ferocidade humana.

Fonte:filosofiamordena

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Porque Maquiavel contestaria os dicionários

Falar sobre Maquiavel exige certa dose de precaução. Afinal, poucos nomes na tradição filosófica concederam adjetivos imediatamente reconhecíveis nos mais variados contextos. Das conferências na ONU às preleções em jogos de várzea, quando se atribui a fulano um caráter maquiavélico, presume-se daí um sujeito mau-caráter, ruim, cafajeste, maldito imoral que, para conquistar aquilo que deseja, põe freira no espeto. Corroborando este névoa pejorativa, mesmo os dicionários, quem diria, trataram de associar ao verbete “maquiavelismo” a “falta de escrúpulos”, a “política desprovida de boa-fé” e a “perfídia, traição”. Maquiavel pertenceria então ao mesmo campo ético de Hitler, Stálin ou Duque de Caxias (se quisermos um brasílico representante na corja dos facínoras). Numa palavra, embaixador do capeta. Mas chega um momento em que se deve encarar Maquiavel de frente, despojar toda a crendice que o envolve, e imergir ? com muita precaução - no texto.

Dificilmente a leitura fugaz de O Príncipe resistirá ao peso do preconceito tão bem alicerçado pelos costumes. Tomadas ao pé da letra, fora do conjunto da obra, suas indicações ao príncipe projetam-se certamente como escabrosas à consciência. A transcrição literal do segundo parágrafo do capitulo XV, por exemplo, - “Assim, é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade” - seria suficiente, aos olhos dos antimaquiavélicos, para fundamentar sua imoralidade, sua falta de princípios. Mas poderiam ir além, citando passagens em que o filósofo florentino defende que é mais seguro o príncipe ser temido que amado, que este deve abandonar a palavra dada quando lhe convém e “fomentar com astúcia certas inimizades”, que a aparência deve prevalecer à realidade, etc. Ali estaria, segundo eles, com dedo em riste, o autor responsável pela máxima “os fins justificam os meios”.

A desconstrução do mito, no entanto, começa precisamente neste ponto. Maquiavel nunca disse o tal provérbio (na realidade, a sentença surgiu no interior da moral jesuíta com o padre Busenbaum). Durante todo o texto, Maquiavel coloca o povo em primeiro lugar, demonstrando forte vocação democrática ao enxergar uma política injusta exatamente naquela que promove o descontentamento popular . A perfídia e a falta de escrúpulos, embora as apresente como vícios humanos, não foi sistematizada por ele. De longe se constata, aliás, sua crença na honestidade e na lealdade da vida civil . O que Maquiavel realiza, assustando a moral desprevenida, é apenas (como se fosse pouco) uma arqueologia das ações políticas na História, longa análise na qual se verificam as razões de sucesso ou infortúnio no decorrer histórico das civilizações. Para cada “maquiavelismo” acima, há uma justificativa comprometida com a história e a base empírica-comparativa pôde lhe fornecer uma conclusão amarga: “vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se deveria viver, que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar”. Não se pode culpar Maquiavel por ter elucidado a realidade, por ter exposto cruamente as armadilhas da nossa constituição social. O erro persiste em não observar que a maldade dos homens precede a época de Maquiavel.

A obra não se limita, contudo, à mera exposição dos fatos históricos. A partir deles, o filósofo define o modo de agir e proceder do governante, as regras de eficácia na arte de governar. Na teoria maquiavélica (adjetivo que dá calafrios!), o homem de virtù, homem prudente e consciente de suas forças, deve estar preparado aos ímpetos desconhecidos da fortuna, do destino imprevisível, do acaso. A fortuna é como um rio caudaloso, que eventualmente pode causar enchentes, alagar planícies, destruir cidades. A virtù representa o engenho humano que constrói barragens e diques, para que na próxima cheia a impetuosidade do rio da fortuna seja controlada. A recorrência dos acontecimentos permite a análise do presente. Aí reside toda atitude política defendida por Maquiavel. A virtù deve pautar nosso livre-arbítrio, única parte em que cabe a ação sobre o destino. A sorte, fortuna, representa o outro componente inevitável e “quando um príncipe se apóia totalmente na fortuna, arruína-se segundo as variações dela”. Como se sabe em bom português, é sempre bom não dar sopa pro azar.

