Assinalava Aristóteles que o homem é o único animal dotado de palavras (logos), ou seja, da capacidade de emitir um discurso articulado o que lhe permite elaborar, a partir de uma reflexão sobre um prazer e a dor, as noções de bem e de mal, de justo e de injusto, é, ao mesmo tempo, “por natureza”, o único animal político.
Ao se cogitar da justiça como centro da democracia equivale a acreditar também no conceito de igualdade e de “contrato social”. De sorte que desatar o emaranhado das relações que envolvem a justiça, igualdade e contrato é tarefa complexa, além de se constatar a íntima ligação entre tais conceitos o que nos reporta a um mergulho profunda na reflexão epistemológica de tais conceitos e valores.
Em suma, a igualdade é o meio de garantir a justiça, e esta é uma forma de perpetuar a igualdade. E ambas, pressupõem o estabelecimento de contratos.
Segundo o Dicionário Básico de Filosofia, de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, a igualdade advém do latim aequalitas, é uma noção lógica ou matemática significando a equivalência entre duas grandezas.
Assinala mais adiante que o termo igualdade possui várias acepções entre elas: a jurídica ou a civil significando que a lei é a mesma para todos; a igualdade política significando que todos os cidadãos têm o mesmo acesso a todos os cargos públicos, sendo escolhidos em função de sua competência; a igualdade material significando que todos os homens dispõem dos mesmos recursos.
As duas primeiras igualdades, igualdade de princípios, constituem a base das democracias.Adiante, ressalta ser questionável, a igualdade natural ou biológica, pois por natureza pois não somos idênticos uns aos outros.
Questionável ou não, a igualdade é resultante de um contrato que as partes concordam e aceitam de comum acordo, com o fim de instituir entre si uma relação mútua, na qual um deles em encontra uma vantagem igual.
E sendo assim a justiça é aquilo pelo qual os contratos são assinados, pois, pelo simples fato, de que são assinados, e as partes se comprometeram a não exigir, doravante, nada além do que a parte que lhes é devida em virtude do contrato.
Não é muito original a idéia de que para fazer reinar no seio da comunidade a igualdade e a justiça, e, portanto a democracia deveria ser fundada sobre um contrato.
Não é uma idéia crassa, pois prevê a hipótese criada e, portanto, completamente artificial da sociedade política. Portanto, também a igualdade é tão arquitetada quanto a sociedade política muito mais por necessidade do que exatamente por virtude.
O velho antagonismo expresso entre o nomos e a physis, ou seja, entre a lei (criação humana) e a natureza(dado fundamental onde o homem seria apenas uma parte) se encontra no centro de violentos confrontos de várias correntes do pensamento.
Para os sofistas, a sociedade política longe de ser uma realidade natural, é apenas um artefato assim como toda lei que é apenas uma convenção. Desta forma, identificamos, os sofistas como os precursores remotos da teoria do contrato social.
Protágoras de Abdera considera que cabe ao homem “medida de todas as coisas”, afirmar a sua soberania sobre a natureza, inventando leis capazes de fazer triunfar a justiça na cidade.
Hípias de Elis sublinha a relatividade de tais leis advinda de sua origem artificial e eminentemente convencional.
Antifonte indo além, afirma que não há nada moralmente condenável em transgredir as convenções sociais, desde que isso não seja feito às claras, ou seja, expressamente.
Platão e Aristóteles combateram incessantemente as teses sofísticas. E ambos, são crédulo em Sócrates que enunciou que o indivíduo separado de sua cidade, não será mais um homem; donde de se conclui que o cidadão é efeito da cidade e , não o contrário.
Aristóteles lança pela primeira vez no texto da Ethica Nicomanchea, um juízo acerca do problema da justiça prometendo sobre ele se debruçar em outra parte da obra. Assim tal problema situa-se em determinar qual o envolvimento entre a ética e a justiça.
Assim justiça é uma virtude, e é célebre a doutrina que define a virtude como um estado intermediário entre dois vícios: o de excesso e do defeito.
No diálogo “O político” de Platão este assimila a arte “do rei” , do legislador ou do homem de Estado, à arte do pastor. Mesmo que na seqüência no diálogo venha a aderir a uma definição diferente onde a arte “do rei” como a arte “do tecelão”.
No fundo, para completo desagrado de Aristóteles, o pensamento platônico em seu conjunto não opera distinção entre o “poder do pastor” sobre o rebanho, e do “pai de família” sobre seus parentes e o poder político propriamente dito. Em síntese, não há distinção entre a cidade e uma grande família.
O próprio Aristóteles se abstém de assimilar a cidade a uma família, não deixa de concluir , por outros caminhos, pela “naturalidade” da cidade.
Assinalava que o homem é o único animal dotado de palavras (logos), ou seja, da capacidade de emitir um discurso articulado o que lhe permite elaborar, a partir de uma reflexão sobre um prazer e a dor, as noções de bem e de mal, de justo e de injusto, é, ao mesmo tempo, “por natureza”, o único animal político.
Segundo o tratado aristotélico, a cidade é definida pela reunião de várias aldeias, e, por conseguinte, pela reunião de várias famílias, portanto, é a realidade mais natural que existe e atende completamente a instintiva tendência humana de se agruparem para garantir a sua própria reprodução e sobrevivência.
Só ao homem através do logos cabe o debate filosófico e político e o acesso ao pleno conhecimento do justo e do injusto. Fundamentalmente, a justiça é fruto da arquitetura social e política humana.
A cidade além de significar a forma suprema de comunidade, que se confunde com o Estado, além dela, nada mais existe ou é palpável. A cidade basta a si mesma, gozando de autonomia, pois, a cidade é suficiente para garantir não só a “vida” mas sobretudo a “vida boa” e “feliz”.