O mundo contemporâneo, que nos traz maior liberdade de ação e ao mesmo tempo um feixe maior de instabilidades e incertezas (sejam de ordem profissional, emotiva, espiritual), acaba de certa maneira nos aproximando da figura do príncipe. Daí decorre a importância da obra maquiavélica (arrepios!), desde que consigamos incorporar ao âmbito das relações privadas esta ética da virtù, sim, ética. O passo é longo, pois com dificuldade a aceitamos como tal. No brilhante artigo de 1949, Merleau-Ponty afirmava: “O que faz com que não se compreenda Maquiavel é que ele une o mais agudo sentimento de contingência ou do irracional do mundo com o gosto da consciência ou da liberdade do homem”. Parece que ainda não temos base empírica para poder tomar as rédeas do nosso destino. Permanecemos circunspectos e apreensivos diante dos vaticínios da fortuna, que atravessa intempestiva o dia-a-dia. Algumas vezes, ela ajuda, em outras, destrói. Mas pelo que se vê, adotar uma efetiva postura política para nossas vidas continua produzindo, como o termo “maquiavélico”, alguns calafrios. O “Aurélio” e o “Houaiss” que o digam.

Fonte:apatada

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Frases Imortais de Maquiavel


"Há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis".

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O BOM CIDADÃO NO REGIME REPUBLICANO

Ao contrário do que ocorre no principado, a educação para a cidadania no interior do regime republicano implica em levar o indivíduo a afeiçoar-se mais às leis e instituições do que à pessoa dos governantes e autoridades.

O povo julga pelas aparências, deixando-se enganar por elas. Enquanto no principado esse fato não produz perturbação, visto que a tomada de decisões permanece monopólio do príncipe, na república, ao contrário, representa problema político da maior gravidade. Na perspectiva maquiaveliana, a república caracteriza-se por ser um regime político em que a guarda da liberdade deve ser confiada à maioria, isto é, ao povo, a quem compete inclusive a distribuição de cargos e dignidades. Na república o povo escolhe, tem poder de decisão, mas ele pode ser facilmente enganado e provocar a ruína do Estado: "muitas vezes o povo, enganado por uma falsa imagem do bem, deseja sua ruína" (Machiavelli, 1992 - Discorsi, I, 53: 134).

... (A) manutenção da liberdade através das instituições republicanas deve ser confiada à coletividade dos cidadãos e, de modo muito especial, aos excelentes, aqueles que possuem qualidades e virtù para agir visando o bem comum. O cidadão que assim se comporta fatalmente torna-se alvo do reconhecimento popular, conquistando fama, reputação e glória. A reputação oriunda do "favor popular", por sua vez, redunda em autoridade e pode conduzir à ambição política, uma vez que o desejo de poder, natural em todos os homens, faz-se particularmente presente nos indivíduos de mérito que, além de ambicioná-lo, têm condições e oportunidade para alcançá-lo.

Portanto, é justamente pelas mãos daqueles com quem a república mais precisa contar na salvaguarda da liberdade - os cidadãos virtuosos que a tirania pode instalar-se. Maquiavel explícita com todas as letras esse dilema: "sem cidadãos reputados uma república não pode existir, nem governar-se bem de algum modo. Por outro lado, a reputação dos cidadãos é causa da tirania nas repúblicas" (1992 - Discorsi, III, 28: 235). A boa reputação contém um potencial tirânico, contra o qual é necessário precaver-se.

A ambição pessoal por glórias e riquezas pode entrar em rota de colisão com o bem comum, mesmo num regime politicamente sadio. Das duas finalidades que a ambição humana persegue com maior afinco - riquezas e honrarias - Maquiavel reputa a primeira incompatível com o governo republicano, uma vez que ela contém a semente da corrupção. Para que a riqueza sem virtudes não possa corromper (cf. 1992 - Discorsi, III, 16: 222), a pobreza se vê elevada à dignidade de princípio político: "a república bem organizada deve manter o Estado (i] publico) rico e os cidadãos pobres" (ibidem, I, 37: 119).

Existe, entretanto, flagrante contradição entre o preceito republicano de manter os cidadãos na pobreza e a natureza ambiciosa dos homens em geral. Maquiavel sabe que não pode contar com uma atitude altruísta por parte dos cidadãos, ou supor que abririam mão de interesses particulares em nome do bem coletivo, o que seria, inclusive, contraditório com sua concepção da natureza humana. Resta uma alternativa: que a ambição por riquezas seja substituída por outro tipo de satisfação ou recompensa pessoal - honra e glória - que também fazem parte dos apetites humanos. No plano individual, a glória representava uma das mais altas aspirações do homem renascentista. Todavia, enquanto os escritores humanistas concebiam a glória e a fama sob um prisma eminentemente individual, ligado à preocupação do indivíduo em perpetuar seu nome no mundo, Maquiavel apropria-se desses valores humanistas para instrumentalizá-los em vista de um projeto político coletivo.
Além de corresponder à realização de uma aspiração individual, a glória pode, simultaneamente, harmonizar-se com o bem comum, ao contrário da riqueza.

Maquiavel reconhece como legítima a aspiração à reputação pessoal: o perigo está em sobrepô-la ao bem coletivo. Promove-se, por assim dizer, um redirecionamento da ambição humana, canalizada para uma forma de satisfação compatível com o vivere civile. Além dos meios coercivos destinados a controlar a natureza maligna do homem - basicamente as armas e a lei -nas repúblicas a glória representa uma alternativa positiva à sua insatisfação inata. Ainda assim, permanece a necessidade de encontrar formas de harmonizar a aspiração pessoal à glória, enquanto exaltação de si mesmo, com a realização do bem comum.

Para satisfazer a legítima aspiração do cidadão à reputação pessoal sem danos ao bem comum, torna-se necessário considerar os meios empregados para conquistá-la, que, segundo o autor, são fundamentalmente dois: um público, outro privado. "O modo público é quando alguém adquire reputação aconselhando bem e, melhor ainda, agindo em benefício comum" (1992 - Discorsi, III, 28: 235). Por esta via, o indivíduo procura ganhar destaque através de ações extraordinárias, gestos e atos inusitados e espetaculares que, simultaneamente, visem o bem comum, a exemplo dos romanos nos tempos áureos da república: "Assim agiram muitos romanos, ainda jovens, propondo que se promulgasse uma lei benéfica a todos, acusando algum cidadão poderoso como transgressor das leis ou fazendo outras coisas semelhantes, novas e notáveis, que dessem o que falar." (1bidem, III, 34: 242).

Este caminho para a fama deve estar aberto a todos os cidadãos, que através dele podem satisfazer sua ambição pessoal e, simultaneamente, beneficiar sua pátria; embora a honra e glória que disso resulta selam apropriadas individualmente, quando obtidas por essa via não trazem nenhuma ameaça.

A via privada, ao contrário, consiste na aquisição da boa reputação através de ações individuais, cujos beneficiários são também cidadãos particulares, visando, em última instância, com base no poder de influência acumulado, alcançar fins privados.

A via privada consiste em fazer benefícios a outros cidadãos privados, emprestando-lhes dinheiro, apadrinhando-lhes o matrimônio dos filhos, defendendo-os dos magistrados e fazendo-lhes favores particulares semelhantes, os quais transformam os homens em partidários (partigiani) e dão ânimo - a quem é tão estimado - para corromper as instituições públicas e violar a lei" (1992 - Discorsi, 111, 28: 235).

Sobre a reputação obtida por via privada o julgamento de Maquiavel é radical e categórico: ela é perigosa e nociva, Um só ato dessa natureza que se deixe impune pode arruinar a república; por isso aprova o procedimento que os romanos adotaram com relação a Spúrio Mélio, um rico cidadão.

Numa ocasião em que houve fome em Roma e as provisões públicas eram insuficientes para sanar o problema, Spúrio Mélio resolveu distribuir ao povo suas reservas privadas de cereais. Com esse ato de liberalidade conquistou de tal modo o favor popular que o Senado, pensando nos inconvenientes que poderiam nascer disso, nomeou contra Spúrio um ditador, que o fez executar (cf. Machiavelli, 1992 - Discorsi, III, 28: 234).