O domínio ora do platonismo e ora do aristotelismo sobre a cultura medieval impediu que os pensadores desta época concebessem a cidade (civitas), isto é, a nação , ou o Estado como criação artificial, como produto de vontade de viver em conjunto que uma comunidade humana tivesse manifestado.
A cidade é simples etapa no caminho da cidade “celeste” ou civitas Dei (a cidade de Deus). Sendo a cidade uma imperfeita transfiguração, não podendo evitar o mal e nem representar a finalidade suprema da existência.
De qualquer modo, tanto o pensamento de São Tomás de Aquino como o de Santo Agostinho deriva assim uma ver de maneira natural a primeira associação humana, in casu, o exemplo bíblico, de Adão e Eva, desejado e modelado por Deus.
A cidade terrestre requer uma certa atenção“médica” que já inspirava a certos pensadores medievais perorações sobre a “arte de governar”.
Apenas no século XVI sem a concepção naturalista da cidade a ser questionada, com o desenvolvimento das ciências experimentais, da tecnologia, do racionalismo e do humanismo que tanto contribuiu para o enfraquecimento da concepção religiosa e política do mundo.
E ainda, a eclosão das doutrinas de Maquiavel e Jean Bodin (teóricos e defensores da soberania do Estado diante da Igreja) e de La Boétie (ferrenho crítico da servidão voluntária) mais tarde, também as idéias de Johannes Althusius e Francisco Suarez (que foram introdutores da noção de soberania popular), sem se, esquecer das maravilhosas utopias de Thomas More e Tommaso Campanella.
Assim a cidade terrestre recupera seu status pleno de cidade, e consolida-se como o horizonte último da vida humana, sendo novamente concebida como obra ou artefato.
Situa-se precisamente a cidade como uma obra de arte ou de uma “técnica” para produzir cidades, assim como para produzir qualquer coisa. Como obra de arte, a cidade abrange uma certa estética e ética.
Por outro lado, a prosperidade da burguesia revolucionária (como disse Marx), ou seja, de uma burguesia industrial e comercial, que inventando o capitalismo, assumindo o poder na Europa leva, então os filósofos a pressentirem a necessidade de fundar, distinguindo-as, as da esfera pública (lugar da luta pelo poder) e as da esfera privada destinadas ao enriquecimento individual, material e espiritual.
E aos poucos, conceber progressivamente, o laço social da esfera pública a partir do laço comercial. Em suma, visualizar o contrato, o pacto ou convenção.
Inscreve-se a problemática do estado de sociedade nos dilemas do “direito natural”, simplesmente embora se trate apenas de uma de suas variantes possíveis.
As linhas mestras do modelo do contrato social encontram-se esboçadas nas obras de dois princípios jusnaturalistas do século XVII, Hugo Grotius (Do direito da guerra e da paz, em 1625) e Samuel Pufendorf (Do direito da natureza e dos povos, em 1672).
O tema do contrato mais tarde é retomado por Hobbes no seu “Leviatã” (1651), por Locke nos seus dois “Tratados sobre governo civil” (1690) e, algumas décadas depois por Rousseau em seu “Contrato social” (1762).
Após longo e silencioso eclipse, o contrato reaparece na obra de John Rawls (Teoria da Justiça, em 1971) que significou uma surpreendente renovação da filosofia política nos países saxônicos.
O holandês Grotius sobrevivente de Europa que sai das guerras religiosas e, adentrava na Guerra dos Trinta Anos, uma terra onde reina a insegurança e a violência, escreve que o Estado nada mais é que “um corpo perfeito de pessoas livres, que se reuniram para gozar pacificamente de seus direitos e para sua utilidade comum”.
Num second round, investindo o Estado da missão sagrada de fazer reinar uma paz sem a qual as transações comerciais não poderiam prosperar, e na idéia segunda a qual a sociedade política só poderia basear-se no consentimento de cada indivíduo, no sacrifício voluntário da sua própria independência, sacrifício graças ao qual cada um recolherá o benefício de uma segurança garantida por leis, assim como por instituições encarregadas de fazer respeitá-las.
Num primeiro tempo ocorre o “pacto de associação”(pactum societatis) pelo qual os homens se reúnem para constituir uma sociedade civil.
Num segundo tempo, ocorre o “pacto da submissão”(pactum subjectionis) pelo qual os membros dessa nova comunidade designam os titulares do poder que terá o encargo de protege-los , ou seja, de fazer reinar a paz, governando-os.
A extensão de tal submissão fora exagerada por Rousseau (um refugiado político) que não poupa em despojar do povo todos os direitos, para revestir com estes os reis, com toda a arte possível (in Do contrato social, livros II, cap.2).
Efetivamente, equivale ao cap. 4 do Livro I, “Do Direito da guerra e da paz” de Grotius, obra que continua ser a base do direito internacional moderno onde é consagrado “à guerra dos súditos” contra os poderes de que eles dependem, ou seja, contra o Estado.
Grotius ainda cita não menos de sete casos em que declara ser legítima resistência ao poder soberano, idéia audaciosa para época que emergirá pungente com os revolucionários americanos e franceses, e depois com os teóricos da desobediência civil que foi rejeitada por Hobbes e Kant.
Hobbes, na aurora dos tempos modernos, foi primeiro pensador (depois de Maquivael, Locke e Spinoza) cujas idéias políticas são indissociáveis de uma vasta concepção filosófica do contrato.
Hobbes não acreditava em Deus, nem no outro mundo, nem, neste mundo, em “espíritos” que existiriam inerentes aos corpos. Segundo ele, há apenas corpos. Alguns destes corpos humanos, movidos por uma força interna chamada desejo.