A respeito desse episódio Maquiavel comenta: "deve-se notar como muitas vezes as obras que parecem boas (pie) e que não se podem sensata mente (ragionevolmente) condenar, tornam-se cruéis e perigosíssimas para uma república quando não são corrigidas a tempo" (Ibidem). A distinção maquiaveliana entre virtude moral e virtù republicana fica evidente nessa passagem do texto: um ato moralmente bom em si mesmo pode não ser compatível com o bem comum.

O perigo da via privada para a obtenção da boa reputação reside no fato de que ela pode arruinar a liberdade republicana pela instituição de um poder tirânico. Nos Discorsi manifesta-se, ao longo de toda a obra, a preocupação de exorcizar o fantasma da tirania, estabelecendo salvaguardas para a liberdade, fundamento do Estado voltado para o bem comum. Mesmo no melhor regime político - a república - a malignidade humana jamais é erradicada e a ambição privada sempre pode sobrepor-se ao bem público. O preço da liberdade é a constante vigilância, particularmente sobre os indivíduos que adquirem fama e reputação e por isso podem galgar cargos e magistraturas, para que "não possam fazer o mal à sombra do bem, de modo que só tenham a reputação que beneficia a liberdade, não aquela que a prejudica" (1992 - Discorsi, I, 46: 129).

Uma das formas de vigiar a liberdade, para que esta não sucumba à tirania, consiste em adotar uma conduta política baseada na severidade e no rigor. O dilema crueldade/piedade, já abordado em O Príncipe, reaparece formulado em termos republicanos: "Se a clemência (l'ossequio) é mais necessária do que o rigor (la pena) para governar a multidão" (1992 - Discorsi, III, 19: 225).

Depois de tecer longas considerações baseadas nos exemplos dos capitães romanos, Maquiavel conclui que, numa república, é mais louvável e menos perigoso adotar uma conduta mais rígida e severa, pois nesse procedimento tudo se dá em favor do público, em nada favorecendo à ambição privada; porque desse modo não se pode conquistar partidários (partigiani), isto é, mostrando-se sempre áspero com cada um, e amando só o bem comum; quem assim age não conquista amigos particulares (particolari amici), aos quais, mais acima, chamamos de partidários (partigiani) (Ibidem, III, 29: 229).

Nos regimes republicanos, o vínculo do cidadão com o Estado deve estabelecer-se fundamentalmente pelas vias institucionais; a criação de laços pessoais cria partidários, ou seja, promove a particularização do que é publico, principio elementar de toda tirania, e, portanto, ameaça à liberdade; o cidadão ambicioso pode aproveitar-se da reputação adquirida para usurpar o poder e instituir uma tirania.

Como a bondade, humanidade, piedade, clemência e outras qualidades análogas se prestam ao estabelecimento de vínculos de afeição pessoal, os comportamentos que se pautam por elas devem ser vigiados e postos sob suspeita, a exemplo do caso de Spúrio Mélio. Ao contrário do que ocorre no principado, a educação para a cidadania no interior do regime republicano implica em levar o indivíduo a afeiçoar-se mais às leis e instituições do que à pessoa dos governantes e autoridades.

Fonte: Lídia Maria Rodrigo (Maquiavel: Educação e Cidadania, Ed. Vozes, 2002, 83-89)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A POLÍTICA EM MAQUIAVEL

Por João Vicente Hadich Ferreira

Em plena aula de filosofia, onde o tema era Maquiavel, um aluno levanta-se e diz:

- Professora, vou me retirar da sala, pois, recuso-me assistir a esta aula sobre um sujeito que parece o demônio. Já ouvi diversas vezes que quando alguém faz mal a outra pessoa é chamado de maquiavélica e que a gente po de fazer tudo aquilo que quiser, o que vale é a intenção. Eu não concordo com nada disso.

Diante desta atitude do aluno, a professora diz:
-É importante que você fique, pois me parece que precisamos estudar melhor este pensador para daí podermos tirar algumas conclusões. Maquiavel é conhecido por sua afirmação ‘os fins justificam os meios’. O que Maquiavel queria dizer com essa afirmação? Será que para atingir determinado fim, devemos lançar mão de todos os meios possíveis? Na política, por exemplo, quais meios devem ser utilizados para um político chegar ao poder? Quais meios são considerados válidos?

Texto completo clique aqui

Fonte:Instituto de Educação Estadual de Londrina. Londrina - Pr

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Café Filosófico - Encontro com o desconhecido - Renato Janine Ribeiro



Segundo Renato Janine, o tema do desconhecido, no passado, causava medo porque se constituía no novo. De acordo com ele, o desconhecido começa a ser valorizado na revolução Francesa: o novo passa a ser importante. O jacobino Saint-Just propõe que a felicidade seja uma idéia nova. Hoje valorizamos tanto a novidade que a nossa ação fica aquém da ação de inovar.

Janine coloca ainda que a modernidade nasce com "O Príncipe", de Maquiavel: a condição do príncipe torna as coisas extremamente difíceis por que ele precisa escolher. Como no livro "O príncipe", a questão da escolha se torna fundamental para nós, mas praticamente sem parâmetros, sem caminhos. De acordo com o palestrante, nosso tempo dá um valor enorme ao novo. O que tem tempo, o que está envelhecido passa a ser desvalorizado intensamente. São poucas as coisas com idade que têm valor. Em nosso país a juventude é muito valorizada. Janine acrescenta que nós temos hoje um conhecimento extraordinário em várias áreas, mas o conhecimento repercute muito pouco no plano da ação.

Estamos descobrindo novos conteúdos e temos que aprender e apreender para a felicidade. O encontro com o desconhecido pode começar por esse espaço de ampla liberdade, sem caminhos prévios onde o risco do sofrimento no encontro e desencontro com o outro possa ser potencializado num nível, talvez, nunca visto e numa freqüência nunca vista. Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, na qual se doutorou após defender mestrado na Sorbonne. Tem se dedicado à análise de temas como o caráter teatral da representação política, a idéia de revolução, a democracia, a república, a cultura política brasileira. Entre suas obras destacam-se "A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil" (2000, Prêmio Jabuti de 2001) e "A universidade e a vida atual - Fellini não via filmes" (2003). O programa Café Filosófico é uma produção da TV Cultura em parceria com a CPFL Energia

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O GOVERNO MISTO

Maquiavel, tal como diversos autores, defende o governo misto como condição de se estabelecer a força da lei capaz de manter a república. Afirma que os legisladores mais sábios sempre escolhem o sistema de governo do qual participam todas as formas já referidas, o que o toma mais sólido e estável: "se o príncipe, os aristocratas e o povo governam em conjunto o Estado, podem com facilidade controlar se mutuamente". Lembra o exemplo de Licurgo cuija legislação tornou Esperta estável por oitocentos anos, de tal forma soube contrabalançar o poder do rei, da aristocracia e do povo. E critica Sólon, legislador de Atenas que não reprimiu "a insolência dos aristocratas e a licença da multidão".

A Roma republicana também teve a virtude do equilíbrio
De início, os cônsules e os senadores representavam a mistura da monarquia e a aristocracia, mas, com o tempo, as desavenças entre patrícios e plebeus fizeram com que aqueles cedessem para não perder tudo devido ao ressentimento do povo. Surgiram então os tribunos da plebe, instituição representativa do governo popular. É Maquiavel quem diz: "A sorte favoreceu Roma de tal modo que, embora tenha passado da monarquia à aristocracia e ao governo popular, seguindo a degradação provocada pelas causas que estudamos, o poder real não cedeu toda a sua autoridade para os aristocratas, nem o poder destes foi todo transferido para o povo. 0 equilíbrio dos três poderes fez, assim, com que nascesse uma república perfeita". Maquiavel reitera essa posição quando nota que, no seu tempo, a república de Veneza e a monarquia inglesa são estáveis porque têm um governo misto. Os governos simples, ao contrário, são "pestíferos" peia breve duração. Por isso, defende a reforma do Estado de Florença em um texto enviado a Leão X, propondo a seguinte divisão:

-Um governo vitalício de 65 cidadãos, entre os quais é escolhido o gonfaloneiro;
-Um Senado composto de duzentos membros, o Conselho dos Escolhidos;
-Um Conselho Popular constituído de seiscentos a mil cidadãos.