Somente o desejo pode explicar os movimentos humanos, o corpo humano é sobretudo um corpo desejante. E o desejo humano é naturalmente insaciável.
Tão logo acabo de desejar um objeto, começo imediatamente a desejar outro, já pensando nos meios de garantir , além desse próximo objeto, a minha própria sobrevivência (que é a satisfação de meus desejos posteriores).
Como não se é capaz de dizer: “aqui e agora, deixo de desejar”, segue-se que o estado natural no qual os homens se encontrariam uns em relação aos outros, sem nada nem ninguém os impedisse, de desejar infinitamente, só poderia ser um estado de guerra.
Para Hobbes o “estado de natureza” é um “estado de guerra” permanente e interminável, uma guerra apresentada (pelo Leviatã em livro I, cap.13), com “uma guerra de todos contra todos (a war of every man against every man).
E a célebre fórmula tirada da edição em latim do Leviatã: homo homini lupus (o homem é o lobo do próprio homem).
Evidentemente, é impossível em tal estado sob temor e terror constantes. Para escapar ao inferno terrestre, os homens (isolado e até então prisioneiros de seus desejos solitários) decidem portanto reunir-se a fim de fazer um “contrato”(contract) ou uma convenção (covenant).
De acordo com os termos desse contrato, cada um deles escolhe livremente criar com os outros uma “república” (que se traduz no século XVII com o termo commonwealth).
Escolhe abrir mão de um desejo seu, renunciar à sua liberdade para entrega-la a uma autoridade central, de um soberano (sovereign) ou de um “corpo político”(political body)
que, doravante, será dotado de todo poder para fazer triunfar a paz e a segurança.
Os signatários desse contrato estão ligados uns aos outros, uns pelos outros. Não terão mais o direito de exigir algo além dos benefícios que se podem esperar da tranqüilidade pública.
Nem o direito de subtrair-se à comunidade criada por eles, salvo, é claro, se a segurança de suas vidas estiver em jogo, pois em face da primeira “lei da natureza”,“ninguém pode ser obrigado a fazer algum coisa contra a própria vida”.
Mas o soberano não está submetido à convenção, pois é o produto desta, e não dos que a assinaram. O soberano é o “corpo artificial” totalmente separado da comunidade política, e não um “corpo natural”.
Ainda que assuma a figura de um indivíduo (ou de um conselho ou assembléia), que resuma a uma pessoa física (monarquia), ou plúrima (oligarquia). Tudo que o soberano faça será legítimo desde que a convenção seja respeitada (ou seja, e não ameace a vida dos signatários do contrato social).
A uma coisa que importa, na ótica hobbiana é que esse “corpo” dite a lei e a faça respeitar, e que nenhum de seus súditos possa rebelar-se contra ele, exceto, aquele que sinta que sua vida está diretamente ameaçada).
Indiferente à questão de melhor regime político, Hobbes legitima um despotismo novo, o despotismo da lei que representa a única garantia da paz civil.
Hobbes por causa de tal despotismo fora duramente criticado por tal posicionamento doutrinário e irritou severamente seus contemporâneos principalmente seus os sucessores como Locke e Rousseau (mais sensíveis ao tema da liberdade que ao paz).
Aliás, há trezentos anos continua Hobbes indignando a maioria de seus leitores, principalmente por ser materialista, tanto quanto Maquiavel, a que devemos creditar toda a laicização da política.
Hobbes tenta arquitetar a paz da qual o capitalismo precisa, acredita que pode limitar o estado de guerra ao estado da natureza.
Em contrapartida, Maquiavel (há um século anterior) e mesmo Hobbes, vivendo numa fragmentária Itália medieval, não pode se traduzir no pensador da “burguesia triunfante e reluzente” ignora a problemática do contrato e, estima que a guerra se estende também ao estado social.
Mas tanto Hobbes quanto Maquiavel não acreditavam nem em Deus e nem no diabo e não confundiam o teatro da política com o da moral ou da religião.
Assim como Maquiavel, Hobbes ofende as “almas nobres” e aos humanistas. A maldição sobre Hobbes foi agravada também por Carl Schmitt, teórico do “estado total” em um texto de 1927, cuja orientação foi rudemente criticada pelo Léo Strauss em artigo de 1932, tendo ainda em 1938, Schmitt a pachorra de escrever um ensaio sobre o Leviatã que adere inescrupulosamente ao anti-semitismo e a um totalitarismo sem precedentes. E que teria conseqüências desastrosas por toda a Europa.
Hobbes em sua concepção de contrato demonstra que o mesmo se destina a garantir o mínimo de segurança pública, sem a qual não se poderia cogitar de liberdade, digna em valor e extensão.
Sem Hobbes, salienta sabiamente Strauss, não seria possível o liberalismo clássico. Enfim, o despotismo da lei e o contrato hobbesiano tem o mérito de instaurar entre seus signatários uma autêntica igualdade sendo esta a prima substancial da democracia.
Não se poderia acusar Hobbes de ter dado mais importância àquela do que esta, ao “conteúdo” do que ao “continente”.
Locke preocupava-se mais com os dois pilares da riqueza burguesa que são de um lado, a liberdade de trocas, e de outro lado, o direito à propriedade privada.
Em sua obra”Segundo tratado do governo civil” mostra que o direito à propriedade privada é um direito natural. A concepção lockiana do contrato é menos rigorosa do que a de Hobbes e mais favoráveis às liberdades individuais.
Mas Locke insiste longamente na necessidade de não confundir “estado de natureza” e “estado de guerra”. O primeiro deve ser considerado um “estado de paz, benevolência, assistência e conservação mútua” do qual nada obriga a sair.