Fonte: Maquiavel - a lógica da força, Ed. Moderna, 1993, pág. 71 e 73

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O ELOGIO AO CONFLITO

Há algo absolutamente novo na interpretação de Maquiavel e que representa uma verdadeira ruptura, já que, para a tradição, a estabilidade e a paz eram consideradas padrões para avaliar as boas formas de governo.

Ao considerar as forças opostas da aristocracia e do povo, Maquiavel não espera que os conflitos possam desaparecer, mas sim que a relação entre as forças antagônicas seja sempre de equilíbrio tenso.

A posição de Maquiavel foi duramente criticada. Diz o cientista político inglês Quentin Skinner: "Esse elogio à discórdia horrorizou os contemporâneos de Maquiavel. Guicciardini falava por todos eles ao replicar, em suas Considerações sobre os Comentários, que 'elogiar a desunião é como louvar a doença de um enfermo pelas virtudes do remédio a ele aplicado'.

O argumento de Maquiavel ia contra toda a tradição do pensamento republicano de Florença, uma tradição em que a crença de que toda discórdia deve ser banida como sediciosa, ao lado da crença de que toda luta de facção constitui a mais mortal das ameaças à liberdade cívica, havia sido enfatizada desde o fim do século XIII, quando Remigio, Latini, Compagni e sobretudo Dante haviam feito veementes denúncias contra seus concidadãos, aos quais acusavam de colocar em perigo suas liberdades, recusando-se a viver em paz. Assim, insistir no assombroso julgamento segundo o qual - como expressa Maquiavel as desordens de Roma merecem os mais altos elogios era repudiar uma das mais caras idéias do humanismo florentino". A característica inovadora da proposta maquiaveliana está no reconhecimento de que a política se faz a partir da conciliação de interesses divergentes, e o conflito é inerente à atividade social humana, o que supõe a moderna concepção de ordem, não mais hierárquica, mas que resulta do confronto. Para Maquiavel, as divergências entre aristocratas e povo em Roma, longe de provocar a decomposição da república, a fortaleceram. É importante haver mecanismos no Estado por meio dos quais o povo possa expressar seus desejos e realizar seus anseios. Do mesmo modo, devem existir formas de controlar os excessos.

Segundo Norberto Bobbio, pensador italiano contemporâneo, "Maquiavel faz uma afirmativa destinada a ser considerada como uma antecipação da noção moderna de sociedade civil, segundo a qual a condição de saúde dos Estados não reside na harmonia forçada, mas sim na luta, no conflito, no antagonismo (mais tarde, dir-se-á: no processo histórico) - que correspondem à primeira proteção da liberdade".

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MULTIDÃO E CONSELHEIROS

Maquiavel elogia ao povo quando diz: "não é sem razão que se compara a voz do povo à voz de Deus: porque vê-se a opinião universal produzir efeitos tão maravilhosos em suas predições, que parece haver nela uma virtù oculta para prever o seu mal e o seu bem."(Discorsi, I, 58: 141)
Mas o povo pode se enganar. "O povo só pode enfrentar o engano a que é induzido pelos homens ou pelos acontecimentos se tiver a sorte de encontrar alguém que seja sábio e confiável para esclarecê-lo sobre o que é bom e o que é mau (Discorsi, I, 53: 134) Sob o domínio das paixões, a massa pode produzir grandes tumultos e desordens; porém, torna-se fácil contê-la, pois, como age sob impulso, basta proteger-se de sua primeira arremetida que os ânimos logo se arrefecem e ela perde a confiança na sua própria força. Para Maquiavel a multidão precisa de conselheiros para distinguir a verdade da aparência enganosa, e de um chefe para dirigi-la ou comandá-la na ação, dada sua incapacidade de autodisciplina e auto-organização. Maquiavel intuiu a necessidade de uma participação ativa do povo na vida político-social, mas está longe de Ter tirado dessa premissas todas as implicações que deveriam logicamente decorrer delas. Mas, com certeza, a explicação mais plausível para as flutuações na avaliação das qualidades populares deve ser buscada nas razões apresentadas pelo próprio autor: na diferença que ele estabelece entre uma multidão solta, sem freio, e a multidão regulada pelas leis, como a romana. (Discorsi, I, 58: 141)

Fonte:Maquiavel, Lídia Maria Rodrigo, Ed. Vozes, 2002, p. 105 e 106