Mas se os homens decidem sair dele, a fim de obter, do “estado” de sociedade política, ou de sociedade civil, vantagens superiores do que as tinham no estado anterior, não é então sob pressão do medo nem , por conseguinte, com a intenção de aceitar qualquer forma da sujeição.
O contrato segundo Locke não produz um soberano exterior aos seus mandatários, isento de toda obrigação.
O contrato sob a ótica lockiana cria um governo que fica sob o controle ou sob governo , daqueles que lhe confiaram a missão de governar.A regra de agir do governo é a imposta pela vontade do maior número(majority).
Locke surge assim como o primeiro teórico do governo parlamentar, capaz de ser sob a forma monárquica quanto na forma democrática de governo. Suas idéias inspirarão, na Inglaterra, a Declaração dos direitos (Bill of Rights) de 1689 e, um século depois, a Constituição Americana de 1787, e a dez primeiras emendas constitucionais (1791), sem falar da Declaração francesa dos direitos do homem (em agosto de 1789).
Por tal razão, Locke continua sendo incontestavelmente o pai do liberalismo clássico. Rousseau afirmou no famoso tratado “Do Contrato Social”, que se os homens, vagando decidem agrupar-se para viver melhor (decisão razoável, pois, ao contrário do que se diz verdadeira “natureza” do homem só se realiza plenamente, para Rousseau como para Locke, no estado social), eles não pretendem, por isso, renunciar à menor parcela da sua liberdade original.
Seu problema torna-se então “encontra uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, obedeça, entretanto apenas a si mesmo, e continue tão livre como antes.”
A solução é o pacto social cuja cláusulas se reduzem todas a uma: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda comunidade.
“A condição sendo igual para todos” argumenta Rousseau, “ ninguém tem interesse em torna-la mais onerosa para os outros”.
A comunidade política deve formar uma única pessoa pública, um só corpo que é chamado Estado, quando é passivo, “soberano, quando é ativo”. Desta forma, as leis que regem tal Estado só podem ser expressão da “vontade geral”.
Só governa o interesse público, só importa a preocupação com a coisa público (res publica, como diziam os antigos romanos).
Em suma, todo governo legítimo é republicano. Sendo a forma ideal de governo a democracia. Mais propriamente a democracia direta, pois Rousseau afasta a idéia de se delegar a liberdade e o poder a representantes.
Infelizmente, a democracia direta só é possível sob certas restritas condições tais como: exigüidade de território, economia predominantemente rural, hoje em dia, desaparecidas e nem mais realizável.
Escreve Rousseau em prol da democracia direta “se existisse um povo de deuses”, ele se governaria democraticamente”. A Revolução Francesa deve tanto a Rousseau quanto a Revolução Americana a Locke.
No entretanto, o radicalismo do primeiro resistiu menos que o pragmatismo do segundo. A Constituição dos EUA não mudou desde a independência do país, enquanto que a revolução de 1789 terminou em meio ao Terror de Robespierre e seu legado, até hoje, não deixou de ser questionado por uma parte da sociedade francesa.
Cometeu o culto rousseauísta à democracia direta, e certamente excessos terroristas de 1793 e lançaram um certo descrédito sobre as utopias republicanas.
Tais razões contribuem para explicar que, se a problemática do contrato continua a inspirar Fichte e Kant que julga necessário distanciar-se da concepção de Rousseau e, mais ainda, da própria idéia de democracia.
A teoria do contrato nunca foi uma unanimidade aceita. Spinoza a ignorou. Montesquieu também, apesar de ser hostil à ascensão da burguesia.
Contra Locke, Hume afirmava, com ironia que nenhum poder jamais nasceu do consentimento, mas da coação e da violência, que a monarquia absoluta é conseqüentemente um regime perfeitamente legítimo.
O príncipe não precisa da concordância de seus súditos para cobrar impostos. Só a variante lockiana do contrato continua depois de Fichte e Kant a angariar, uma certa, simpatia da corrente liberal.
Nas outras correntes, a teoria do contrato só encontra hostilidade principalmente por parte dos adversários da Revolução Francesa. Hegel deixa claro a crítica de moralismo abstrato e do subjetivismo do problema político.
No século de Marx e da revolução industrial, a problemática do contrato perde todo o viço e só renasce no ano de 1971 de forma apurada na obra de John Rawls.
Todos os argumentos convergem e, efetivamente confirmam ser a democracia o melhor regime possível, e procede de uma forma determinada pelo contrato social que faz da democracia o regime mais justo.
A democracia tem-se consagrado em ser regime onde mais se luta contra as desigualdades, sem sacrificar a liberdade. O próprio conceito de contrato social que surgiu e evoluiu como expressão do século XVII até os nossos dias.
A expressão contrato social possui portanto status eminentemente bastardo segundo Christian Delacampagne se por um lado, ela é conceito, também é, por outro lado, uma ficção assumida.
Em síntese, uma ficção teórica, mas permanecendo na crença a qual alguns homens no estado de natureza, teriam sido capazes de raciocinar, de negociar, de assinar contratos, ao passo que o raciocínio jurídico, assim como a linguagem que serve para transcreve-lo, só é possível no estado social.
E os homens nunca viveram como outra forma que não fosse em grupos. O ser humano é sempre um ser social, e em estado de natureza não é menos ficção do que o próprio contrato social.
O contrato social como sugere Rousseau é apenas uma hipótese. Declaravam Maquivael, Montesquieu, Marx e Foucault que toda a sociedade está constantemente em estado de guerra civil.
Infelizmente temos constatado tal fato mais amiúde, sofrendo todas as conseqüências e as neuroses de se viver sob o signo da destruição. Rezemos por uma estabilidade e por reforço na crença do contrato social e na democracia para ser ter de verdade o desenvolvimento total da humanidade.
Ao se cogitar da justiça como centro da democracia equivale a acreditar também no conceito de igualdade e de “contrato social”. De sorte que desatar o emaranhado das relações que envolvem a justiça, igualdade e contrato é tarefa complexa, além de se constatar a íntima ligação entre tais conceitos o que nos reporta a um mergulho profunda na reflexão epistemológica de tais conceitos e valores.
Em suma, a igualdade é o meio de garantir a justiça, e esta é uma forma de perpetuar a igualdade. E ambas, pressupõem o estabelecimento de contratos.
Segundo o Dicionário Básico de Filosofia, de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, a igualdade advém do latim aequalitas, é uma noção lógica ou matemática significando a equivalência entre duas grandezas.
Assinala mais adiante que o termo igualdade possui várias acepções entre elas: a jurídica ou a civil significando que a lei é a mesma para todos; a igualdade política significando que todos os cidadãos têm o mesmo acesso a todos os cargos públicos, sendo escolhidos em função de sua competência; a igualdade material significando que todos os homens dispõem dos mesmos recursos.
As duas primeiras igualdades, igualdade de princípios, constituem a base das democracias.Adiante, ressalta ser questionável, a igualdade natural ou biológica, pois por natureza pois não somos idênticos uns aos outros.
Questionável ou não, a igualdade é resultante de um contrato que as partes concordam e aceitam de comum acordo, com o fim de instituir entre si uma relação mútua, na qual um deles em encontra uma vantagem igual.
E sendo assim a justiça é aquilo pelo qual os contratos são assinados, pois, pelo simples fato, de que são assinados, e as partes se comprometeram a não exigir, doravante, nada além do que a parte que lhes é devida em virtude do contrato.
Não é muito original a idéia de que para fazer reinar no seio da comunidade a igualdade e a justiça, e, portanto a democracia deveria ser fundada sobre um contrato.
Não é uma idéia crassa, pois prevê a hipótese criada e, portanto, completamente artificial da sociedade política. Portanto, também a igualdade é tão arquitetada quanto a sociedade política muito mais por necessidade do que exatamente por virtude.
O velho antagonismo expresso entre o nomos e a physis, ou seja, entre a lei (criação humana) e a natureza(dado fundamental onde o homem seria apenas uma parte) se encontra no centro de violentos confrontos de várias correntes do pensamento.
Para os sofistas, a sociedade política longe de ser uma realidade natural, é apenas um artefato assim como toda lei que é apenas uma convenção. Desta forma, identificamos, os sofistas como os precursores remotos da teoria do contrato social.
Protágoras de Abdera considera que cabe ao homem “medida de todas as coisas”, afirmar a sua soberania sobre a natureza, inventando leis capazes de fazer triunfar a justiça na cidade.
Hípias de Elis sublinha a relatividade de tais leis advinda de sua origem artificial e eminentemente convencional.
Antifonte indo além, afirma que não há nada moralmente condenável em transgredir as convenções sociais, desde que isso não seja feito às claras, ou seja, expressamente.
Platão e Aristóteles combateram incessantemente as teses sofísticas. E ambos, são crédulo em Sócrates que enunciou que o indivíduo separado de sua cidade, não será mais um homem; donde de se conclui que o cidadão é efeito da cidade e , não o contrário.
Aristóteles lança pela primeira vez no texto da Ethica Nicomanchea, um juízo acerca do problema da justiça prometendo sobre ele se debruçar em outra parte da obra. Assim tal problema situa-se em determinar qual o envolvimento entre a ética e a justiça.
Assim justiça é uma virtude, e é célebre a doutrina que define a virtude como um estado intermediário entre dois vícios: o de excesso e do defeito.
No diálogo “O político” de Platão este assimila a arte “do rei” , do legislador ou do homem de Estado, à arte do pastor. Mesmo que na seqüência no diálogo venha a aderir a uma definição diferente onde a arte “do rei” como a arte “do tecelão”.
No fundo, para completo desagrado de Aristóteles, o pensamento platônico em seu conjunto não opera distinção entre o “poder do pastor” sobre o rebanho, e do “pai de família” sobre seus parentes e o poder político propriamente dito. Em síntese, não há distinção entre a cidade e uma grande família.
O próprio Aristóteles se abstém de assimilar a cidade a uma família, não deixa de concluir , por outros caminhos, pela “naturalidade” da cidade.
Assinalava que o homem é o único animal dotado de palavras (logos), ou seja, da capacidade de emitir um discurso articulado o que lhe permite elaborar, a partir de uma reflexão sobre um prazer e a dor, as noções de bem e de mal, de justo e de injusto, é, ao mesmo tempo, “por natureza”, o único animal político.
Segundo o tratado aristotélico, a cidade é definida pela reunião de várias aldeias, e, por conseguinte, pela reunião de várias famílias, portanto, é a realidade mais natural que existe e atende completamente a instintiva tendência humana de se agruparem para garantir a sua própria reprodução e sobrevivência.
Só ao homem através do logos cabe o debate filosófico e político e o acesso ao pleno conhecimento do justo e do injusto. Fundamentalmente, a justiça é fruto da arquitetura social e política humana.
A cidade além de significar a forma suprema de comunidade, que se confunde com o Estado, além dela, nada mais existe ou é palpável. A cidade basta a si mesma, gozando de autonomia, pois, a cidade é suficiente para garantir não só a “vida” mas sobretudo a “vida boa” e “feliz”.
O domínio ora do platonismo e ora do aristotelismo sobre a cultura medieval impediu que os pensadores desta época concebessem a cidade (civitas), isto é, a nação , ou o Estado como criação artificial, como produto de vontade de viver em conjunto que uma comunidade humana tivesse manifestado.
A cidade é simples etapa no caminho da cidade “celeste” ou civitas Dei (a cidade de Deus). Sendo a cidade uma imperfeita transfiguração, não podendo evitar o mal e nem representar a finalidade suprema da existência.
De qualquer modo, tanto o pensamento de São Tomás de Aquino como o de Santo Agostinho deriva assim uma ver de maneira natural a primeira associação humana, in casu, o exemplo bíblico, de Adão e Eva, desejado e modelado por Deus.
A cidade terrestre requer uma certa atenção“médica” que já inspirava a certos pensadores medievais perorações sobre a “arte de governar”.
Apenas no século XVI sem a concepção naturalista da cidade a ser questionada, com o desenvolvimento das ciências experimentais, da tecnologia, do racionalismo e do humanismo que tanto contribuiu para o enfraquecimento da concepção religiosa e política do mundo.
E ainda, a eclosão das doutrinas de Maquiavel e Jean Bodin (teóricos e defensores da soberania do Estado diante da Igreja) e de La Boétie (ferrenho crítico da servidão voluntária) mais tarde, também as idéias de Johannes Althusius e Francisco Suarez (que foram introdutores da noção de soberania popular), sem se, esquecer das maravilhosas utopias de Thomas More e Tommaso Campanella.
Assim a cidade terrestre recupera seu status pleno de cidade, e consolida-se como o horizonte último da vida humana, sendo novamente concebida como obra ou artefato.
Situa-se precisamente a cidade como uma obra de arte ou de uma “técnica” para produzir cidades, assim como para produzir qualquer coisa. Como obra de arte, a cidade abrange uma certa estética e ética.
Por outro lado, a prosperidade da burguesia revolucionária (como disse Marx), ou seja, de uma burguesia industrial e comercial, que inventando o capitalismo, assumindo o poder na Europa leva, então os filósofos a pressentirem a necessidade de fundar, distinguindo-as, as da esfera pública (lugar da luta pelo poder) e as da esfera privada destinadas ao enriquecimento individual, material e espiritual.
E aos poucos, conceber progressivamente, o laço social da esfera pública a partir do laço comercial. Em suma, visualizar o contrato, o pacto ou convenção.
Inscreve-se a problemática do estado de sociedade nos dilemas do “direito natural”, simplesmente embora se trate apenas de uma de suas variantes possíveis.
As linhas mestras do modelo do contrato social encontram-se esboçadas nas obras de dois princípios jusnaturalistas do século XVII, Hugo Grotius (Do direito da guerra e da paz, em 1625) e Samuel Pufendorf (Do direito da natureza e dos povos, em 1672).
O tema do contrato mais tarde é retomado por Hobbes no seu “Leviatã” (1651), por Locke nos seus dois “Tratados sobre governo civil” (1690) e, algumas décadas depois por Rousseau em seu “Contrato social” (1762).
Após longo e silencioso eclipse, o contrato reaparece na obra de John Rawls (Teoria da Justiça, em 1971) que significou uma surpreendente renovação da filosofia política nos países saxônicos.
O holandês Grotius sobrevivente de Europa que sai das guerras religiosas e, adentrava na Guerra dos Trinta Anos, uma terra onde reina a insegurança e a violência, escreve que o Estado nada mais é que “um corpo perfeito de pessoas livres, que se reuniram para gozar pacificamente de seus direitos e para sua utilidade comum”.
Num second round, investindo o Estado da missão sagrada de fazer reinar uma paz sem a qual as transações comerciais não poderiam prosperar, e na idéia segunda a qual a sociedade política só poderia basear-se no consentimento de cada indivíduo, no sacrifício voluntário da sua própria independência, sacrifício graças ao qual cada um recolherá o benefício de uma segurança garantida por leis, assim como por instituições encarregadas de fazer respeitá-las.
Num primeiro tempo ocorre o “pacto de associação”(pactum societatis) pelo qual os homens se reúnem para constituir uma sociedade civil.
Num segundo tempo, ocorre o “pacto da submissão”(pactum subjectionis) pelo qual os membros dessa nova comunidade designam os titulares do poder que terá o encargo de protege-los , ou seja, de fazer reinar a paz, governando-os.
A extensão de tal submissão fora exagerada por Rousseau (um refugiado político) que não poupa em despojar do povo todos os direitos, para revestir com estes os reis, com toda a arte possível (in Do contrato social, livros II, cap.2).
Efetivamente, equivale ao cap. 4 do Livro I, “Do Direito da guerra e da paz” de Grotius, obra que continua ser a base do direito internacional moderno onde é consagrado “à guerra dos súditos” contra os poderes de que eles dependem, ou seja, contra o Estado.
Grotius ainda cita não menos de sete casos em que declara ser legítima resistência ao poder soberano, idéia audaciosa para época que emergirá pungente com os revolucionários americanos e franceses, e depois com os teóricos da desobediência civil que foi rejeitada por Hobbes e Kant.
Hobbes, na aurora dos tempos modernos, foi primeiro pensador (depois de Maquivael, Locke e Spinoza) cujas idéias políticas são indissociáveis de uma vasta concepção filosófica do contrato.
Hobbes não acreditava em Deus, nem no outro mundo, nem, neste mundo, em “espíritos” que existiriam inerentes aos corpos. Segundo ele, há apenas corpos. Alguns destes corpos humanos, movidos por uma força interna chamada desejo.
Somente o desejo pode explicar os movimentos humanos, o corpo humano é sobretudo um corpo desejante. E o desejo humano é naturalmente insaciável.
Tão logo acabo de desejar um objeto, começo imediatamente a desejar outro, já pensando nos meios de garantir , além desse próximo objeto, a minha própria sobrevivência (que é a satisfação de meus desejos posteriores).
Como não se é capaz de dizer: “aqui e agora, deixo de desejar”, segue-se que o estado natural no qual os homens se encontrariam uns em relação aos outros, sem nada nem ninguém os impedisse, de desejar infinitamente, só poderia ser um estado de guerra.
Para Hobbes o “estado de natureza” é um “estado de guerra” permanente e interminável, uma guerra apresentada (pelo Leviatã em livro I, cap.13), com “uma guerra de todos contra todos (a war of every man against every man).
E a célebre fórmula tirada da edição em latim do Leviatã: homo homini lupus (o homem é o lobo do próprio homem).
Evidentemente, é impossível em tal estado sob temor e terror constantes. Para escapar ao inferno terrestre, os homens (isolado e até então prisioneiros de seus desejos solitários) decidem portanto reunir-se a fim de fazer um “contrato”(contract) ou uma convenção (covenant).
De acordo com os termos desse contrato, cada um deles escolhe livremente criar com os outros uma “república” (que se traduz no século XVII com o termo commonwealth).
Escolhe abrir mão de um desejo seu, renunciar à sua liberdade para entrega-la a uma autoridade central, de um soberano (sovereign) ou de um “corpo político”(political body)
que, doravante, será dotado de todo poder para fazer triunfar a paz e a segurança.
Os signatários desse contrato estão ligados uns aos outros, uns pelos outros. Não terão mais o direito de exigir algo além dos benefícios que se podem esperar da tranqüilidade pública.
Nem o direito de subtrair-se à comunidade criada por eles, salvo, é claro, se a segurança de suas vidas estiver em jogo, pois em face da primeira “lei da natureza”,“ninguém pode ser obrigado a fazer algum coisa contra a própria vida”.
Mas o soberano não está submetido à convenção, pois é o produto desta, e não dos que a assinaram. O soberano é o “corpo artificial” totalmente separado da comunidade política, e não um “corpo natural”.
Ainda que assuma a figura de um indivíduo (ou de um conselho ou assembléia), que resuma a uma pessoa física (monarquia), ou plúrima (oligarquia). Tudo que o soberano faça será legítimo desde que a convenção seja respeitada (ou seja, e não ameace a vida dos signatários do contrato social).
A uma coisa que importa, na ótica hobbiana é que esse “corpo” dite a lei e a faça respeitar, e que nenhum de seus súditos possa rebelar-se contra ele, exceto, aquele que sinta que sua vida está diretamente ameaçada).
Indiferente à questão de melhor regime político, Hobbes legitima um despotismo novo, o despotismo da lei que representa a única garantia da paz civil.
Hobbes por causa de tal despotismo fora duramente criticado por tal posicionamento doutrinário e irritou severamente seus contemporâneos principalmente seus os sucessores como Locke e Rousseau (mais sensíveis ao tema da liberdade que ao paz).
Aliás, há trezentos anos continua Hobbes indignando a maioria de seus leitores, principalmente por ser materialista, tanto quanto Maquiavel, a que devemos creditar toda a laicização da política.
Hobbes tenta arquitetar a paz da qual o capitalismo precisa, acredita que pode limitar o estado de guerra ao estado da natureza.
Em contrapartida, Maquiavel (há um século anterior) e mesmo Hobbes, vivendo numa fragmentária Itália medieval, não pode se traduzir no pensador da “burguesia triunfante e reluzente” ignora a problemática do contrato e, estima que a guerra se estende também ao estado social.
Mas tanto Hobbes quanto Maquiavel não acreditavam nem em Deus e nem no diabo e não confundiam o teatro da política com o da moral ou da religião.
Assim como Maquiavel, Hobbes ofende as “almas nobres” e aos humanistas. A maldição sobre Hobbes foi agravada também por Carl Schmitt, teórico do “estado total” em um texto de 1927, cuja orientação foi rudemente criticada pelo Léo Strauss em artigo de 1932, tendo ainda em 1938, Schmitt a pachorra de escrever um ensaio sobre o Leviatã que adere inescrupulosamente ao anti-semitismo e a um totalitarismo sem precedentes. E que teria conseqüências desastrosas por toda a Europa.
Hobbes em sua concepção de contrato demonstra que o mesmo se destina a garantir o mínimo de segurança pública, sem a qual não se poderia cogitar de liberdade, digna em valor e extensão.
Sem Hobbes, salienta sabiamente Strauss, não seria possível o liberalismo clássico. Enfim, o despotismo da lei e o contrato hobbesiano tem o mérito de instaurar entre seus signatários uma autêntica igualdade sendo esta a prima substancial da democracia.
Não se poderia acusar Hobbes de ter dado mais importância àquela do que esta, ao “conteúdo” do que ao “continente”.
Locke preocupava-se mais com os dois pilares da riqueza burguesa que são de um lado, a liberdade de trocas, e de outro lado, o direito à propriedade privada.
Em sua obra”Segundo tratado do governo civil” mostra que o direito à propriedade privada é um direito natural. A concepção lockiana do contrato é menos rigorosa do que a de Hobbes e mais favoráveis às liberdades individuais.
Mas Locke insiste longamente na necessidade de não confundir “estado de natureza” e “estado de guerra”. O primeiro deve ser considerado um “estado de paz, benevolência, assistência e conservação mútua” do qual nada obriga a sair.
Mas se os homens decidem sair dele, a fim de obter, do “estado” de sociedade política, ou de sociedade civil, vantagens superiores do que as tinham no estado anterior, não é então sob pressão do medo nem , por conseguinte, com a intenção de aceitar qualquer forma da sujeição.
O contrato segundo Locke não produz um soberano exterior aos seus mandatários, isento de toda obrigação.
O contrato sob a ótica lockiana cria um governo que fica sob o controle ou sob governo , daqueles que lhe confiaram a missão de governar.A regra de agir do governo é a imposta pela vontade do maior número(majority).
Locke surge assim como o primeiro teórico do governo parlamentar, capaz de ser sob a forma monárquica quanto na forma democrática de governo. Suas idéias inspirarão, na Inglaterra, a Declaração dos direitos (Bill of Rights) de 1689 e, um século depois, a Constituição Americana de 1787, e a dez primeiras emendas constitucionais (1791), sem falar da Declaração francesa dos direitos do homem (em agosto de 1789).
Por tal razão, Locke continua sendo incontestavelmente o pai do liberalismo clássico. Rousseau afirmou no famoso tratado “Do Contrato Social”, que se os homens, vagando decidem agrupar-se para viver melhor (decisão razoável, pois, ao contrário do que se diz verdadeira “natureza” do homem só se realiza plenamente, para Rousseau como para Locke, no estado social), eles não pretendem, por isso, renunciar à menor parcela da sua liberdade original.
Seu problema torna-se então “encontra uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, obedeça, entretanto apenas a si mesmo, e continue tão livre como antes.”
A solução é o pacto social cuja cláusulas se reduzem todas a uma: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda comunidade.
“A condição sendo igual para todos” argumenta Rousseau, “ ninguém tem interesse em torna-la mais onerosa para os outros”.
A comunidade política deve formar uma única pessoa pública, um só corpo que é chamado Estado, quando é passivo, “soberano, quando é ativo”. Desta forma, as leis que regem tal Estado só podem ser expressão da “vontade geral”.
Só governa o interesse público, só importa a preocupação com a coisa público (res publica, como diziam os antigos romanos).
Em suma, todo governo legítimo é republicano. Sendo a forma ideal de governo a democracia. Mais propriamente a democracia direta, pois Rousseau afasta a idéia de se delegar a liberdade e o poder a representantes.
Infelizmente, a democracia direta só é possível sob certas restritas condições tais como: exigüidade de território, economia predominantemente rural, hoje em dia, desaparecidas e nem mais realizável.
Escreve Rousseau em prol da democracia direta “se existisse um povo de deuses”, ele se governaria democraticamente”. A Revolução Francesa deve tanto a Rousseau quanto a Revolução Americana a Locke.
No entretanto, o radicalismo do primeiro resistiu menos que o pragmatismo do segundo. A Constituição dos EUA não mudou desde a independência do país, enquanto que a revolução de 1789 terminou em meio ao Terror de Robespierre e seu legado, até hoje, não deixou de ser questionado por uma parte da sociedade francesa.
Cometeu o culto rousseauísta à democracia direta, e certamente excessos terroristas de 1793 e lançaram um certo descrédito sobre as utopias republicanas.
Tais razões contribuem para explicar que, se a problemática do contrato continua a inspirar Fichte e Kant que julga necessário distanciar-se da concepção de Rousseau e, mais ainda, da própria idéia de democracia.
A teoria do contrato nunca foi uma unanimidade aceita. Spinoza a ignorou. Montesquieu também, apesar de ser hostil à ascensão da burguesia.
Contra Locke, Hume afirmava, com ironia que nenhum poder jamais nasceu do consentimento, mas da coação e da violência, que a monarquia absoluta é conseqüentemente um regime perfeitamente legítimo.
O príncipe não precisa da concordância de seus súditos para cobrar impostos. Só a variante lockiana do contrato continua depois de Fichte e Kant a angariar, uma certa, simpatia da corrente liberal.
Nas outras correntes, a teoria do contrato só encontra hostilidade principalmente por parte dos adversários da Revolução Francesa. Hegel deixa claro a crítica de moralismo abstrato e do subjetivismo do problema político.
No século de Marx e da revolução industrial, a problemática do contrato perde todo o viço e só renasce no ano de 1971 de forma apurada na obra de John Rawls.
Todos os argumentos convergem e, efetivamente confirmam ser a democracia o melhor regime possível, e procede de uma forma determinada pelo contrato social que faz da democracia o regime mais justo.
A democracia tem-se consagrado em ser regime onde mais se luta contra as desigualdades, sem sacrificar a liberdade. O próprio conceito de contrato social que surgiu e evoluiu como expressão do século XVII até os nossos dias.
A expressão contrato social possui portanto status eminentemente bastardo segundo Christian Delacampagne se por um lado, ela é conceito, também é, por outro lado, uma ficção assumida.
Em síntese, uma ficção teórica, mas permanecendo na crença a qual alguns homens no estado de natureza, teriam sido capazes de raciocinar, de negociar, de assinar contratos, ao passo que o raciocínio jurídico, assim como a linguagem que serve para transcreve-lo, só é possível no estado social.
E os homens nunca viveram como outra forma que não fosse em grupos. O ser humano é sempre um ser social, e em estado de natureza não é menos ficção do que o próprio contrato social.
O contrato social como sugere Rousseau é apenas uma hipótese. Declaravam Maquivael, Montesquieu, Marx e Foucault que toda a sociedade está constantemente em estado de guerra civil.
Infelizmente temos constatado tal fato mais amiúde, sofrendo todas as conseqüências e as neuroses de se viver sob o signo da destruição. Rezemos por uma estabilidade e por reforço na crença do contrato social e na democracia para ser ter de verdade o desenvolvimento total da humanidade.
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, Doutora em Direito Civil. Leciona na FGV, EMERJ e Univer Cidade. Conselheira-chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, Doutora em Direito Civil. Leciona na FGV, EMERJ e Univer Cidade. Conselheira-chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ
Fonte:jusvi
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